“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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4.8.09

Um Admirável Mundo Novo 2

Querer impor uma total igualdade entre candidatos, que só existe na ficção e que a democracia não reconhece, querer impor um limite à liberdade de opinião, que a democracia não tem, parece ser o caminho traçado por esta entidade reguladoras tão cara ao governo socialista de José Sócrates, que lhe tem dado um relevo e um poder ímpar. Regular, controlar, formatar e conter a comunicação social e o fluxo de notícias e comentários que a alimenta. Igualar com quotas de opinião os partidos ou movimentos, independentemente da expressão representativa de cada um. De facto faltava, um passo só, entretanto dado, para que a ERC interferisse no comentário político desvirtuando o carácter pessoal, individual e único de cada comentador que se converte num mero símbolo ou código acéfalo de um colectivo político e às vezes ideológico, como se fossem meras partes de um todo. Não sei o que será mais interessante e mais saudável para uma democracia: se o comentário de alguém cujos interesses e filiações partidárias são sobejamente conhecidos, e sobejamente reconhecidos nos seus próprios comentários; se a opinião aparente e superficialmente independente de profissionais do comentário que também eles se intitulam de independente, jornalistas, politólogos e outros teóricos da política e da comunicação. Como se essa independência existisse, ou como se fosse mais meritória do que a não-independência. Numa democracia tem de haver lugar para todos.

Neste novo modelo preconizado pela ERC os comentadores deixam de ser vistos como seres humanos únicos, com as suas idiossincrasias, contradições, fobias, indignações, lutas, ódios ou paixões, com a sua retórica própria, o seu humor ou falta dele, e passam a ser vistas meramente como um estereotipo representativo de um partido, de uma organização ou movimento preenchendo uma quota correspondente à organização em causa. As pessoas passam a ser fungíveis, de valor igual: José Pacheco Pereira será igual a Marcelo Rebelo de Sousa; António Costa igual a João Soares, e Lobo Xavier igual a Maria José Nogueira Pinto, para não dar exemplos mais caricatos que facilmente se encontrariam. Esbate-se assim a primazia do indivíduo sobre o colectivo, noção tão cara ao socialismo. Estamos perante o “Admirável Mundo Novo” do comentário político onde – pretensamente - a isenção existe em quem não se “filia” em partido nenhum, ou em quem não se candidata a nada (como se isso fosse possível) nem representa nenhum interesse (seja lá o que isso for, se é que alguma vez o pode ser), a não ser que preencha a respectiva “quota”. De resto sobra a linguagem do “politoliguês”. Que forma tão básica e tão perigosa de ver o mundo.
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