“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
holehorror.at.gmail.com

28.11.08

Ver os Filmes dos Livros 2


O filme “Brideshead Revisited”, só tem o mérito de ter sido uma aposta e ousadia, porque falha em tudo o resto. Afasta-se do espírito do romance (que a série televisiva mantém) se nos dar nada de novo, nem ousar quer a nível da interpretação nem a nível técnico e formal. O filme parece ter sido feito para estúpidos de tal forma é “explicadinho” e óbvio acabando com a neblina evocativa que paira no romance e na série. O que eram suposições, insinuações, tensões implícitas, teias de complexas relações algo imprecisas, mas fortes, ficou óbvio, explícito, e muito banal. O Catolicismo que funciona como a tela que suporta a pintura e sem a qual a pintura não existe e que tem uma presença real, tentacular e insidiosa, mas pouco precisa e óbvia, e sobretudo pouco folclórica, ocupa no filme uma posição explícita e folclórica que surpreende; tal como a cena da família a cantar o Salve Regina ou uma das derradeiras cenas, a da morte de Lord Marchmain e da excessiva dramatização do seu gesto final de reconciliação com a Igreja aceitando a confissão. Tudo no romance gira em torno do catolicismo tal como ela é nas classes altas em Inglaterra (diferente do catolicismo em Itália, como é demonstrado), e do seu peculiar “pathos”, mas nunca essa relação entre o catolicismo e as personagens é banal, corriqueira, folclórica ou confortável, burguesa e moderna.

As relações entre as pessoas nomeadamente entre Charles e os diferentes membros da família, bem como com Brideshead itself, são líquidas e sem contornos definidos no romance (e na série): não há casualidades explícitas. No filme essas relações são estandardizadas e simplificadas ao estilo telenovela em binómios, o primeiro do qual assenta no sistema de classes, e em modelos fáceis e explicados para consumo de massas. A homossexualidade de Sebastian, primeiro insinuada e só no fim percebida é convertida num patético manifesto gay, a ligação entre Charles e Julia aparece como contraponto da ligação entre ambos com Sebastian e não como uma fluída complementaridade, bem como a explicitude da relação entre Charles e lady Marchmain são exemplos dessa estandardização das relações perdendo-se a teia complexa e dinâmica em que todos estão ligados a todos. A própria Lady Marchmain (que nem Emma Thompson consegue salvar) é demasiado vulgar. Sebastian um autómato, Julia uma personagem oca, só Charles consegue ter um pouco de densidade, mas só se nunca nos lembrarmos do Charles interpretado por Jeremy Irons, coisa de difícil concretização.

No fim do filme, à laia de moral da história (coisa horrível) Julia pergunta a Charles o que é que ele afinal quer, e Charles acusa-se por ter querido ter tudo (ainda o binómio de classes). Não poderia discordar mais dessa visão reducionista e tão “actual”. A culpa dele não é a de ter querido tudo, se é que quis tudo, esse não é o centro da questão, nem ninguém naquele universo se preocuparia com tal mundaneidade. A culpa vem deles, vem de sempre, vem de serem como são, de não conseguirem ousar serem “felizes” (só Lord Marchmain o tentou), Charles ao ser mergulhado naquela família também não consegue escapar à culpa mesmo sem saber bem de onde vem: de trair Sebastian, de querer Julia? De não corresponder às expectativas de Lady Marchmain? A dúvida de uma culpa que não se percebe é que atormenta Charles.

O filme afasta-se demasiado do espírito do romance, simplificando-o e apatetando-o sem nos dar nada de novo, de ousado e interessante em troca: a realização é pastosa e cheia de clichés, o processo narrativo não é ousado e o flash-back é o esperado, os actores carecem de qualquer espessura, parecem bonecos postos num cenário que tenta ser grandioso, a fotografia que poderia ser boa é também banal. O filme deu-me uma vontade enorme de rever a série de tal forma foi uma posta perdedora.

27.11.08

Miguel Sousa Tavares no seu comentário semanal na TVI considerou os atentados em Mumbai mais como uma manifestações de extremismo religioso típico da Índia do que de um atentado terrorista e face do terrorismo extremista que hoje nos ameaça.

Confesso a minha perplexidade entre esse preciosismo de ser fruto de extremismos “locais” versus extremismos “globais”. Realmente isso é indiferente uma vez que o tom de ataques deste género afectando civis e inocentes indiscriminadamente foi dado pela Al Qaeda que foi essa organização que mudou a face do terrorismo. Depois é difícil estabelecer fronteiras nítidas entre as “intenções” ou “origens” deste tipo de terrorismo uma vez que a Al Qaeda é uma organização que funciona com células autónomas e descentralizadas que podem decidir autonomamente como agir.

Também confesso o meu espanto perante a sua preocupação pelas manifestações de extremismos religiosos na Índia uma vez que nunca o ouvi sobre os recentes ataques de Hindus às comunidades cristãs. Mas, claro, sobre isso nunca interessa falar.

Tardes de Inverno 13

Winslow Homer (1836-1910)
A Game of Croquet



Ver os Filmes dos Livros

Sempre achei que era extraordinariamente difícil comparar a leitura de romances com os filmes que se fazem baseados neles. São géneros com processos narrativos distintos e na mudança de registo, nomeadamente de livro para filme, há sempre algo que se perde, porque, por exemplo, ao dar um rosto a uma personagem há uma concretização daquilo que para cada leitor é uma ideia. Pode-se ganhar no joga da câmara, no ambiente que se escolhe, mas a perda inplícita é quase sempre vivida com alguma nostalgia do prazer tido, das evocações ou de outras sensações que, se esfumam nessa mudança. No entanto nunca li os livros que se fazem dos filmes, ou os livros que já se fazem a pensar nos filmes, (o que deve condicionar imenso a escrita que deverá ser pouco mais do que uma base simples para um script do que um romance, penso eu) por isso tenho dificuldade em falar desse sentido na mudança de registo.

Há casos interessantes de livros que dão filmes. Alguns criam sucesso próprio, outros não. Uns conseguem ser uma peça que vale só por si, outros não e nunca conseguem ganhar vida “própria” e mérito “próprio”. Não sei qual é o segredo, e se todos soubessem todos fariam belas peças de arte. Há duas situação: a primeira é a de tentar olhar para o filme como uma peça isolada sem muita comparação com o livro. Lembro-me de como gostei de ler “O Nome da Rosa” de Umberto Eco (um best-seller dos anos 80) e de como o filme me desiludiu, uma vez que não consegue transportar toda a riqueza do romance. Revi-o passado uns anos e tentei não o colar ao romance, tentei pensá-lo como um filme autónomo sem referência a nada e apercebi-me que não era assim tão mau. O segundo caso é o de de seguir à letra o romance o que leva muitas vezes a que se faça uma série e não um simples filme. Foi assim em “The Jewel in the Crown” uma belíssima série (1984) de uma tetralogia subestimada "Raj Quartet" de Paul Scott. Ambos romance(s) e série de altíssima qualidade. Foi assim com "The Lord of the Rings"de Tolkien também cujos filmes de Peter Jackson ganharamn Oscares.

