“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
holehorror.at.gmail.com

29.3.08

Uma semana.
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Da Culpa

Tenho seguido com algum interesse mas sem oportunidade para escrever, a polémica em torno da figura jurídica da “culpa” que o PS pretende erradicar do processo de divórcio litigioso substituindo-a pela figura das “causas objectivas”. Eu que tenho sido uma crítica (objectiva), escrevendo amiúde sobre o assunto, da nomenclatura políticamente correcta deste governo, da tendência para (re)nomear palavras passíveis de causar susceptibilidade em minorias, bem como da nova ordem moral influenciada por Zapatero que tentam impor-nos para que todos sejamos belos, lisos, brilhantes e a cheirar a desinfectante mesmo que por dentro sejamos todos feios, porcos e maus, estou, e por uma vez, de acordo com o governo.

Se o divórcio unilateral proposto pelo BE é uma ficção absurda apesar de algo simpática porque nos permite divagar e sonhar com a possibilidade de um casamento unilateral também, já a questão da figura jurídica da “culpa” num processo de divórcio litigioso merece mais reflexão. Sobretudo merece que nos perguntemos se encontrar um culpado num processo de divórcio litigioso tem até hoje tido alguma eficácia no desenrolar do dito divórcio tornando as partes envolvidas menos infelizes bem como cumprimento das obrigações pós-divórcio, nomeadamente financeiras, da parte “culpada”. Eu até creio que o receio desse não cumprimento das obrigações, infelizmente tão normal e tão imagem da mesquinhez nacional (qualquer um de nós conhece casos destes infelizmente não é preciso sequer procurar) tem um efeito perverso na procura a todo o custo - da dignidade da pessoa, do equilíbrio emotivo dos filhos, etc – dessa “culpa” num último esforço de vingança num processo de divórcio. Um mau motivo, parece-me. O esforço deverá ser concentrado não em encontrar a “culpa” mas num acordo equilibrado encontrado se necessário com ajuda de mediação isenta, realista e exigente que obrigue ao cumprimento do que ficar estipulado em acordo ou pelo tribunal. O problema é que quem não cumpre não é punido, e garanto que não há “culpa” que obrigue a cumprir se a fiscalização não existe. Infelizmente. Por isso acabe-se com a culpa pelo divórcio e que seja culpado quem não cumpre a sua obrigação pós-divórcio. No fundo, no fundo é disto que se trata, não é? Pois obrigar a ficar casado quem não quer ou quem já “saiu” do casamento há muito parece estar fora de questão.

Também desta vez não concordo com a posição da Igreja. Primeiro porque a Igreja Católica nem sequer reconhece o divórcio, nem permite que casais divorciados e recasado9s só civilmente recebam os sacramentos, por isso este assunto pura e simplesmente não lhe diz respeito, tal como não diz respeito aos ateus tanta matéria religiosa. Em segundo lugar porque mesmo nos mecanismos da Igreja para dissolver casamentos (Declaração de Nulidade do Casamento) a noção de “culpa” não só não existe como nem sequer é encorajada. Nesta matéria a Igreja deveria, e também por uma vez, ser muito mais discreta e deixar a sociedade civil decidir.

28.3.08

Combate ao Sedentarismo 51

Richard Widmark (1914-2008)

26.3.08

Michael Clayton

Michael Clayton, visto recentemente. George Clooney no seu melhor, sem o charme óbvio de Clooney, mas numa personagem complexa e que prende, um pouco decadente, frustrada, mal amada, com a vida no fio da navalha, mas sempre um sobrevivente. A impressão de inadaptação da personagem percorre o filme tornando-o mais interessante, modulado e mais vivo e menos mecânico e previsível, pois sendo um thriller bem conseguido, bem construido, bem feito e bom de ver, como alguns outros igualmente bem conseguidos, bem construidos, bem feitos e bons de ver faz a diferença por estas nuances das personagens. As interpretações também fazem a diferença. Tilda Swinton, num bom papel de composição, é glaciar e impecável e mereceu o Oscar. Tom Wilkinson também tem um belíssimo trabalho no papel de uma visionário desequilibrado. Anthony Minghella produziu.

25.3.08

Dando Excessivamente sobre o Mar 28

Joseph Mallord William TURNER (1775-1851)
Paysage avec une rivière et une baie dans le lointain
(Clicar para aumentar)
Trabalho por objectivos: aqui. Lamento que o esforço do estado para implementação destas novas estratégias de incentivos aos profissionais se desenvolva prioritariamente (ou mesmo exclusivamente) no sentido de arrecadar sempre e mais receitas para o estado, e não no sentido de servir melhor o contribuinte, onde seriam muitas as áreas a beneficiar de tais metodologias, como por exemplo o SNS para se diminuir as famosas listas. O trabalho por objectivos pode fazer maravilhas em muitas áreas.

22.3.08

Má Educação

Hoje ao olhar a imprensa vi esta notícia na BBC a propósito de um estudo no Reino Unido. Vem mesmo a calhar agora que nós por cá estamos chocados com o vídeo colocado no youtube e que correu os media de uma aluna a agredir uma professora, perante o olhar hooligan dos restantes colegas de turma, que tentava exercer a sua legítima autoridade na sala de aula. Talvez a professora não tivesse sido perfeita no exercício da sua autoridade, talvez porque tentasse pôr em prática algum método aprendido numa dessas formações psico-qualquer-coisa sobre psicologia juvenil, diálogo e exercício de autoridade. Este estudo britânico põe o dedo numa das maiores feridas da escola e do natural e desejável exercício da autoridade que deveria começar em casa. A falta dela tem consequências visíveis no normal funcionamento da escola e na fundamental e essencial hierarquia e disciplina da instituição. Mas é apenas uma das feridas de um sistema todo ele em ferida aberta.

Descida da Cruz

Paula Rego
Pieta

21.3.08

Na Cruz

Velázquez
Cristo Crucificado (1632)
(clicar para aumentar)

Museus em Madrid 3

Da colecção de Velazquéz, este quadro que reproduzo em cima é um dos mais extraordinários. Vi-o de longe, ocupava uma parede e a surpresa e o choque foram instantâneos tal a força do quadro, pela simplicidade, contenção e realismo. Um dos quadros de Velazquéz em que as linhas e o equilíbrio atingem a perfeição, e em que é transmitido sem frufrus nem excessos decorativos, simbólicos ou de sangue, o mistério da cruz. Pelo minimalismo do objecto tratado “esconde” o barroco (o drapeado do pano, a definição anatómica) e respira modernidade e veicula uma emoção única. Um dos mais belos quadros que já vi.

O museu do Prado com a sua ala nova ampla e luminosa que serve de entrada e onde estão as lojas e as cafetarias (muito boas) tem uma colecção de pintura de grande dimensão à escala mundial e está sem sombra de dúvida ao lado dos grandes museus como o Louvre ou a National Gallery e a poucas centenas de quilómetros de qualquer cidade portuguesa.

20.3.08

A Eucaristia

Nicolas POUSSIN (1594 - 1665)
L'Eucharistie
(clicar para aumentar)

19.3.08

O Lado Selvagem


Sean Penn, um dos bons actores que hoje temos, assinou a realização de Into de Wild (O Lado Selvagem), um filme que já vi há umas semanas É um filme surpreendente que retrata uma busca de si, uma visão diferente do mundo numa nostalgia do mito do bom selvagem. Com sensibilidade e contenção, sem melodrama e escapando a aos facilitismos sentimentais - não deixa o espectador entusiasmar-se com o percurso e a descoberta da personagem principal, a tristeza percorre o filme ao de leve desde o primeiro momento, lado a lado com a procurada “libertação”- mais que “liberdade”, como mais tarde se descobre. Banda sonora óptima a dar o toque melancólico. Boas interpretações.

Plataforma contra a Obesidade 37

Joachim Beuckelaer
The Four Elements: Air

17.3.08

Plataforma contra a Obesidade 36

Joachim Beuckelaer
The Four Elements: Water

Do Pecado

Em tempos de relativismo moral, de consumismo frenético, de vontades rapidamente satisfeitas, e de pressa em viver, falar de pecado é uma chatice e pensar sobre ele é de quem não tem nada melhor nem mais urgente que fazer. O Papa Bento XVI que não se compadece com esta estranha forma de vida que domina o ocidente falou sobre o pecado no seguimento do seu antecessor João Paulo II, tentando reforçar a sua (do pecado) dimensão social e as consequências que ele pode ter na sociedade. Foi mesmo estabelecida uma lista de seis pecados sociais a juntar à lista tradicional dos sete pecados mortais, não vá o católico consciencioso perder-se neste labirinto que parece ser a vida moderna. Confesso o meu cepticismo em relação a esta nova lista de pecados, à sua necessidade e pertinência, à especificidade dos tempos modernos que exige actualização da lista, e creio que ela está em desacordo com alguma tradição mais exigente do ponto de vista teórico e teológico.

O pecado é uma livre transgressão à lei de Deus, quer em acto, palavra, pensamento ou omissão: Tem que ser grave, feita de forma totalmente consentida e conhecedora, e diz-nos o catecismo que faltando um destes requisitos já não se trata de pecado mortal. Vendo o pecado à luz desta definição, estamos perante matéria do foro íntimo entre o pecador e Deus, sendo o sacerdote que ouve a confissão e dá o perdão de Deus apenas o veículo que reconcilia o pecador com a Igreja. Os sete pecados mortais (relembro: Avareza, Gula, Luxúria, Soberba, Preguiça, Inveja e Ira) tais como a Igreja os estabeleceu há séculos são suficientemente sólidos e representativos da miséria humana e podem cobrir qualquer desvio à ordem divina, para além de serem sempre a mola a qualquer forma concreta que um pecado possa tomar. Por exemplo, os pecados contra a natureza poderão ser muitas vezes atribuidos à soberba humana ou à luxúria (pelo dinheiro e lucro). Também alguns actos tais como os que estão descritos na lista recente de pecados sociais, por exemplo abortar, podem não ser necessariamente pecado mortal se as condições acima descritas não existirem.

Este estender do pecado à esfera social, definindo como pecado situações concretas e não sentimentos ou características da alma humana, também contém outros perigos. Aqui neste blogue tem-se escrito criticando, a propósito do islamismo, os danos da omnipresença da religião em todas as esferas da actividade social dominando e influenciando quer as leis, quer os hábitos, a cultura, a mentalidade. Apesar do ocidente estar numa situação que não se assemelha à existente em tantos países islâmicos, não gosto que o manto da recomendação religiosa se estenda, através de directivas concretas, a outras áreas. Nem sequer é necessário e desvirtua a noção pessoal e íntima do pecado. Como já disse a antiga lista dos sete pecados mortais tal como estão definidos podem bem continuar a cobrir qualquer acto deliberadamente contra a vontade divina que a imaginação mais criativa possa inventar (como se ainda houvesse algo a inventar) tal como tem sido feito ao longo dos séculos e também não reconheço aos tempos modernos perigos assim tão inovadores e específicos para a alma humana que requeiram novos parâmetros na abordagem ao pecado.
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16.3.08

Plataforma contra a Obesidade 35

Joachim Beuckelaer (? - 1574)
The Four Elements: Fire

De Boas Intenções...

Há palavras fortes do catolicismo que não deixam ninguém indiferente, tanto católicos como não católicos. São palavras que estão mais ou menos na moda e são mais ou menos usadas conforme as épocas e as mentalidades, são semente de muitos equívocos, de medos e de raivas e ódios. Estes últimos vêm sobretudo de um sector anti-clerical que vê na Igreja Católica a fonte de todos os males passados, presentes e futuros da inteira humanidade.

Proponho-me neste tempo de Páscoa reflectir sobre algumas dessas palavras de uma forma que será, eventualmente, pouco ortodoxa, mas que é fruto de uma visão pessoal e livre apesar de marcada pela doutrina da Igreja. São elas: o Pecado e o Inferno que andaram recentemente na boca dos media, bem como o Mal e o Diabo (palavra maldita, mas de forte tradição doutrinal), que continuam “tabus”, mas creio que não por muito tempo. Veremos se conseguirei levar a bom porto a intenção, no meio de pinturas, desabafos, notas sobre filmes ou livros, fotografias e outras coisas que possam surgir.
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15.3.08

