“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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7.11.08

Os Romances e as Histórias

Terá António Lobo Antunes (ALA) dito recentemente que “os maus romances são os que contam uma história” (já não me lembro onde li isto, por isso não cito a fonte), tal pareceu-me uma afirmação extraordinária. Nunca dei demasiada importância a ALA, nem nunca me apeteceu ler nenhum dos seus romances (agora e finalmente sei porquê), mas por vezes fica a sensação de que ele faria e diria qualquer coisa só para chamar a atenção sobre si. Ora para isso já tínhamos José Saramago que, a pretexto de seja o que for passeia, acompanhado pela sua sombra, a sua importância pelas ruas e corredores desse mundo em que se move ou que, mesmo estando (sendo?) o mundo indiferente ao facto de ele pensar ou não, não se coíbe de opinar em tom de conferência de imprensa sobre a última polémica do momento. Não precisávamos de uma segunda Diva, clone (sem Nobel, e por isso mais amargo) da primeira.

Num primeiro momento até percebo ALA. Contar histórias todos contam: na rua, nos autocarros, em casa, no trabalho, em férias, no café a ver futebol, o que não falta por aí são pessoas que contem histórias. Também escrever qualquer um escreve, num blogue, nos jornais gratuitos, nos jornais pagos, nos semanários, nas revistas, e até tantos editam livros disto e daquilo; os mais ousados até contam histórias escrevendo-as, e publicam contos ou romances e dizem-se escritores. ALA tem implicitamente razão: melhor ou pior hoje somos todos escritores e contadores de histórias, e ele quer-se demarcar dessa massa informe de talentos que desponta como cogumelos na floresta. Ele que sua cada frase escrita, ele que sofre, ele que se atormenta por cada livro editado não só dá por mal empregue o seu esforço para no fim “só” contar uma história, como convive mal com a rapidez e a facilidade dos talentos romancistas de hoje. Tem razão: publica-se demais e a qualidade não é proporcional à quantidade, mas talvez também não tenha que ser, pois parece legítima a vontade de ler apenas uma história tanto quanto é não a querer ler. A sua (de ALA) razão fica aqui e só aqui pois o desejo de ler ou ouvir uma história é algo de muito primitivo ao ser humano, que o digam os antropólogos, e algo que atravessa todas as sociedades e civilizações. Nesse aspecto sinto-me muito primitiva, adoro uma boa história, e se for bem escrita então... É nas boas histórias que se contam que se conta a Vida, às vezes mais e melhor do em tratados de Filosofia ou Psicologia, e como a Literatura se faz também, a escrever e contar histórias, é, no entanto, muito mais do que a história que se conta; “Guerra e Paz”, por exemplo, não é só uma história que se conta, transborda essa história redobrando assim o prazer de quem lê o romance. É pena que nesta afirmação de ALA se leia tanta sobranceria, desconforto, inverdade, rancor e... até parece ignorância, ou não fosse toda a História da Literatura da nossa civilização ocidental, e tantas das sua obras-primas, construída em cima de histórias contadas. A História se encarregará de colocar no devido lugar tantos e tantos romances “experimentalistas” das últimas décadas escritos sem histórias”. O Tempo julgará.

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