Mas nos últimos anos temos assistido a um fenómeno interessante: fazer um filme de um romance que entretanto já deu origem a uma série de grande sucesso e qualidade. Tudo fica ainda mais complicado: há duas referências boas e aclamadas o terceiro desafio é, por isso, muito ousado e há que o ser na concretização do projecto mostrando-nos algo de novo. Assim aconteceu com o grande clássico “Pride and Predjudice” de Jane Austen cuja série de 1995 fez enorme sucesso e que posteriormente deu origem a um filme de 2005 de Joe Wright que, confesso, conseguiu surpreender. Não concordando com todas as suas opções e percebendo-o qui e ali longe do romance, reconheço que o filme vive por si, a produção tem qualidade e mérito, as opções funcionaram o ritmo prende e reconheço que foi uma aposta ganha. “Brideshead Revisited (The Sacred and Profane Memories of Captain Charles Ryder)” é outro exemplo, e ainda melhor, desta vontade arrojada de fazer sobre o que já existe e que é reconhecido como brilhante: um romance conhecido e valorizado de Evelyn Waugh que dá origem a uma das melhores séries televisivas de sempre (1981) de qualidade irrepreensível, fidelissima ao espírito do romance e aclamada unanimemente. Fazer um filme nestas condições é muito arrojo.

(continua)

26.11.08

Plataforma contra a Obesidade 47

Charles Sheeler (1883-1965)
American Interior

25.11.08

Ser ou não Ser Político

Via O Insurgente cheguei a esta entrevista de V. S. Naipul. É um dos melhores escritores actuais, porque escreve belissimamente, porque tem uma rara sensibilidade a tratar o que é ser membro desta raça que é a da humanidade, dos seus impulsos, medos forças e ambições, porque é um espírito livre, porque conhece o mundo, porque ousa ver o mundo e a realidade com um olhar diferente daquele olhar da habitual complacência que tanto abunda. Desde A Bend in the River onde expõe o pós–colonialismo africano e o seu mosaico de conflitos políticos, étnicos e corrupção, até Beyond Belief onde mostra a forte presença e crescimento do islamismo radical em meios e sociedades que gostaríamos e quereríamos insuspeitos, nada escapa a esta lucidez peculiar isenta de moralismos e falsas virtudes. Esta característica é sem dúvida politicamente incorrecta: este olhar sem culpa, sem justificar, sem explicar, sem tentar compreender,mostram uma liberdade incómoda e isso que já lhe valeu inúmeras críticas de alguns sectores políticos, a ele que confessa na entrevista não gostar de política. Depois de lermos as suas obras percebemos que a política, ele bebe-a na humanidade, na forma como, usando a imaginação que a ficção lhe permite, pensa nas coisas pequenas e vê uma imagem que, segundo ele cabe ao leitor analisar. O resultado é sempre, como não poderia deixar de ser, de uma actualidade desarmante.

23.11.08

Velas 13

Hoje


Igual a si Própria

Não me apetece fazer um quadro comparativo entre as várias personalidades e carácter dos nossos políticos, nem da forma como eles vivem o ser políticos, mas realmente não percebo que se espere, conte e coleccione as, presumíveis ou não, gaffes de Manuela Ferreira Leite como quem conta as gaffes de Pedro Santana Lopes ou quem conta as desaventuras (diploma, por exemplo) e horrores (“venda” de Magalhães na cimeira Ibero-Americana, por exemplo) do nosso actual primeiro-ministro. MFL é assim: um pouco rude, frontal, sem “jeito” para “a coisa”, séria, até sisuda e nunca pretendeu ser o que não era, nunca pretendeu parecer o que não é, nunca pretendeu mudar o seu “estilo” de fazer política, nunca tentou convencer ninguém que era diferente, nem tentou aprender e dominar técnicas de comunicação e marketing político. E depois as suas “gaffes” mais não são mais do que o reflexo destas características já tão conhecidas – ela não é propriamente uma novata em matéria de vida política. Elas não são propriamente passos em falso, numa já de si encenada falsidade em que tantos outros políticos se movem deslizando para nos fazer crer em algo que nunca é. As chamadas “gaffes” de MFL, de facto nunca o são, porque são manifestações de genuíno “sem jeito” e não pedaços do script que ficou por estudar, ou esqueletos que saem aos tombos dos armários que não ficaram convenientemente bem fechados (parece que nunca ficam). Por isso me parece estranho o interesse em contabilizar as vezes que MFL é igual a si própria. Goste-se ou não, e é tão legitimo gostar como não, pelo menos ela tem esse mérito já tão raro: ser igual a si própria.