Em Flor 16

Há dias assim,

como o de ontem, em que se chega tarde a casa e, em reflexo condicionado, se liga a televisão para tentar perceber se durante o alheamento informativo que às vezes são os dias, alguma coisa aconteceu. Em vez disso entramos em choque e perguntamo-nos onde estamos, se por acaso nalguma esquina entre luzes de semáforos não nos desviamos do nosso caminho e se não teremos entrado numa outra dimensão deste mundo. Fiquei assim vendo a SIC entre as notícias sobre a proibição dos piercings de acordo com uma tabela qualquer pensada por especialista (certamente) e regulamentação de tatuagens e a reportagem sobre Luis Filipe Menezes na intimidade. Proibir piercings? Mas quem é que vai fiscalizar essa legislação se ela algum dia existir? Numa sociedade onde há salas de chuto, onde se pode abortar legalmente até às 10 semanas, como é que estes legisladores e têm a arrogância de pensar que algum dia podem regulamentar esta actividade de piercings e tatuagens? Pior, como é que lhes passa pela cabeça que isso é importante? Quem lhes disse que era necessária regulamentação dessa área? Quem neste governo sofre de esquizofrenia legislativa e de hiperactividade regulamentar? Estão todos doidos? Já agora, informem-nos por favor sobre o que é que se propõem regulamentar a seguir, uma vez que a noção de liberdade individual lhes é totalmente alheia.

Ainda mal refeita dos piercings na língua e restante cavidade oral, vejo a reportagem sobre o líder da oposição “na intimidade”. Eu que cada vez percebo menos de política e que cada vez entendo menos seja o que for sobre agências de comunicação (e o mundo em geral, diga-se), tento o mais possível não perder o bom senso do meu horizonte. Aquela reportagem não tem ponta por onde se lhe pegue. Será que alguém depois de ter visto Luís Filipe Menezes em toda a sua glória intimista, quer um homem assim para primeiro-ministro? Se a reportagem de José Sócrates foi ensaiada e falsamente natural com as já famosas referências às leituras dos filósofos espanhóis, e o telefonema a Zapatero, pelo menos foi pensada para poder contornar a ratoeira que a “intimidade” tanta vezes se revela ser. José Sócrates não se expôs muito, e bem, a reportagem não acrescentou nada, pior para a SIC que gastou recursos nesse projecto. O caso Luís Filipe Menezes foi pior para o próprio: a sua intimidade foi uma ratoeira em que não se entende como é que ele caiu. Os seus conselheiros e as célebres agências estavam onde? Mostrou uma casa sem alma, um restaurante banal, um barbeiro a despropósito, um hotel em Lisboa, que não deram propriamente uma imagem de solidez. Uma exagerada exposição de filhos, pais e namorada que falando de LFM também em nada contribuiram, apesar da boa vontade, para uma acrescida consistência e coerência à figura do líder da oposição. Também o discurso de LFM se enche de contradições mesmo a falar de coisas simples e banais como foi sobre o seu principal defeito (a jornalista perguntou isso). Ideias políticas também não passaram e a vacuidade foi confrangedora. Não gostei especialmente da jornalista que nem no caso de José Sócrates nem no de Luís Filipe Menezes conseguiu passar da trivialidade. Nunca fez perguntas interessantes que permitissem aos entrevistados brilhar um pouco. Nos momentos em que isso aconteceu (com JS) foi porque o entrevistado se impôs. Como trabalho jornalístico também achei as reportagens fracas.

Plataforma contra a Obesidade 34

Joachim Beuckelaer (?-1574)
The Four Elements: Earth

13.3.08

Véu Islâmico 10

O Caderno P2 de hoje do Público tem um artigo grande sobre a Sharia em Portugal e uma reflexão de um especialista em direito islâmico que nos diz que não devemos ter medo da Sharia. Confesso a minha perplexidade face à certeza e firmeza de uma tal afirmação, sobretudo vinda de um ocidental, numa matéria em que as interpretações – todas elas válidas - são tão díspares e em que a fonte principal dessa Lei é o Corão, um texto normalmente muito taxativo (é só pegar e ler para confirmar). Sem querer pôr em causa a bondade e boa vontade de tantos imâs que usam a Sharia com bom senso em situações que potencialmente seriam de grande injustiça, que confiança posso ter eu num sistema fundado num sistema de valores em que a igualdade de direitos e oportunidades não é nem bem visto nem encorajado.

