“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
holehorror.at.gmail.com

28.5.08

Dando Excessivamente sobre o Mar 32

Richard Diebenkorn. (1922-1993).
Ocean Park


Texto publicado ontem no, e a convite do, Corta-Fitas.

O PSD prepara-se para eleger um(a) novo(a) líder capaz de se apresentar como alternativa ao nosso primeiro-ministro, e o PS já se sente em época eleitoral. No PSD exige-se tudo a esta nova liderança, um programa coerente, ideias, credibilidade e capacidade de apaziguar o turbulento partido bem como enfrentar as eleições legislativas de 2009 de igual para igual com José Sócrates.

Elaborar programas, dar ideias, encontrar soluções no papel e nos discursos para o país não é difícil. Ideias não faltam nas cabeças inteligentes (a inteligência não é, ao contrário do que pode parecer, um bem escasso) e voluntariosas que se preocupam com o desenvolvimento do país e apontam, e bem, o dedo ao seu atraso crónico; basta um olhar pela blogosfera – por exemplo - e para os debates que, e ainda bem também, nela se desenham para termos as ideias para um esboço de programa de governo. Uns dias para redação final, os polimentos do marketing comunicacional, o inventar de dois ou três slogans políticos, e já está! Mas a dificuldade em governar está no facto de que os programas e as ideias esbarram na realidade: no dia a dia das gentes, no país tal como ele é, nas circunstâncias, no mundo global dos nossos dias e nessa interdependência tão grande no nosso caso. Os candidatos a futuros primeiros-ministros deveriam dizer-nos o que farão nos chamados “worst-case scenarios” que são palco excelente a revelar quer a consistência das políticas quer o carácter do político. Como é que Portugal vai enfrentar uma conjuntura internacional de baixo crescimento económico, não só possível como provável, com o euro forte, uma subida de preço dos combustíveis e sobretudo da alimentação? O que se faz se as exportações não crescerem, as falências continuarem o seu caminho de inevitabilidade e o desemprego continuar a aumentar? Como se enfrenta o descontentamento dos eleitores estrangulados com a carga fiscal, empréstimo da casa e preço da alimentação? Como se reforma o Estado nestas circunstâncias? Onde se corta a sua despesa? Como se encontra equilíbrio entre os interesses legítimos dos diferentes grupos, das classes, os direitos adquiridos de uns, todos eles de alguma forma dependentes do estado, face ao mais abstracto bem ou face ao mais mensurável desenvolvimento da nação?

Deveríamos perguntar aos futuros candidatos a primeiro-ministro o que farão eles de cada vez que as suas políticas reformistas forem alvo de grande descontentamento popular. Lembrando o caso do SNS, recuariam deixando cair o ministro e as políticas? Ou enfrentariam, e como, o descontentamento social e o povo na rua? Pergunto-me porque é que hoje já não morrem pessoas nas ambulâncias, nem nascem crianças nas ambulâncias ou pelos menos, se morrem e nascem já não sabemos. Porque é que esta ministra ao tomar posse afirmou que a política para o SNS não mudava, mas já não há notícias de fechos de serviços de urgências, e porque é que reforma do SNS deixou de ser um problema que se debate e discute? Dizer que se quer acabar com as listas de esperas longuíssimas para cirurgias é fácil, mas como se negoceia com as administrações dos hospitais, como se colmata o problema criado pelo próprio estado (no acesso às faculdades de medicina) da falta de médicos, como se dialoga, ou enfrenta a classe médica, ou a classe dos enfermeiros? Ou perguntar porque é que ainda não se liberalizaram as Farmácias, tal como prontamente anunciado pelo nosso primeiro -ministro?

Na Justiça, os anúncios e as reformas não são visíveis aos olhos do contribuinte. Os ímpetos e excessos legislativos têm como efeito reforçar a desconfiança e o sentimento de incompreensão da Lei. Os resultados dos casos mediáticos Casa Pia, Apito Dourado, Esmeralda, Maddie, por exemplo, são a face da fragilidade da nossa Justiça e investigação criminal. Quem ou o que é que impede as reformas? Na Educação, escrever num programa de governo da bondade da autonomia das escolas, das virtudes dos cheques-ensino, da liberdade de escolha, é simples. Mas como se vai enfrentar o descontentamento das famílias quando, por causa de uma boa medida que é a obrigatoriedade do ensino, os resultados das políticas de não–retenção (palavra politicamente correcta para reprovação) de alunos se fizer sentir nas turmas e no aproveitamento dos outros alunos? E as diferenças se notarem nas escolas autónomas?