Coisas que se podem fazer ao Domingo 31

Aristide Maillol. (1861-1944).
The River

Deixar-se levar pela corrente.
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Sair de Cena 4

Não tinha previsto fazer tantos posts com este título, mas parece que os tempos recentes se revelam propícios a mudança de página, “paradigma” diriam uns. Muitos teimam em não o querer ver, mas o tempo que é sempre implacável encarregar-se-á de o demonstrar. Aguardemos pois. Até lá, Dias Loureiro foi à televisão. Parecia frágil e com uma postura levemente obrigada e penitente, enredado numa história que ninguém dá sinais de querer confirmar, o que só o debilita ainda mais. Já não veste facilmente a pele de Conselheiro de Estado e deveria poupar ao Presidente, que o escolheu e nomeou, o embaraço de ter um conselheiro fragilizado. Também ele deveria sair de cena e libertar o Presidente.

21.11.08

Dando Excessivamente sobre o Mar 39

Piet Mondrian (1872-1944)
View from the Dunes with Beach and Piers, Domburg.

A Espuma dos Dias que foram 16

Com um ar de quem explica as formas de pagamento numa reunião Tupperware diz “sexuality it’s about communication, not about great bodies, otherwise most of us wouldn’t be getting any, would we?” e depois com ar de quem recolhe os cheques que pagam os ditos tuppewares e se prepara para ir embora, lembra que um dia antes numa palestra para mais velhos, uma senhora velhota lhe deu “isto” e ela, agora já com um brilho quase nada irónico nos olhos, leu:

Today is Not a Good Day for Adultery

Today is not a day for adultery.
The sky is a wet blanket
Being shaken in anger. Thunder
Rumbles through the streets
Like malicious gossip.

Take my advice: braving
The storm will not impress your lover
When you turn up at the house
In an anorak. Wellingtons,
Even coloured, seldom arouse.

Your umbrella will leave a tell-tale
Puddle in the hall. Another stain
To be explained away. Stay in,
Keep your mucus to yourself.
Today is not a day for sin.

Best pick up the phone and cancel.
Postpone until the weather clears.
No point in getting soaked through.
At your age, a fuck’s not worth
The chance of catching ‘flu.

Roger McGough

A Espuma dos Dias que foram 15

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Sair de Cena 3

A partir de ontem tudo será diferente pa Maria de Lurdes Rodrigues. Cedeu provavelmente às pressões eleitoralistas do Primeiro-ministro perante aquilo que se acredita ser a opinião pública (isto é os pais que querem boas notas e bons professores, mas duvido que queiram mais exigência) e, last but not least, perante os sindicatos. Tudo o que foi já era, e hoje já nada era como dantes. MLR já não está no seu cenário. Pode sair de cena sem esperar que tudo piore para ela: não a nível de contestação que vai continuar e issso já é irrelevante nesta abordagem (não o é politicamente, claro), mas a nível da sua credibilidade e da sua honra.

20.11.08


Pergunto-me o que será daqui a um ano e meio a avaliação de professores. Já não me pergunto por este modelo visto e revisitado “n” vezes, falo de avaliação como um conceito global. Será apenas um fumo, uma miragem? Uma intenção? Já terá sido transformado num gabinete que estuda o modelo e outro a estudar a sua implementação?

Também me pergunto como estarão os sindicatos? Continuam iguais a si próprios? E os professores? Continuarão todos a afirmar que querem ser avaliados, mas..., ou só que...?