Assim eu pergunto-me o que é que conta: uma sharia em versão “português suave” (título do Caderno P2) em que até se percebe que uma mulher possa ir trabalhar, em que se justifica o porquê de um homem receber o dobro de uma herança, e em que não há chicotadas nem mãos cortadas, ou uma sharia em que as mulheres são obrigadas (ou pressionadas socialmente) a usar uma burka, impedidas de trabalhar, menores e impossibilitadas de decidir, herdar e guardar os filhos? Qual das “sharias” é a melhor, a mais correcta, a que representa a vontade de Alá? Eu pergunto-me também: o que é que conta os diferentes graus de severidade (ou liberalidade) na aplicação da sharia ou os pressupostos e sistema de valores que estão subjacentes?

Jackson Pollock. (1912-1956)
One: Number 31, 1950

10.3.08


Já passaram 30 minutos das 20 horas e os jornais televisivos, nomeadamente a SIC que tenho seguido mais, ainda falam do Benfica. Eu que já acho incrível que se inicie um telejornal com a saída de um treinador de um clube de futebol, mesmo sendo o maior clube português, fico estupefacta quando não só se inicia mas se continua a ocupar dezenas de minutos em notícias, reportagens, análises e especulações sobre o futuro do clube, numa altura em que Portugal ainda vive a ressaca de uma grande manifestação de descontentamento da classe média em relação ao governo, pois é assim que eu leio a “marcha da indignação” e o seu tão amplo sucesso, algo de novo na história da nossa democracia, numa altura em que o PSD, apesar da vitória do Conselho Nacional para proceder à alteração de estatutos, continua a fervilhar internamente, numa altura em que a vizinha Espanha se reajusta politicamente, numa altura em que Obama ganha Wyoming e certos sectores temem que os Democratas não consigam a Presidência, numa altura em que Naide Gomes é campeã mundial, em que o FCP consolida a sua liderança, O Vitória de Guimarães e o Vitória de Setúbal se fortalecem, o SCP parece inerte, enfim... Não faltam notícias para dar, temas para comentar, decisões para analisar, reportagens a fazer. Mas não, estamos reféns do Benfica.

Adenda: A seguir ao Benfica que notícia é que ocupou a nossa atenção? Claro, a Mariluz e o seu funeral com centenas de pessoas.
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9.3.08

Combate ao Sedentarismo 50

Depois da polémica causada pela actuação da PSP junto das escolas a querer saber quantos os professores que tencionavam participar na “Marcha da Indignação” agora sabemos do excesso de zelo da GNR a querer saber se os professores que viajavam para Lisboa em autocarros vinham devidamente “acondicionados” entre assentos e cintos de segurança. Tal operação de fiscalização atrasou a viagem de muitos professores impedindo-os de participar na manifestação. Patético! E ficamos a perguntar-nos se há ou não coincidências. Será que vamos aguardar pelas conclusões de mais um inquérito a ser pedido pelo Ministro da Administração Interna?
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7.3.08

A ler este post no Origem das Espécies. Um retrato quase em directo da vida real duma escola. Nesta questão não há inocentes, e houve uma vontade de encontrar bodes expiatórios de uma culpa partilhada. Pelos pais que largam os filhos e esquecem o seu dever de educar e zelar. Pela sociedade que desculpabilizou, relativizou e espera tudo e demais da escola. Pelos teóricos da educação que, complacentes, confundiram prioridades, relativizaram valores e esqueceram o ensino, a exigência e a autoridade. Pelos próprios professores que abusavam de baixas, que eram campeões de absentismo, e se acomodaram à rotina. Pelas políticas actuais irrealistas irresponsáveis e arrogantes. Como disse: não há inocentes.

Dando Excessivamente sobre o Mar 27

Claude Monet (1840–1926)
Garden at Sainte-Adresse
(Clicar para aumentar)

6.3.08

Grande Arte

A Grande Arte de Rubem Fonseca revelou-se um livro difícil de ler, pois foi-se tornando a pouco e pouco num caso sério e complicado de amor/ódio. Quando o comecei fiquei de imediato presa e enfeitiçada com a escrita, a sua fluidez, a forma magistral como se encadeavam os diferentes planos narrativos, os desdobramentos do narrador, o ritmo, os diálogos curtos, incisivos e inteligentes, a ironia sempre presente, uma dose certa de cepticismo. Tudo parecia perfeito. O romance obriga-nos a estar atentos, prende-nos sem no entanto ser inacessível ou difícil. O enredo é uma sinfonia daquelas que requerem todos os instrumentos conhecidos, tantas as personagens, e as acções.

No entanto houve uma altura em que comecei a cansar-me um pouco, a perder algum alento e atenção numa altura em algumas cenas violentas se sucederam e me incomodaram. Não, disse para comigo, ler livros destes que perturbam, que incomodam, não vale a pena. Gostei dos primeiros capítulos, fico por aqui. E assim foi. Pus o livro de parte, sem no entanto o arrumar nas entantes, e voltei a minha atenção para outros. Mas de vez em quando via o livro e achava que tinha de lhe voltar a pegar, jurando que o faria com cuidado e evitando as cenas violentas. Assim foi, envolvi-me outra vez com a orquestra sinfónica completa que é o romance até me ver envolvida noutra cena de alguma crueza e bastante desagradável. Aí zanguei-me de vez (pensava eu). Não quero saber disto para nada. Voltei a pôr o livro de parte. Passou um ou dois meses e o livro não me deixava, não saía do meu horizonte visual, queria saber como é que ia acabar, queria outra vez envolver-me. Assim foi e decidi que iria ler o livro até ao fim.

Um bom e grande romance, com todos os ingredientes a que temos direito: personagens fantásticas, bem desenhadas e cheias de vida e personalidade, enredo complexo, mistério, crime, suspense, intriga familiar, diferentes planos temporais, histórias na história, enfim, um verdadeiro romance e certamente um dos melhores escritos em língua portuguesa dos que li recentemente (verdade que não leio muitos). Muitíssimo bem escrito. Nem sempre simpático, nem sempre agradável de ler. Violento. Almas sensíveis devem abster-se.

4.3.08

Podia ser o Flying Circus, mas não é. Ainda há quem diga que Portugal não tem interesse nenhum.

Um partido que se forma ao centro do já bem preenchido centro. E imagine-se, num rasgo de cidadania e espírito pátrio, promete esperança e pontes entre nós, como se lá no centro do centro fizesse falta a esperança e como se não existissem já pontes demasiadas.

Suicida suicida-se e depois de suicidado continua a suicidar-se. Tudo num total de três facadas, num corredor técnico de um Centro Comercial.

Tardes de Inverno 12

Peter Paul Rubens (1577-1640)
Le Chapeau de Paille

História de Amor

“O Senhor já amou alguém?”, perguntou o português.

“Todo o mundo já amou, uma vez pelo menos”, eu disse.

“Todos não, nem todos. E amar, só se ama uma única vez”, disse Alberto. “Vim para cá seguindo uma mulher, uma deusa, uma santa. Ela havia entrado, um dia, no nosso restaurante em Belém do Pará. Assim que a vi apaixonei-me perdidamente, era ainda uma menina, de quinze anos. Servia-a à mesa sem que ela me olhasse um mísero instante sequer. Perguntei à senhora que a acompanhava, e que depois soube ser sua tia, de onde eram. Eram de Corumbá, respondeu-me a tia. Logo saíram. Não pude esquecê-la e não me envergonho de confessar que passava as noites a chorar de sofrimento. Emagreci e cheguei a cuspir sangue”.

Alberto levantou o copo como se estivesse a brindar o facto de ter cuspido sangue por amor. “Eu estava tão ensandecido que abandonei a mãezinha – que Deus a tenha, junto com o meu pai, no céu – e vim para Corumbá atrás da moça.

A garrafa esvaziara. Pedimos outra ao garçom.

“Quando cheguei aqui procurei-a por toda a parte. Abri este restaurante, economizei, prosperei, ganhei dinheiro, mas meu coração sangrava como o de um mendigo sem uma sopa fria para tomar. Um dia, um dia inesquecível, ao passar pela porta de uma igreja, vi um casamento. A noiva, toda vestida de branco, e uma grinalda de flores de laranjeira e um longo véu de renda seguro por dois pagens, um menino e uma menina, caminhava como uma princesa pela nave da igreja. Quando vi seu rosto senti algo terrível, como se um raio tivesse se abatido sobre a minha cabeça. A noiva era ela, a mulher dos meus sonhos. Saí da igreja como um cego, um morto desesperado, cambaleando, e assim fui até ao rio e nele atirei-me com a esperança de me afogar ou ser devorado pelas terríveis piranhas”.

A essa altura de sua narrativa, Alberto fez uma cara tão compungida que parei no meio a primeira garfada de pintado que acabara de ser servido. Seria uma indelicadeza degustar a comida ante tanto sofrimento.

“Mas esta é uma história feliz”, disse Alberto, mudando de semblante, “Não me afoguei pois nasci à beira do Elvas, onde aprendi a nadar, e as piranhas não quiseram comer a minha carne desventurada”.

Amor, o português sabia, era desvelo, respeito, mas também paciência. O mundo dava voltas. Seis meses depois do casamento, o marido da moça, que estava a pescar no Pantanal, caiu dentro d’água e como não sabia nadar, afogou-se. Alberto esperou um ano antes de começar a lhe fazer a corte.

“Isso merece um Terras Altas”, eu disse.

Não havia mais Terras Altas. Foi substituído por um Granleve. Para Corumbá era até bom demais. Saí do restaurante no estado de embriaguez que me deixava feliz. Além do mais gostava de histórias de amor que terminassem bem, como a do português.


Rubem Fonseca, A Grande Arte.
Campo das Letras

2.3.08

Coisas que se podem fazer ao Domingo 26

Ilha da Páscoa (Rapa Nui), Polinésia, 1000 AC
Hoa Hakananai'a


Longas digestões
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Junkyard

A sensação de que a escola é um junkyard, onde tudo é válido, tudo se experimenta, tudo se tenta, tudo se procura e tudo o que não é o seu principal objectivo se exige, perdendo de vista a sua função central e a estabilidade necessárias para a formação de uma geração atrás da outra, continua cada vez mais forte e mais dramática. Há um ano, a propósito do filme “Notes on a Scandal” falou-se do retrato da escola traçado nos primeiros 10 minutos do filme pela personagem encarnada por Judi Dench; um retrato cínico e amargo onde não se percebe bem que futuro a escola prepara quem a frequenta, e onde o respeito pela instituição é inexistente da parte de todos os envolvidos. A escola é nesse filme apontada como um prolongamento dos serviços sociais, mais do que um local de aprendizagem e do saber e da exigência, disciplina e avaliação que o aprender e saber exigem.

Nesta semana que passou realço dois factos. O primeiro na vizinha Espanha, melhor na Catalunha, com os folhetos distribuidos pelas escolas ao abrigo do programa “Salut i Escola” em que se discorre sobre as vantagens da masturbação aos alunos entre os 10 e os 16 anos. Esta é uma imagem da face desta vertente actual de laicismo militante (a vontade de “chocar” a tradição católica é demasiado óbvia) e de politicamente correcto. Sem querer pôr em causa as vantagens de uma educação sexual da parte da escola, mais informativa do que formativa (para não andar sempre a mudar ao sabor das últimas modas), eu interrogo-me sobre se não seria melhor concentrar os limitados recursos das escolas no estudo da matemática, da língua castelhana ou portuguesa no nosso caso, da ciência, da história, do inglês. O disparate parece não ter fim, e ainda bem para os envolvidos que o ridículo, tal como a masturbação, não mata. Isso o folheto não explicava.

Também esta semana a entrevista de Ana Benavente à SICN na quinta-feira, que por acaso vi. Percebeu-se bem demais a intenção e, tal como com o ex-ministro da saúde, Correia de Campos, a pressão contra M. De Lurdes Rodrigues, vem também de dentro do PS. Ana Benavente, ex-Secretária de Estado, foi patética e fiquei chocada e incrédula a ouvi-la num discurso já demasiado ultrapassado, gasto e penoso, e não me lembro de uma crítica contundente e pertinente à actuação da ministra. Tudo o que ela disse remete-nos para um universo muito pior do que o que aquele que a actual ministra mesmo nestes momentos de forte crise no sector, gerados também pela sua política, em que abundam a contradição, o autoritarismos incoerentes, a falta de estratégia, pode remeter. Para quem deseja ver mudanças e reformas no sistema de ensino em Portugal, Ana Benavente foi naquele momento a imagem de tudo o que não se quer: a complacência para com as “corporações”, professores, sindicatos, alunos, pais; o laxismo perante a exigência, rigor e a autoridade da escola, as avaliações de todos os envolvidos (alunos primeiro, professores também); a obsessão pelos consensos ousando até, apesar da precaução, a palavra “diálogo”.

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