A enumeração destes exemplos só serve para mostrar que a pressão para inverter as políticas reformistas ou o boicote às mesmas se faz sentir de forma real, e era importante saber como é que os futuros candidatos a primeiro-ministro reagem. Tentar adivinhar a consistência das políticas bem como o carácter do líder são dados tão importantes como avaliar as políticas e as medidas reformistas, para percebermos se abandonam as reformas mudando a cara de um ministro, por exemplo, ou se propõem reformas a passo e passo, ou se se preparam para enfrentar o descontentamento sabendo que podem perder o apoio popular e perder eleições?

27.5.08

Noventa, e não foi suficiente.


My Blueberry Nights de Wong Kar Wai, é um filme chato longo e lento. Confirma o talento de Norah Jones como... cantora, pois ela não sabe representar. Há uns momentos interessantes a nível de representação com os restantes actores secundários (David Strathairn, Rachel Weisz, Natalie Portman) pois nem Jude Law se safa pouco convincente no seu fake accent. A realização é xaroposa, um pouco kitsch e com ares ambiciosos, mas sem osso para roer. Uma fotografia pretensiosamente enevoada, momentos mortos e tal como esperado (o que já é muito mau só por si) um final do mais básico que há (socorro!) com um beijo complicadíssimo que não chega a entusiasmar apesar de tanta encenação e noventa tentativas (segundo o que li algures) para acertar com “a coisa”.

Combate ao Sedentarismo 54

Sidney Pollack. "Out of Africa"

Poderia começar a escrever este post com as palavras com que comecei o último: há coisas que parece que já tinha esquecido e lembrá-las é como uma janela que se abre....

Isto a propósito da morte de Sidney Pollack, um realizador que foi ao longo da vida uma presença constante, uma espécie de vizinho que sabemos quem é, conhecemos-lhe a cara, vemo-lo através do tempo que passa, das coisas que faz, mas com quem nunca falamos. Vi-o a última vez (como actor e produtor) em "Michael Clayton" e como realizador em “The Interpreter”, um bom thriller. Parece que o “vi” pela primeira vez com grande entusiasmo na altura em “Tootsie” e só depois o vi naquele filme culto que marcou uma época “They Shoot Horses, Don’t They?”. Chorei as lágrimas esperadas no melodrama dos melodramas “Out of Africa”, que depois de uma fase de nojo, revi recentemente com gosto, “The Way We Were”, nunca me entusiasmou tanto como melodrama. Pollack foi (é) um dos representantes da essência do cinema americano, no seu caso nos finais do séc XX. May he rest in peace.

25.5.08

Pronúncia do Norte 4

Imagem roubada de A Cidade Surpreendente. Um blogue de onde apetece sempre roubar imagens.


Há coisas que parece que já tinha esquecido e lembrá-las é como uma janela que se abre sobre a memória e os sentidos do passado. Estes dias no Porto sempre debaixo de chuva relembraram-me não só a solidez da cidade mas sobretudo a sua dignidade quando a chuva cai implacavelmente e sem fim à vista. O Porto não se curva perante a chuva, recebe-a de forma inabalável e com uma impassividade própria. E a vida continua.


Cada vez que passo na Avenida dos Aliados confirmo a opinião de como gosto mais da Avenida tal como ela está hoje: ampla e aberta, também com mais dignidade e dando mais visibilidade aos edifícios. O mesmo não posso dizer em relação à Casa da Música cuja volumetria continua a surpreender-me negativamente e a deixar-me. Continuo a senti-la um mamarracho na Rotunda da Boavista.

20.5.08

Plataforma contra a Obesidade 40

(Atribuído a) Barend van der MEER (1659 ? - ?, entre 1692 et 1702)
Nature morte au chandelier

MFL, ou Uma Questão de Estilo

Manuela Ferreira Leite não entusiasma, não empolga, nem faz acreditar num Portugal melhor para amanhã. Às vezes paro e pergunto-me se tenho saudades do tempo em que ainda me atrevia, em momentos mais ousados, a ficar entusiasmada, empolgada e acreditar que Portugal um dia será como aquela sábia mistura da Irlanda e Finlândia temperada com sabedoria anglo-saxónica, fé como no American Way of Life tudo com muito estilo, design à maneira italiana. Não, não tenho saudades, e cada vez mais gosto de não ficar empolgada ou entusiasmada por um político ou mesmo por um projecto político. Olho para ambos com cepticismo e desprendimento e encontro-lhes sempre pelo menos três vícios por cada virtude. Não há Blair, Sarkozy, Bush, Zapatero, Obama que me entusiasme. Não há PS que me alicie, PSD que me comprometa ou PP que me mova.

MFL não é excepção. As suas passagens pelos diferentes Ministérios nunca me marcaram positivamente, nem deixaram grandes saudades, e o seu actual discurso insistente numa busca de identidade partidária, no desatino que é hoje o PSD, na social-democracia assusta-me um pouco. Não gosto de socialismos e sempre me pareceu que a social-democracia era coisa de sóbrios mas ricos nórdicos e protestantes. Portugal é um país de vícios e o maior deles todos é o Estado cuja omnipresença e omnipotência desafia a própria essência divina. Desde a luz que acendemos, ao que comemos, passando pelo que estudamos, pelos bancos onde fazemos empréstimos, ou pela pensão que gostaríamos ter no futuro, de uma forma mais ou menos evidente, directa ou indirecta, o Estado está lá, olhamos para a direita e vemos o Estado, viramos as costas e atrás está o Estado. A presença e o peso do Estado (já lhe chamaram Monstro) na sociedade não parece representar a forma como eu vejo uma sociedade livre, democrática e flexível. MFL não preconiza a diminuição do peso do estado que eu gostaria, por convicção ideológica ou por pragmatismo e sentido da realidade (os grandes vícios raramente se perdem), ou por uma mistura das duas coisas. No entanto, e dadas as circunstâncias actuais do PSD e do país e dados os candidatos à liderança do PSD, espero que seja ela a nova líder do PSD.

Espero que MFL, caso ganhe a liderança do PSD, traga sobriedade, acutilância, bom senso, seriedade e credibilidade a um terreno plástico, inconsistente e aleatório que hoje parece ser a política quer no governo quer na oposição. Eu quero acreditar nisso. Quero acreditar que MFL não vai fumar às escondidas atrás das cortinas, nem vai prometer em frente às câmaras de televisão que vai deixar de fumar, ou explicar que a sua má-disposição não tem a ver com o facto de ter decidido deixar de fumar. Quero acreditar que MFL não vai explicar se fumou charros ou não nem se gostou ou não do sabor. Não emitirá comunicados sobre se fez ou não uma sesta, não explicará se faltou a um compromisso de Estado por ter estado ou não num casamento de amigos, nem se deleitará com os concertos para violino de Chopin. Não tentará convencer-nos que fez quatro exames universitários num dia, que Domingo é um dia normal para tirar certidões, e que não percebe porque os registos da AR terão sido modificados. Nem nos obrigará a ver imagens suas a fazer joggings no Calçadão ou na Praça Vermelha. Esta certeza é muito reconfortante.

Sem querer desvalorizar a importância que é ter uma visão para o país que permita estabelecer as prioridades e elaborar um programa de acção realista e coerente quer para um partido do governo quer para uma oposição confesso que dadas as circunstâncias mais recentes, não consigo minimizar a importância da pessoa do líder e o lado mais sóbrio e algo austero de MFL não me deixam indiferente.

Esta notícia deixa-me aturdida e pergunto-me que mais é que estas comissões de investigadores que fazem estudo a propósito de tudo vão inventar para que a Educação em Portugal continue a ser palco de reestruturações, reformas, re-isto e re-aquilo sempre com temor referencial pelas “alterações menos ‘bruscas’”. Nunca nada é suave de mais para os educandos, parece ser a palavra de ordem de sempre. Espero que prevaleça o bom senso e se opte pela estabilidade, pois uma das causas do estado do nosso ensino é a falta de estabilidade e de uma visão a longo prazo. Em vez de reformar programas ou de reestruturar ciclos, dever-se-ia parar, respirar e modificar mentalidades. Mais rigor, mais exigência, mais disciplina deveriam ser os motores da educação, para professores, pais e sobretudo para os alunos que é deles o futuro.

18.5.08

Torre de Belém

Aumentar para ver o ridículo "colar" da Torre de Belém. Foto tirada há dois dias.

Num primeiro momento fiquei intrigada, ali de pé na varanda a olhar ao longe a Torre de Belém, mas não perdi um segundo mais a pensar nisso. Depois quando vi que a bizarria persistia, e porque não tinha passado por lá, tentei perceber o que era e muni-me de binóculos de longo alcance e telescópio. O quê? Bolas plásticas enormes das que parecem marcar rios e mares a enfeitarem a Torre de Belém, qual pescoço com colar étnico para festa popular? Tive que passar por lá para confirmar o adereço, e senti dificuldade em focar os olhos, a mente e sobretudo o gosto e a sensibilidade estética. A Torre de Belém está horrorosa, pior do que isso, está pirosa. Um monumento que não sendo propriamente o Mosteiro de Alcobaça mas que é, na sua simplicidade, digno, sólido, de linhas bonitas, e carregado de história e simbolismo nomeadamente por ser o ex-libris da cidade de Lisboa, e que é nosso património – é meu e de todos os portugueses, não pode ser objecto de experiências decorativas sem nexo nem gosto e que vilipendiam a sua dignidade, por muito interessante que possa ser o pretexto, coisa que desde já duvido, mas fica feita a salvaguarda. Será que ninguém pensa, nos serviços da cultura e do património?

Há uns tempos falava-se em promover o Turismo Cultural em Portugal (a propósito do S. Carlos, por exemplo). Não é assim com iniciativas pindéricas que mais não fazem do que retirar a dignidade arquitectónica histórica e simbólica do monumento que se promove o dito turismo cultural, nem sequer o turismo normal (se alguém entender a subtil diferença existente nas cabeças dos governantes que fazem planos e nos promovem a West Coast of Europe, que eu não entendo) que em Lisboa vive de meia dúzia de monumentos, trajectos e referências. E muito sol, muita luz, muitas sardinhas.

Por favor, voltem a dar à Torre de Belém a dignidade que ela merece.

17.5.08

Noite de Fado

O Fado está lá, faz parte da identidade ou de uma qualquer memória do ser português, mas não faz parte do meu quotidiano, muito menos do modo “default” de algum instinto musical que tenha. Claro que quando cresci ouvi alguma Amália, algum fado de Coimbra, e esporadicamente fui ouvindo outros fadistas, mas nunca em grande quantidade nem nunca com grande afinco. Creio que este é um padrão comum a muita gente que, como eu, nasce e cresce no Porto. Mas umas idas ao Senhor Vinho há uns anos (porque teve que ser, mais do que por opção) fizeram-me conhecer Camané, e de imediato percebi a beleza incrível e inconfundível da sua voz e o seu talento único e quieto para estar num palco e encher completamente o espaço. No entanto nunca me passaria pela cabeça ir a um espectáculo ouvir fado horas a fio.

Por isso surpreendi-me quando, num impulso pouco comum, decidi que queria ir vê-lo ao Coliseu ontem. Desde o primeiro momento com Sei de um Rio (o video do link já é do espectáculo de ontem) Camané electrizou o público que não lhe poupou ovações e bravos em quase duas horas de fado num espectáculo memorável e alongado de tantos encores. A cumplicidade discreta e pouco ruidosa, mas intensa e visceral que de imediato estabelece com o seu público é única e percebe-se como é que conseguiu, por exemplo, esgotar duas noites seguidas no Concertgebouw de Amsterdão. Ontem foi uma noite de fado que fica na sua memória e na nossa.

14.5.08

Dias de Verão 2

Paul Cezanne (1839-1906)
Les Grandes Baigneuses

É pior a emenda do que o soneto. Se já é mau José Sócrates ter violado a lei, fumando num avião é ainda pior dizer que “se violei alguma lei, peço desculpa”. Esta pose de Maria Madalena arrependida e penitente fica-lhe ainda pior do que a do fariseu, grande mentor de limpas e higiénicas leis. Sem esquecer que JS é um amante de grandes viagens e que conhece bem as normas de fumo a bordo de aviões. Com o nosso primeiro-ministro nada bate certo, tudo é turvo, até as coisas mais banais. Ainda o vamos ver empertigado e pomposo a pagar a multa vestindo o fato de cidadão normal que cumpre. Vai uma aposta? Os contornos de grande caso mediático e grande problema nacional deste “fait-divers” que tem honra de notícia de abertura em telejornais e comentários de vários quadrantes da sociedade, presidentes de diversas instituições, bem como do constitucionalista Jorge Miranda, deixa-me boquiaberta.

13.5.08

Lugar Comum 2

Os jacarandás que começam a encher Lisboa, este ano um pouco mais cedo. Hoje foi a Avenida das Descobertas ao som de Albinoni na Antena 2 com o concerto para oboé e cordas pelo maestro Trevor Pinnock. O concerto pode ser ouvido/visto aqui. (A única interpretação que encontrei no youtube). Os jacarandás podem ser vistos por toda Lisboa, ruas e avenidas inteiras vestidas de roxo. Um deslumbre. Há excursões à Holanda para ver os campos de tulipas, mas nunca percebi porque não há excursões a Lisboa para ver os jacarandás. Não ficam a dever nada às já de si magníficas tulipas.

Tal como FJV no Origem das Espécies, eu também sou contra a "escola desejável", citada por JCD no Blasfémias.
(Também sou contra os textos pirosos)
.

12.5.08

Votar ou não votar no PSD, eis a questão.

Manuela Ferreira Leite fez mal em explicar-se. Um dos pilares da democracia assenta no voto secreto, e um dos pilares da liberdade individual é, no nosso silêncio e solidão, podermos votar sem ter que dizer, explicar ou justificar em quem ou porquê, e esta premissa é válida para todo e qualquer cidadão incluindo os militantes partidários, os líderes dos partidos que foram, são ou hão-de ser.

Honestamente não percebo porque é que o “obviamente não respondo de MFL” causou tanta indignação, nem tão pouco percebo porque é que ela tem sido tão criticada, por tantos sectores, todos eles amantes de valores como a liberdade, liberalismo, individualismo e outras palavras da mesma área semântica. Em nome de quê, é que ela, ou outro qualquer cidadão tem que revelar o seu voto. Será que não se reconhece a MFL o direito de votar como quer, como a sua consciencia dita, como a sua razão recomenda, como o seu ímpeto condiciona? Não terá ela, ou outro qualquer cidadão o direito de, pertencendo a um partido, votar noutro porque isto, porque aquilo ou simplesmente porque sim? Não é isso uma face da liberdade individual que todos os dias reclamamos a propósito de tudo e de nada? Porque é que tem ela, mesmo pertencendo a um partido político, repito, que revelar ou explicar o que deveria ser uma opção individual e secreta? Ou será que a liberdade tem condições pesos e medidas diferentes conforme os casos?

We Own The Night

We Own the Night ou Nós Controlamos a Noite, uma realização contida e exigente de James Gray. Formalmente muito sóbrio e com uma narrativa coerente e fluida. Provavelmente é um dos filmes menos românticos que já vi. Tão realista, tão normal que o que gostamos é dessa previsibilidade e só somos surpreendidos, pelo facto de nada nos surpreender: é mesmo assim. A lealdade, a família, o amor. Sem rodriguinhos nem concessões estilísticas quer do argumento quer da forma a favor de mais cor e textura dramática. Linear, simples e muito bom. Joaquin Phoenix é um belíssimo actor, bem como Mark Wahlberg e Robert Duvall. Eva Mendes passeia-se por lá, mas não convence.

11.5.08

Nunca deveria sequer pensar em escrever sobre Futebol 2

... e por isso andei todos estes dias a combater o impulso de escrever sobre o caso Apito Dourado, mas hoje não resisto. António Barreto na sua crónica do Público diz o que eu gostaria de dizer sobre o caso e o que tantos de nós pensam. Fala do Porto e do Norte, mas sobretudo fala desta fatalidade que é o gosto amargo da Justiça em Portugal. As suspeitas de que há justiça para uns e Justiça para outros.

Há uns anos dizia Maria José Morgado, do alto da sua cátedra acima da suspeição, dos terríveis problemas de corrupção no futebol, das mafias, dos sub mundos, da podridão. Perante o desfecho do caso Apito Dourado e perante o que ficou provado, pergunto-me o que falhou? Penas destas que mais parecem feitas “para inglês ver”, para calar o povo (uma parte do povo) sedento de justiça, para justificar o tempo e os meios gastos, não convencem. Como o caso Casa Pia, como o caso Maddie ou o caso Joana, a Justiça parece sempre morrer no caminho.
.

10.5.08

Plataforma contra a Obesidade 39

Paul Gauguin. (1848-1903).
Still Life with Three Puppies
Um momento raro: o artigo de José Pacheco Pereira no Público de hoje. A ler da primeira à última palavra.

8.5.08

Caldinho Cultural

Há coisas que preferia não saber, e quando os media omnipresentes de diversas formas e feitios veiculam essa informação, tento distrair-me, desligar, mudar o canal, não olhar, não ver, não saber. Pelo menos tentar que a informação fique a pairar pelo ar e se disperse rapidamente mas que realmente não se faça realidade na minha mente. Tem sido assim nas últimas semanas em relação à história do cidadão austríaco que sequestrou, violou e teve sete filhos da sua filha. Não quis saber, não quis ouvir, não quis ver. Até que hoje fui bombardeada várias vezes durante o dia com a publicidade à revista Visão que tem um dossier especial sobre o assunto. É óbvio que não comprarei a revista nem quero ler nada sobre o assunto de tal forma ele me perturba não só no aspecto humano/afectivo, mas no aspecto mais racional que tenta analisar os porquês, as motivações, os objectivos. Parece que o meu enquadramento mental não foi estruturado de forma a interpretar e digerir este tipo de comportamento pensado, frio, implacável, organizado e levado a cabo sem hesitação, nem retrocesso, sem culpa, nem fraqueza, sem piedade nem compaixão. Vinte e quatro anos neste registo. Repito, vinte e quatro anos de intencionalidade. Não preciso de detalhes, de planos do bunker, de explicações do dito cidadão, de testemunhos de vizinhos para que o horror desta situação me perturbe, e a passividade da vítima me aterrorize. Porquê? Para quê?

Há no mundo situações de horror, enorme injustiça, perversão, desigualdade, violência gratuita, e não é preciso pensar muito para elaborar uma longa lista de horrores dos nossos dias. Mas este caso tem esta intencionalidade, este pensar, esta frieza, esta repetição ao longo dos ditos 24 anos, que estão para além dos próprios actos de violência, violação, perversão. E este facto incomoda demasiado. É como se estivéssemos perante um concentrado de Mal e esse Mal tivesse um rosto, uma forma, um corpo. Mal no tradicional sentido judaico-cristão, como o que é oposto ao Bem, o que se afasta do Bem (Deus). Como se afinal este caldinho cultural que bebemos diariamente e que evita pensar nas noções de Mal e de Bem, tivesse sido contaminado, por um momento.

Dando Excessivamente sobre o Mar 31

Claude Monet.
On the Cliff at Pourville, Clear Weather. (1882)

6.5.08

Pode repetir?

Hoje ao folhear um jornal diário de distribuição gratuita, li do princípio ao fim – coisa rara – um anúncio para um espectáculo de música no S.Luis no dia 8 de Maio com Maria João, Rui Reininho e Pedro Abrunhosa de canções de amor. O texto do anúncio, pomposo até doer, dizia, no meio do texto coisas do género: “três cantores de geografias musicais e afectivas diferentes”. Como? Pode repetir?

Por favor! Se “geografias musicais” já é mau (só lá chegamos se fecharmos os olhos com força) a história de “geografias afectivas” até dá nauseas e só pede mesmo a porta de luz verde que diz EXIT. No final do texto para fazer bonito utiliza-se esta banalidade: “Este é o ponto de partida e chegada”. Porque será que não escrevem coisas normais e despretensiosas quando têm como objectivo darem-nos informação?
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Dias de Verão

Paul Cézanne (1839-1906)
Baigneurs

3.5.08

De vez em quando leio posts que mais parecem lufadas de ar fresco. Hoje este soube-me assim.
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2.5.08

1.5.08

Ismos e Istas, Socratismo e PSD - 2

Socratismo e PSD

Neste momento é o socratismo que nos governa tendo-se assumido, através do executivo, como uma política reformista de rupturas, de exigência orçamental, de modernidade, e com uma ambiciosa componente tecnológica. Tenho, por vezes, neste blogue manifestado as minhas reservas em relação a algumas destas políticas, ou em relação à forma como elas são conduzidas, e poderia tê-lo feito em relação a mais. Parece que muito pouco foi feito do tanto que há a fazer, muito pouco foi reformado do que há a reformar, mas é inegável que o deficit foi controlado, que muitas “corporações” foram beliscadas e que o movimento criado, pouco e muitíssimo discreto, tem sido no sentido da modernização e competitividade e um sinal disso é o facto do Socratismo não agradar à esquerda clássica, PCP e BE. Mas para muitos outros o pior do Socratismo é José Sócrates himself, o homem político, o seu vazio, a sua opacidade, o seu estilo, as suas prioridades, os seus anúncios constantes disto e daquilo sem consistência, sem reflexão, a sua imagem cuidadosamente preparada pelos conselheiros de comunicação política, o seus discurso, o seu percurso, o seu curso, os seus projectos de engenharia e os seus sapatos Prada, o seu tom de voz moldado e trabalhado para aparentar espontaneidade, as suas frases slogan, os joggings de cada vez que vai em visita oficial ao estrangeiro, os “porreiro pá!”, as distribuições de computador. Um dos elos mais fracos do Socratismo é a credibilidade de José Sócrates.

Outros “ismos” que quiserem ocupar maior espaço político terão que, com toda a honestidade, dizer o que fariam realmente neste país que é o Portugal de hoje, dependente de cada pequena oscilação do preço do petróleo, da “conjuntura” internacional, com quatro ou cinco grandes grupos económicos que vivem em promiscuidade com o Estado, onde a excelência não é premiada e a criatividade altamente asfixiada com impostos, onde a classe média se torce ao fim do mês e onde todos reclamam os seus especiais e excepcionais direitos adquiridos, onde nenhum estudante até ao secundário pode chumbar por muito que isso custe à turma, aos professores e aos contribuintes, onde se ensinam competências e não matéria, onde uma exposição mal amanhada do Hermitage no Palácio da Ajuda é elevada ao nirvana cultural, onde se constrói demais e onde se planeia de menos. Poderia continuar mas não vale a pena. A questão é, sem demagogias e discursos ocos e inflamados de mudança e reforma (há quem já não possa ouvir falar em liberalismo, eu já tenho dificuldade em ouvir falar de reforma, de tal forma se banalizou ultimamente o termo ao ponto de qualquer medida avulso se fazer passar por uma reforma) saber exactamente o que é que outro “ismo” faria de diferente. Que capacidade de manobra teria neste Portugal de hoje, outro “ismo” para grandes medidas e rupturas sem desgastes sociais e sem o povo em protestos na rua. Eu sei que a credibilidade não entusiasma ninguém, não move, não é excitante, mas há um deficit dela no Socratismo, e os discursos irrealistas, bem intencionados cheios de teoria disto e daquilo também já não são novidade.

Mark Rothko
Red, Orange, Tan, and Purple, 1949

Ismos e Istas, Socratismo e PSD - 1

Ismos e Istas

Confesso-me perdida entre os últimos “ismos” e “istas” que povoam a minha (pouca) vida política. Lembro uma fase do pós 25 de Abril em que miúda tentava perceber diferenças entre comunismo, socialismo, leninismo, marxismo, trotskismo, maoismo. Hoje sei de onde vem cada palavra, conheço o contexto histórico que as fez o contexto ideológico que as tornou conhecidas, mas já não sei bem o que representam nos dias de hoje, a não ser o século XX. Hoje, à nossa medida, que somos um país pequeno e periférico (sim, com um clima óptimo e sardinhas de fazer inveja, mas mesmo e apesar do clima e das sardinhas, assim dependente e de recursos limitados) vejo o país político enredado em “ismos” e “istas” a perderem-se no horizonte. Ele é Santanistas, ele é Menezistas, ele é Barrosistas, ele é Cavaquistas, ele é até Socratistas ou Alegristas. Numa lógica a um nível de quarta classe o “ismo” dá o “ista”, por exemplo, o comunismo deu os comunistas, o maoismo deu os maoistas. Ora neste Portugal do séc. XXI ainda estou para perceber o que é o “ismo” que dá um “ista”, isto é o que é o Santanismo que dá Santanistas, o Cavaquismo que dá Cavaquistas... Parece que esta teia de “ismos” e “istas”se vai tecendo à volta de alguém, de um líder (ou potencial líder), de uma circunstância política de um momento na história, de tensões pessoais mais do que de um pensamento estruturado ou de uma corrente ideológica. Parece que estamos no grau zero do pensamento ideológico, mas talvez seja este um novo desafio deste século, pelo menos para países democráticos, mas periféricos, pequenos e dependentes como o nosso: fazer política sem ideologia. Viabilizar o país tornando-o mais moderno e competitivo, menos irrelevante, pobre e periférico parece ser o grande desígnio de qualquer político que queira governar Portugal, um país de grandes vícios públicos, com um Estado demasiado pesado e omnipresente, de inércias várias, de movimentos lentos e pesados. Um país de fados.

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