A Espuma dos Dias que foram 14



(A mesma árvore fotografada com 4 dias de diferença)



Sair de Cena 2

Por vezes olho intrigada para uma determinada personagem do xadrez da actualidade e só consigo perguntar-me porquê: porque é que foi o que foi, porque é que é o que é. Tem sido recentemente o caso com o Governador do Banco de Portugal (BP) Victor Constâncio (VC), uma figura desconfortável. Nunca mostrou, desde a célebre auditoria às contas do país após os governos PSD e ao número de 6,... a que chegou para o deficit e tão diferente do que era então afirmado pelos ministros do anterior governo, uma verdadeira isenção e desprendimento político: a sua camisola do PS e o seu interesse foram sempre bem patentes no exercício do seu cargo. Portugal agora tem o Euro e as políticas monetária e cambial já não são atributos do BP, as suas atribuições e competências diminuíram drasticamente e libertaram (infere-se) recursos afectos a essas áreas, por isso esperava-se que o banco exercesse as suas funções de supervisão com redobrada competência e eficácia. Não foi o caso. A um enorme escândalo (BCP) segue-se outro de dimensões ainda por perceber (BPN); isto sem me referir às dificuldades e falhas de supervisão que a actual crise internacional veio detectar de forma generalizada nos diferentes países. Também não falo da polémica venda de ouro - concentro-me só nas evidentes e chocantes lacunas de supervisão do BP e creio que estas são suficientes para deixar qualquer pessoa num cargo de maior responsabilidade desconfortável, mas o que me espanta é que não deixa. VC continua com o mesmo ar apregoando que dorme descansado de noite e se nunca agiu de má-fé não tem razão para perder o sono, mas tem razão suficiente para repensar o seu cargo e a pertinência em o manter. A questão não é de má-fé, é simplesmente a de não cumprimento eficaz das suas funções; de incompetência, seja por desleixo, por preguiça, por inércia, ou por outro motivo qualquer.

O Banco de Portugal não fez o que deveria fazer, não esteve onde deveria ter estado, e alguém deve responder por isso. Ao constatar este facto percebe-se que uma época da história do BP acaba agora e uma nova era se abre. Constâncio pertence ao passado e ele já não é mais do que uma sombra: é isso que nós de fora vemos. Muitos pedem a sua demissão, e eu pergunto-me porque é que ele próprio não põe o seu cargo à disposição. Porque é que é sempre tão difícil perceber a mudança, perceber que o hoje já é outra coisa, porque é tão difícil sair de cena.

18.11.08

A Espuma dos Dias que foram 13

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Os Alunos em Amarante

Ontem vi no Jornal da Noite da SIC a cobertura que a estação fez à manifestação de estudantes do Secundário ( e também do Básico?) em Amarante. Confesso que fiquei chocada com a dita manifestação e o tempo de antena que a televisão deu àqueles alunos que não pensaram um segundo sequer em alinhavar duas ou três ideias simples, mas credíveis e sensatas que justificassem aquele aparato e aquele tumulto. Se alguma dúvida tínhamos sobre o nível da escola em Portugal, aquela manifestação tirou-a. Aqueles alunos trogloditas cujos argumentos fariam corar de vergonha qualquer ser com um mínimo de exigência intelectual são mais um dos retratos de uma escola que hoje parece ter perdido o pé e a cabeça. Nada como ser “chico esperto” e aproveitar os tempos conturbados de tensão professores/governo e sair à rua para criar ainda mais agitação. Porquê não se sabe bem, mas o que conta é a confusão.

