“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
holehorror.at.gmail.com

18.8.08


Até Setembro.

Educação para a Morte - O Regresso a Casa

Depois de 83 anos de vida, e alguns meses de quimioterapia, Paul Newman deixa o hospital e o tratamento e pede que o deixem ir morrer em casa junto da família. Um dos homens mais belos de sempre. Um deus. Que morra em paz.

17.8.08

Primeiros Socorros

Não sem ironia, ofereceram-me recentemente este simpático livro que promete aos “amis lecteurs”, a custos mínimos, “de prendre en charge votre bien-être” de cada vez que nos defrontarmos com as várias questões que podem atormentar uma vida: existenciais, financeiras, sentimentais ou mesmo “petits riens”. Diz-nos a autora que

(...) vous êtes peut-être tentés de courir chez votre psycanalyste (...) lequel, moyennant une somme exorbitante, va vous écouter en hochant la tête. Au mieux vous délivrera-t-il une petite dizaine de phrases qui vous auront couté la bagatelle de 80 euros (tarif parisien pour une demi-heure de thérapie). Autrement dit, chaque phrase vous aura coutê 8 euros). Savez-vous que pour ce même prix (8 euros), vous pouvez obtenir des centaines de phrases, voire des milliers? Il vous suffit (…) de trouver le roman (…) adapté à votre problème.»

A escolha dos romances é da autora e ao lado de tantos clássicos por vezes deparei-me com obras que não conhecia, ou cujos autores nunca tinha ouvido falar ou os dois casos. A literatura está assim ao serviço do bem estar, equilíbrio ou plenitude humana. Com uma linguagem e abordagem simples, despretensiosa, amigável e bem humorada com identificação de sintomas, indicações trapeuticas e contra indicações, bem como algumas pistas para leitura, percorremos a literatura de numa perspectiva de “auto-ajuda” porque, garante-nos a autora “il n’est pas un problème sur cette Terre qui n’est pas été expérimenté par un écrivain et relaté sous la forme d’une bonne histoire.” Esta constatação é reconfortante pois percebemos que há limites para os problemas, questões ou estados de alma que um ser humano possa experimentar ou de que possa padecer. O índice de sintomas é de 48 entradas e os remédios são os 100 romances anunciados no título, numa média de dois remédios ou indicações terapêuticas para cada sintoma. Uma das constantes ao longo do livro é o da relativização de qualquer problema de que o leitor possa padecer; se o leitor o tem, não é o fim do mundo, muitos outros padecem, padeceram e padecerão do mesmo mal, e veja lá que até já se escreveram uns livros retratando esse problema. Nada é assim tão extraordinário ou grave. A autora também tranquiliza demonstrando que, tal como num romance, tudo tem um desfecho, todos os problemas têm um final: não será sempre um final feliz, mas na vida há também sempre um desfecho para qualquer que seja a situação. O tom do livro é sempre levemente desprendido, mas amigável e são e, claro, pedagógico. No entanto eu tive sempre pena da mordacidade que não vi e pensei mesmo que se o livro tivesse sido pensado e escrito por um(a) autor(a) britânico o tom seria certamente um pouco mais irónico, mordaz e aquele pedacinho perverso.

(há dois dias)

13.8.08

As acrobacias que fazem com os números e com os pressupostos para nos convencerem de que este verão tem tido temperaturas superiores à média do “período de referência” e de que as suas previsões de médio/longo prazo estavam certas... E pelo caminho, mantém-se a inexorável convicção, mais a sua prima a culpa, do aquecimento global. Nós, os que vamos, ou não, à praia, que ligamos ou não o ar condicionado do carro que ficou ao sol, não percebemos nada de calor e frio. Como se cada um não pudesse olhar para os números e tirar a conclusão que bem lhe aprouver. Este nota do IM parece um pouco “silly”. Deve ser do calor.

11.8.08

Novas Geografias do Poder


Num período em que lemos coisas do género “geografia dos afectos” ou geografia disto e daquilo, um título deste género parece não destoar, apesar de ser algo óbvio e de não ter a subtileza estilística da primeira expressão. As imitações nunca têm a qualidade dos originais, mas mesmo assim apeteceu-me escrevê-lo.

É interessante ver que enquanto o ocidente veraneia à vela em Martha’s Vineyard ou em churrascos no Texas, em iates em Porto Cervo, à noite em Ibiza, ou no festival do Sudoeste (em países onde não há Salzburg), o que importa vai-se decidindo lá nessas novas (que de novas têm nada) geografias do poder. Geografias de sempre da arte, da subtileza, da poesia, da humanidade. Geografias de sempre de capacidade de decisão sem frou-frous nem concessões frouxas, de tantas tiranias, de frieza desapiedada. A Rússia mostra que sempre teve um exército digno desse nome, a China mostra que tem dinheiro a rodos exibindo uma cidade organizada e preparada para uns jogos olímpicos sem falhas em que todos os chineses participam, uma modernização urbana ímpar e num período de tempo record, bem como uma vitrine de arquitectura moderna no seu esplendor máximo e numa abundância de fazer corar a abastada Europa toda junta (uma pequena mostra aqui, por exemplo). Veraneemos pois nesta geografia da eterna esperança em contentamentos e finais felizes feita de Estado e de Prozac, enquanto a vida que importa para o futuro passa ao lado; noutras geografias.

