Seja para onde for que eu vá levo sempre um livro comigo. A ideia de ter que esperar e ficar a olhar para o nada, ou ter que ler revistas já demasiado lidas, remexidas e desactualizadas, ou de ter que fazer de conta que não olho para ninguém, mesmo depois de ter contado os botões do casaco da senhora do lado esquerdo e de ter fixado o padrão da gravata do senhor em frente, é demasiado incómoda, muito mais do que carregar com um livro. Como não tenho paciência para os forrar (e para quê, se não os sujo?) quem estiver perto de mim pode sempre saber o que leio. Nunca ninguém se impressionou com o que leio, nunca fui abordada por causa do livro em mãos e nunca ele foi ponto de partida para inesperadas, interessantes e profundas conversas, nem para descobertas de almas gémeas que de outra forma andariam perdidas, ou de grandes e inevitáveis amores, nem tão pouco de mais prosaicas e sólidas amizades. Ler e ter um livro na mão tem sido ao longo dos anos algo de solitário e mesmo privado e que nunca despertou a curiosidade de ninguém. Lembro-me apenas de uma vez, numa consulta médica ter sido simpaticamente interpelada pelo médico que viu o livro e autor, lembro a ocasião, mas não lembro nem o autor nem o título da obra. Seria cortesia seria genuino não sei. Também me lembro de, por duas vezes creio, ao verem um livro nas minhas mãos me perguntarem se tinha lido o Código da Vinci. Não, esse não li, dizia eu terminando assim de forma demasiado abrupta a conversa como se fosse pecado não o ter lido, como se, pelo mero facto de ter um livro na mão, se pudesse inferir que teria lido o Código da Vinci.
“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
holehorror.at.gmail.com
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21.11.07
Os Livros Errados
Esta semana tudo mudou. Comecei a ler o último romance de Miguel Sousa Tavares, Rio das Flores, e mais uma vez carrego o livro comigo, que é grande e pesado. E no espaço de seis dias já fui abordada três vezes em situações e locais bem distintos, uma vez por uma pessoa desconhecida e as outras duas por pessoas que mal conheço. Todas queriam saber se estava a gostar, e se falava muito do Brasil. Ando espantada com tanto interesse pela obra de Miguel Sousa Tavares. Ou então sou eu que, nas outras ocasiões, leio os livros errados...
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