Alunos que reivindicam o direito a faltar às aulas porque são “jovens” e os jovens faltam e que reclamam porque têm aulas de substituição em vez de irem para o recreio, são um ex-libris da sociedade complacente em que estamos. Estes jovens sofrem de excessos e de abundância: tudo lhes é dado tudo lhes é devido. Na escola nas últimas décadas o ensino é organizado de modo a não traumatizar os meninos e as meninas, de modo a acomodar os ritmos de aprendizagem de cada aluno sem ferir eventuais “diferenças”, nem premiar a diferença pela positiva, a deixar desenvolver as suas competências à medida que passam os dias, meses e anos com programas escolares que pouco ensinam, a dar espaço à criatividade, a compreender as falhas, e a não exigir qualidade, a não valorizar as faltas. A infantilização completa é mostrada quando alunos que deveriam querer aproveitar tudo, cada aula, cada tempo para se prepararem para exames e para o mundo competitivo da entrada para as universidades ou para a chegada ao mercado de trabalho, se passeiam em grandes números e dizerem querer faltar porque “são jovens” e querer mais recreio num nível próprio dos primeiros anos do ensino básico. Não se vislumbra a ponta de responsabilidade, de maturidade, de querer atingir metas de ter objectivos. Nada, bem pelo contrário, a imagem que é dada é de que se pensa que a vida é um grande carrossel: cores vivas, música, muitos telemóveis e alguém que nunca se sabe, nem quer saber quem, sempre a dar à manivela, e isso é alarmante. Claro que não é só responsabilidade da escola, é a imagem de uma mentalidade de um Portugal no seu pior.

17.11.08

A Educação Vista ao Longe

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Educação, Educação, Educação, Ministra, Ovos, Educação, Educação, Avaliações, Educação, Educação, Manifestações, foram estas as palavras ouvidas e que me trouxeram de volta à terra, no meu caso a Portugal dos portugueses, quando desembarquei de uma viagem de avião tão magnificamente extra-terrestre quanto possível. Sempre por cima de uma fabuloso e esponjoso manto de nuvens, só via o infinito em pôr-de-sol que se perde no tempo e se perpetua por duas horas: uma bola laranja ao longe num fundo de cor viva e num ar límpido como só o frio o sabe ser, que demorou a cair. Momentos pendurados no fio do tempo em que se esquece que lá em baixo é preciso (!) ter Ministérios de Educação, que se tem o Primeiro Ministro, que se atiram ovos a quem desagrada, que as avaliações são o que são e o que afinal já não vão ser. Ainda tenho que esfregar os olhos para ver se vejo melhor.


8.11.08

Dez dias

Velas 13



Chegada e Partida. Hoje

Amanhecer 6

Hoje

Avaliar 2

Sou uma grande defensora de avaliação recorrendo a entidades externas. Não só para professores, mas para alunos também. Aliás acho que se respiraria um ar muito mais puro e salutar se as avaliações de alunos e professores saíssem da alçada do Ministério da Educação. Só assim também se poderá garantir um mínimo de independência e isenção de interesses políticos de gabinete e de jeitinhos que se fazem para dar outros números às estatísticas. Muitos países adoptam este método com sucesso e eficácia. Manuela Ferreira Leite mostra coragem em apoiá-lo e em mostrar vontade de o ver implementado em Portugal, o que considero uma importante inovação (muito mais importante do que as inovações dos gadjets tecnológicos), mas gostaria sinceramente que esta ideia não passasse de palavras ocas num discurso de circunstância em dia de mais uma manifestação de professores. Seria bom que ao propor um projecto sério e concretizável de avaliação ela se demarcasse da vaga “anti-avaliação” que nunca explicitamente, mas certamente de forma implícita domina a classe dos professores. Esse é que é o desafio.

Dando Excessivamente sobre o Mar 38

Claude Monet (1840-1926)
Camille on the Beach at Trouville

7.11.08



Berlusconi é um político como já não se fazem. Não discrimina; por isso nunca mais mulher alguma se poderá queixar de ele a tratar como objecto. Ele trata assim qualquer um, como se pode ver aqui no Público on-line .A forma como descreveu Obama deve entrar nas antologias de frases célebres pelo mais puro instinto e oportunidade política revelada. Um momento raro (e também um momento único uma vez que só ele com eufemismo fashion, é certo, se atreveu a dizer que Obama é preto, em vez de se congratular, como todos, com o momento histórico que vivemos).
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Os Romances e as Histórias

Terá António Lobo Antunes (ALA) dito recentemente que “os maus romances são os que contam uma história” (já não me lembro onde li isto, por isso não cito a fonte), tal pareceu-me uma afirmação extraordinária. Nunca dei demasiada importância a ALA, nem nunca me apeteceu ler nenhum dos seus romances (agora e finalmente sei porquê), mas por vezes fica a sensação de que ele faria e diria qualquer coisa só para chamar a atenção sobre si. Ora para isso já tínhamos José Saramago que, a pretexto de seja o que for passeia, acompanhado pela sua sombra, a sua importância pelas ruas e corredores desse mundo em que se move ou que, mesmo estando (sendo?) o mundo indiferente ao facto de ele pensar ou não, não se coíbe de opinar em tom de conferência de imprensa sobre a última polémica do momento. Não precisávamos de uma segunda Diva, clone (sem Nobel, e por isso mais amargo) da primeira.

Num primeiro momento até percebo ALA. Contar histórias todos contam: na rua, nos autocarros, em casa, no trabalho, em férias, no café a ver futebol, o que não falta por aí são pessoas que contem histórias. Também escrever qualquer um escreve, num blogue, nos jornais gratuitos, nos jornais pagos, nos semanários, nas revistas, e até tantos editam livros disto e daquilo; os mais ousados até contam histórias escrevendo-as, e publicam contos ou romances e dizem-se escritores. ALA tem implicitamente razão: melhor ou pior hoje somos todos escritores e contadores de histórias, e ele quer-se demarcar dessa massa informe de talentos que desponta como cogumelos na floresta. Ele que sua cada frase escrita, ele que sofre, ele que se atormenta por cada livro editado não só dá por mal empregue o seu esforço para no fim “só” contar uma história, como convive mal com a rapidez e a facilidade dos talentos romancistas de hoje. Tem razão: publica-se demais e a qualidade não é proporcional à quantidade, mas talvez também não tenha que ser, pois parece legítima a vontade de ler apenas uma história tanto quanto é não a querer ler. A sua (de ALA) razão fica aqui e só aqui pois o desejo de ler ou ouvir uma história é algo de muito primitivo ao ser humano, que o digam os antropólogos, e algo que atravessa todas as sociedades e civilizações. Nesse aspecto sinto-me muito primitiva, adoro uma boa história, e se for bem escrita então... É nas boas histórias que se contam que se conta a Vida, às vezes mais e melhor do em tratados de Filosofia ou Psicologia, e como a Literatura se faz também, a escrever e contar histórias, é, no entanto, muito mais do que a história que se conta; “Guerra e Paz”, por exemplo, não é só uma história que se conta, transborda essa história redobrando assim o prazer de quem lê o romance. É pena que nesta afirmação de ALA se leia tanta sobranceria, desconforto, inverdade, rancor e... até parece ignorância, ou não fosse toda a História da Literatura da nossa civilização ocidental, e tantas das sua obras-primas, construída em cima de histórias contadas. A História se encarregará de colocar no devido lugar tantos e tantos romances “experimentalistas” das últimas décadas escritos sem histórias”. O Tempo julgará.

4.11.08

In Bruges


Não sei bem porquê, talvez seguindo um qualquer cheiro, vi-me sentada numa sala de cinema em frente a In Bruges. Não conhecia o realizador, Martin McDonagh, não sou fã de Colin Farrell (antes pelo contrário), não me lembrava de Brendon Gleeson e Ralph Fiennes não é motivo suficiente para me fazer ver um filme. Nunca tinha lido nada sobre o filme nem visto referência nenhuma. Aliás, dez segundos antes de decidir vê-lo nem sabia que existia. Mas vi e saí agradavelmente surpreendida desta história insólita e estranhissimamente divertida, num lugar tão inesperado quanto insólito mas muitíssimo bem explorado. Num filme em que o ritmo é um andante, a cidade de Bruges (ou melhor, de “fucking Bruges”) funciona como um cenário magnífico, explorando o seu lado turístico e histórico que permite que ela tome conta de grandes planos visuais de efeito dramático - às vezes até pensei em Peter Greenaway - e serve como uma luva a cada pedacinho deste enredo em que o humor negro se mistura com algum fatalismo, muito pragmatismo, e também uma boa medida de contemplação (Ken deslumbrado perante as maravilhas de Bruges), nervosismo (o iniciado Ray cujo primeiro trabalho corre mal) os pudores morais que levam ao desfecho final. O humor é negro mas bem afinado, os diálogos são bons e as interpretações são de excelente nível destacando, por uma vez, Colin Farrell. Enquanto espectadores nunca estamos inteiramente confortáveis, mas não é isso que esperamos de um bom filme?

3.11.08


Será que a nacionalização do BPN, depois de os bancos privados terem manifestado desinteresse em comprá-lo (porque seria?), é um precedente que nos indica que daqui para o futuro todas as empresas do sector financeiro ou outro (porque não?) em risco de falirem ou com uma gestão de “legalidade duvidosa” (Público, Ed. Impressa) serão nacionalizadas pelo estado português? Se não, quem é que decide que empresas do sector financeiro ou outro devem ou não ser privatizadas?


2.11.08

Velas 12

Ontem
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Obama

Porque não sou cidadã norte americana, e porque não sou espectadora atenta, não me sinto à vontade para me pronunciar sobre estas eleições nem os seus candidatos, nem tão pouco sobre as propostas eleitorais de cada um. No entanto com um olho mais ou menos aberto vou seguindo ao longe a disputa eleitoral. Simpatizava com a candidatura de Hillary Clinton, desconhecia McCain e desconfiava da retórica escorreita e da lisura de Obama. Continuo a sentir que desconheço McCain e a desconfiar da fluidez de Obama e da eficácia com que colou o seu slogan “change” (o que é isso mesmo?) a todos, dentro e fora dos EUA. Dizem as sondagens que Obama está claramente à frente e que será o futuro presidente dos Estados Unidos.

Se assim for, e independentemente de Obama himself, não deixo de ficar comovida com a ideia de um presidente de cor nos EUA. Eu sei que ele é de uma cor “diferente” da cor negra dos Afro-Americanos descendentes de escravos, eu sei que ele tem feições “caucasianas” e um percurso de “branco”, também sei que a cor não deveria ser importante, mas mais forte do que todas essas certezas é a de que um homem de cor na presidência dos EUA é algo de extraordinariamente revelador da forma como a América tem sabido integrar os seus imigrantes e de como eles têm sido ao longo dos tempos e ainda são, parte estruturante do seu tecido social. É também a ilustração fiel de que tudo é possível nesse “american way of life”. Esta sim é uma lição para o mundo e para uma Europa arrogante onde se tolera tanto a diferença em belos discursos ideológicos cheios de culpa e complacência, mas onde a mentalidade é tão pouco propícia a uma eficaz integração e aceitação da diferença.


1.11.08

Amanhecer 5

Hoje.
(Clicar para aumentar)
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Atributos para uma Mulher 2

‘In my city’, he said much later, reclining on cushions, amid the melancholy of women after love, ‘a woman of breeding should be prudent and chaste, and should not be the object of gossip. Such a woman must be modest and calm, candid and benign. When she dances she should not make energetic movements and when she plays music she should avoid the brazenness of brass, and the drumness of drums. She should be painted sparingly and her hairstyle should not be elaborate.’ The emperor, even though he was mostly asleep, made a noise of disgust. ‘Then your men of breeding must die of boredom’, he pronounced. ‘Ah, but the courtesan,’ said Mogor, ‘she fulfils all your ideals, except, possibly, for the business about the stained glass.’ ‘Never make love to a woman who is bad with stained glass,’ the emperor said solemnly, giving no indication of humorous intent. ‘Such a woman is an ignorant shrew.

Salman Rushdie, “The Enchantress of Florence
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