“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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1.10.09

Os Gadgets Autárquicos

No Concelho de Oeiras, na parte que conheço, ultimam-se furiosamente rotundas e jardins. Rotundas com jactos de água, com relva e esculturais canteiros de flores (coisa moderna, note-se, nada de canteiros à moda antiga), com estátuas ou blocos abstractos de matéria. As oliveiras dos jardins há muito que foram plantadas, mas agora acabam-se os caminhos, os degraus, enfeitam-se os espaços. Nada que aborreça o olhar ou o gosto, que nisso Isaltino de Morais sabe como fazer, e já há muito que o faz.


Em Lisboa a coisa é diferente: António Costa começou de mansinho a guerra aos automóveis feita pelo município que hoje já parece não ter tréguas, para gáudio dos taxistas que se queixam de pouco negócio e “muitos carros”. Tudo começou com o desastre – pela forma leviana como a obra foi feita sem se perceber se houvera discussão e até uma decisão – no Terreiro do Paço em que, depois de uns meses de puro caos, as faixas de circulação se reduziram a duas na zona do terreiro do Paço, uma em cada direcção. Hoje atravessar de carro a cidade de poente a nascente (ou vice-versa) pela beira rio é um acto que o município desencorajou, e não percebo porquê, nem faz sentido que assim seja. Eu que sempre gostei desse trajecto, hoje penso duas vezes antes de o fazer, mas confesso que as alternativas nem sempre são melhores. A mesma coisa aconteceu à Lisboa Pombalina onde se acabou com a circulação automóvel ou se reduziram as faixas de circulação, não criando percursos alternativos. A redução das faixas de circulação parece ser uma política fétiche desta gestão camarária. Fazem-no um pouco por todo o lado e em ruas onde antes se circulava bem, nomeadamente no Bairro Azul e em Telheiras, tendo como consequências atrasos e incómodos a todos os que delas se servem. O resultado é uma já notória pioria significativa da circulação, com bichas e demoras a qualquer hora, mesmo quando antes não as havia.

Os automóveis não vão desaparecer, por muito que o discurso politicamente correcto o repita, e o deseje, enquanto não houver alternativas reais: a rede do metropolitano é muito pequena e limitada, sem soluções para a cidade nomeadamente para a parte ocidental,e os restantes transportes colectivos não são fiáveis, nem oferecem muitas vezes, soluções de rapidez e conforto. O automóvel continua a ser o rei dos transportes para quem não tenha uma paragem de metro à porta de casa e outra à porta do trabalho. Nesse grupo está essa grande maioria de cidadãos que usa automóvel na cidade de Lisboa.

O pior é que não percebo o porquê desta política hostil de circulação, nem a razão de acabar com faixas de rodagem. A única explicação que tenho é o surgimento quase espontâneo de pistas de circulação para bicicletas: entre Campolide e a Radial de Benfica, em Telheiras, entre o Estádio da Luz e o Colombo, etc. Vejo carros em bichas, mas até hoje não vi uma única bicicleta. António Costa, que não é burro, não deve, nem nos seus sonhos mais loucos, pensar que vamos deixar de nos deslocar de carro para o fazermos de bicicleta, logo em Lisboa cuja topografia não poderia ser mais díspare da de Amsterdão, ou Londres, ou até Paris. Ninguém em Lisboa vai trabalhar, ou à Loja do Cidadão, ou às compras, ou ao médico de bicicleta. E ao fim de semana, quem quer passear ou fazer exercício escolhe outros locais: a beira rio ou Monsanto. Por isso não se vê uma alminha que seja a utilizar essas pistas para bicicletas, que mais não são do que esbanjamento de recursos. Tudo não passa de demagogia politico-ecologicamente correcta para poder dizer que fez e quer fazer muito pelo ambiente e pela cidade. Tretas, o que faz é redobrar os problemas de trânsito e encher a cidade de elefantes brancos de côr salmão (a côr das pistas para bicicletas).
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