“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
holehorror.at.gmail.com

30.10.07

Dando Excessivamente sobre o Mar 15

Gustave Courbet
The Sea near Palavas

Trabalho de Grupo 2

Depois de definidos os grupos de trabalho começa a negociação sobre o tema, o método, a apresentação final do trabalho e dividem-se tarefas, porque há dificuldade em que eles se encontrem fora da escola. Este é outro dos aspectos bizarros dos “trabalhos de grupo” actuais: são muito pouco trabalhos de grupo e são muito mais um patchwork de tarefas que cada um fez à sua maneira, na sua casa. A pesquisa limita-se a uma busca no Google e um “copy/paste” das primeiras referências ou/e a uma passagem pela Wikipédia. Se isto é preparar as crianças para uma pesquisa e um trabalho sério, eu não me posso admirar com o nível dos estudantes ao chegarem aos bancos das universidades. Todos deveríamos ter consciência de que hoje qualquer trabalho de pesquisa é feito em meia hora em frente do computador ligado à internet. Os itens da bibliografia que eles apresentam começam todos por www. Só. Mas a escola não exige mais nem melhor. Pelo contrário: vemos a glorificação do computador e das ligações à internet como o maná dos dias de hoje. Para a parte da apresentação também são demoradas as negociações para saber que font se utiliza, que tipo de letra, que cor de letra, que fundo, que efeito especial, bem como quem diz o quê no caso de haver apresentação oral.

Tudo o que referi se passa com os alunos que se dedicam a fazer o trabalho. Há sempre alguns que, por motivos diversos que às vezes nem se dão ao trabalho de explicar aos colegas, nunca se aplicam e que nunca colaboram. E como dizem os colegas: antes assim. A trabalhar em grupo as crianças/adolescentes cabem todas numa de diversas categorias: as que têm montes de ideias (boas ou más) e dão a cara pelo trabalho, os sossegados que fazem um trabalho “limpinho”, os que só sabem dar palpites, mas que trabalham pouco, os que nunca trabalham, os que têm uma mãe que gosta de fazer tudo, etc. É esta a visão que os alunos das escolas de hoje têm do trabalho em equipa e do que é fazer pesquisa, mas ninguém parece muito incomodado com este facto. (Continua).

29.10.07

Pedem-me simpaticamente daqui para abrir o livro que estiver mais à mão e transcrever a quinta frase completa da página 161. Fácil. Tenho sempre um livro à mão e raramente têm menos de 161 páginas. Neste momento há uma pequena pilha de quatro atrás do computador. O de cima, que comecei a ler ontem não tendo ainda passado do terceiro capítulo, trás a seguinte quinta frase completa na página 161:

You were sent to me, I was sent to you.

Trata-se de J. M. Coetzee, Slow Man, edição da Penguin Books

Coetzee escreve frases curtas.

Combate ao Sedentarismo 40

Trabalho de Grupo

O sistema de ensino e o quotidiano das escolas hoje são matéria para numerosas e longas reflexões mesmo por parte daqueles que não sendo profissionais da educação, são atentos e críticos. É este o meu caso e é nesta qualidade que escrevo. Um dos hábitos da escola de hoje é a valorização excessiva e a banalização do “Trabalho de Grupo”, que remete para segundo plano uma pesquisa individual, ou outra forma de avaliação mais rigorosa. Tudo começa muito cedo com uma disciplina cujos objectivos me parecem bizarros e muito questionáveis quer na sua pertinência quer pelo tempo que ocupa, e cujo nome é “Área Projecto”. Não me quero demorar a analisar este nome, coisa que se revelaria rica tenho a certeza, mas com esta disciplina obrigatória nasce uma imposição e uma normalização de uma forma de trabalhar que eu questiono. A vontade - politicamente correcta e imbuída de “eduquês – de que com o trabalho em grupo se desenvolvam as aptidões para um trabalho colectivo em que exista entre-ajuda, camaradagem, negociação, colaboração, cedência liderança natural e aceite, etc é, no mínimo, um mito, e no máximo nocivo para o crescimento e autonomia e mesmo a tão valorizada auto-estima das crianças e jovens.

Tudo começa com a constituição dos grupos - um processo que raramente é pacífico e que espelha o caos hierárquico, inter-relacional e de “afectos” que se encontra na escola - seja porque o professor escolheu - e dada a escassa referência de autoridade do professor o aluno hoje crê-se senhor de todas as decisões, seja porque se tirou à sorte e o azar bateu à porta e não se quer aceitar o azar, ou seja porque os alunos livremente decidiram, e há sempre alguns descontentes ou porque foram os últimos a serem escolhidos pelos colegas, ou porque ficaram num grupo com colegas com quem não se dão mas era o único que tinha vaga. Este passo, sobretudo se envolve algum conflito aberto no seio duma turma, numa altura em que as crianças e adolescentes estão a crescer e a descobrirem-se e conhecerem-se a si próprios, parece trazer algum desnecessário atrito e insegurança. Como se fazem trabalhos de grupo com uma frequência atordoante este processo repete-se com a mesma frequência. Os alunos, pelo menos até ao fim da puberdade, não têm ainda capacidade para tomarem certas decisões que poderão potenciar crises e conflitos, pelo menos de forma sistemática, e deveriam ser aliviados de as tomarem. Colocá-los perante factos consumados lembra-lhes que existe uma autoridade na escola e alivia-os para a principal tarefa que é aprenderem o que lhes é ensinado. O que me espanta é que com tanto psicólogo(a) nas escolas, se permita que existam conflitos verdadeiramente desnecessários em coisas simples como esta: devolver alguma autoridade ao professor e aliviar o aluno de escolhas que eles não sabem ainda fazer de uma forma natural e sã, para que ele se focalize na aprendizagem. Claro que talvez os psicólogos(as) existam por causa de situações como esta. Já nem sei. A lembrar também que a disciplina de “Educação Cívica” (outro nome de bradar aos céus) serve tantas vezes para “conversas” e para a resolução de conflitos como estes dentro das turmas. (Continua)

28.10.07

Coisas que se podem fazer ao Domingo 15

Antoine Coysevox (1640-1720)
Neptune



Domar cavalos marinhos.

25.10.07

Matemática


A divulgação hoje dos resultados dos exame nacionais de Matemática e este artigo do DN de ontem escrito por Vasco Graça e Moura a propósito do ensino da matemática põem o dedo numa das numerosas feridas de que padece o ensino hoje em Portugal: a infantilização do ensino querendo explicar tudo demais e à exaustão, contextualizando, ilustrando, exemplificando ao ponto de por vezes a explicação se perder nas teias de tanta contextualização e perdendo a componente de aquisição de conhecimentos memorizando e treinando. Deste modo a pouco e pouco vai-se abdicando de um raciocínio mais formal, da lógica pura, do pensamento abstrato, dos mecanismos que usados e treinados dão origem aos tão desejados automatismos. A memorização abre muitas vezes o caminho para uma compreensão plena. Sem a memorização a compreensão se não for treinada e aprofundada esquece-se ao longo do tempo, as referências e os contextos perdem-se. Ao contrário do que se possa pensar, não é contextualizando, fragmentando e ilustrando que se desenvolve o espírito crítico (mas será que alguém está interessado em que nas escolas as crianças o desenvolvam?), ele adquire-se exigindo uma maior agilidade e elasticidade mental através da formalização do pensamento, do uso da lógica. