“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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5.10.09

Cheri


Ao ver Chéri, mais um bom filme de Stephen Frears (baseado num romance de Collette) que nos mostra uma das melhores interpretações de Michelle Pfeiffer no papel ambíguo de uma mulher que envelhece e se “reforma” da sua profissão de cortesã saboreando finalmente a riqueza e as noites dormidas sozinha na cama, mas que - ao tomar conta de um jovem filho de uma “companheira” de profissão - se apaixona por uma vez, e por quem não devia (se é que alguma vez se deve seja o que for, sobretudo no domínio da paixão), lutando para que essa paixão não se mostre nem aos outros nem a ela e não a “derrube”, lembrei as semelhanças entre a personagem masculina do filme e uma outra personagem masculina de uma série que vi recentemente: The Line of Beauty, também ela baseada numa obra literária, neste caso num romance de Alan Hollinghurst. O mesmo tédio e abandono de si próprios e dos seus percursos e opções, o primeiro nas mãos de Léa, o segundo, Nick, nas mãos, rotinas e hábitos da família Fedden. Ao contrário de Nick que se deslumbra com a abundância dos Fedden e do meio em que se movem (com algumas pouco subtis reminiscências de Brideshead Revisited onde se inclui a homossexualidade plenamente assumida no caso de The Line of Beauty), Chéri nasce na abundância, mas numa família disfuncional, se é que se pode sequer falar em família. Ambos no seu estado de permanente langor (propício ao consumo de drogas) cultivam o esteticismo e a beleza como um fim em si, como uma forma de estarem na vida e em sociedade, como expressão daquilo que são e do que querem. De formas distintas, ambos são “abandonados” no fim: um pela família que o acolhe, outro pelas suas inevitáveis opções como se se tratasse de um destino já escrito.


The Line of Beauty é uma série irregular, bem feita - tem a chancela BBC e todo o rigor no retratar de uma época e com todas as subtilezas necessárias que marcam a persistente estratificação da sociedade inglesa, mas que nunca cativa plenamente tal a superficialidade e automatismo das personagens e da banalidade narrativa.

Chéri, ao contrário, e apesar do rigor do retrato da “Belle Époque” e do deslumbre (nosso) perante o guarda-roupa, interiores e exteriores (o jardim de Inverno de Mme Peloux é de antologia), é todo feito de modulações psicológicas das várias facetas do abandono ao amor, da idade e do tempo quer passa, da inevitável e esperada separação, e das tentativas de superar e não mostrar a dor provocada pelo afastamento do ser amoroso. Como pano de fundo o afundar da forma de vida de Léa e das suas companheiras e a decadência da própria sociedade com o mundo a mudar em vésperas de guerra.
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