8.8.08

Aos 8 minutos das 8 horas do dia 8 do 8 do ano 2008

Imagem tirada daqui

Tinha a certeza de que iria gostar e tinha a certeza que seria muito conseguida em termos criativos e estéticos. Assim foi: imaginativa, poderosa, bonita, inteligente, organizada, eficiente, disciplinada, atenta a todos os detalhes.

Foi tudo tão perfeito que me lembrei das antigas paradas militares soviéticas na Praça Vermelha, em que se “exibe” poder. Esta cerimónia é uma versão show-biz, mas nem por isso menos light, de uma exibição de poder ainda mais amplo do que o mostrado nas paradas militares soviéticas, pois não é só o poder militar que está em jogo: é o poder económico, o poder criativo, inovador e tecnológico, o poder diplomático - estava lá quem tinha que estar: Bush com um discurso de há dois dias amplamente debatido pelos comentadores de serviço da RTP, Putin que calmamente apreciava o espectáculo como se tudo estivesse tranquilo na frente de combate, Lula da Silva de uma das grandes potências emergentes bem como representantes das monarquias democráticas europeias e japonesa, enfim a quase totalidade do “who’s who” político do momento que importa estva lá – e, last but not least, o poder político que uniu o país, isto é os chineses, neste esforço comum e neste desígnio nacional que é mostrar uma nova China moderna, inovadora e competitiva ao mundo. Os números impressionantes de chineses que participaram na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim e que de uma forma ou de outra se voluntariaram (ou não) para colaborar na organização, mostram sem margem de dúvida que “lá” se joga com uma escala bem diferente do que estamos habituados. Embora esta dimensão de poder político seja a menos visível no espectáculo, não deixa de ser importante e convém estar atento ao que fica ou não quando os convidados se forem, se limpar a casa, sacudir o pó, arrumar as cadeiras e regressar ao trabalho.

(mais fotografias aqui)

5.8.08

Hoje cedo.

Educação Para a Morte (3)

... ou dando livre curso a algumas ideias a propósito e a despropósito da leitura de Educação Para a Morte de Filipe Nunes Vicente, tendo sempre em mente a máxima do autor: “o que pode acontecer é que através da conversa entre dois humanos um deles consiga organizar a colecção de banalidades que as redondezas da morte suscita.

Nestas conversas entre dois humanos perante a morte, um luto ou sofrimento profundo, muitas vezes há uma banalidade bem intencionada, mas carregada de veneno, que é comum dizer: vai correr tudo bem. Todo o livro de FNV é um manual exaustivo de como raramente tudo vai correr bem, o livro é também um manual de vida sem a esperança sem luz ao fundo do túnel, sem esse consolo dos aflitos, é uma provocação na aceitação tantas vezes da vida sem esperança (pode-se viver sem esperança, pág.47) fazendo-nos crer que o que nos move é uma força indiscernível (pág. 66) cuja origem divide os psicólogos (pág 66) que, ironiza o autor, são uma exigência da cultura ocidental dos últimos cem anos no que ela tem de técnica da alma: somos perfectíveis, só é preciso saber mexer nos botões certos (pág.66). Afinal também eles (psicólogos) acreditam que tudo vai correr bem e também eles acreditam em finais felizes e passam tantas vezes ao lado da “alma”(poder-se-ia abrir um debate sobre o que é isso da alma: fica para um dia...). Ora a morte e o luto transformam (pág.86 citando Lavoisier). Tudo fica diferente. E é essa evidência que é tão difícil para os interlocutores quando se tenta organizar a colecção de banalidades nestes momentos de sofrimento. Fazer crer que tudo vai correr bem, tantas vezes não é mais do que a evidência da incapacidade de lidar com o sofrimento, de o aceitar como parte integrante da vida, e saber partilha-lo com quem sofre. É a distância, a prudência, o não querer demasiado envolvimento. Acreditar na "cura", nessa capacidade da alma em nos tornar perfeitos é uma forma de simpático afastamento do outro, de iludir, de evitar olhar para a “alma”, é mais um sinal deste modo de viver em que tudo tem que "estar bem". Para isso adopta-se o wishfull thinking, a esperança em versão light de que realmente um dia tudo ficará bem.

3.8.08

Coisas que se podem fazer ao Domingo 28

Aristide Maillol (1861-1944).
The Mediterranean



Aperceber-se que já não há volta.

1.8.08

São Rosas, Senhor... 2

Vincent Van Gogh
Sunflowers

Li algures que este quadro, melhor esta série de quadros, é a obra mais copiada usada, imitada do mundo, desde quadros de parede a aventais, chapéus, t-shirts, puzzles, kits de pintura e stickers, devendo estar em muitos frigoríficos por esse mundo fora. No meu está. No entanto nada melhor do que estes girassois para começar o mês de Agosto: é impossível resistir-lhes.

Aposto que se Cavaco Silva tivese feito a declaração ao país num dia qualquer de Novembro, ou Janeiro ou Abril, dizendo exactamente o que disse, as reacções teriam sido diferentes. Às vezes não se percebe onde acaba o incómodo e enfado pelas declarações terem sido feitas a 31 de Julho - dia maldito para pensar em coisas “dessas", e começa o comentário genuino ao seu conteúdo.

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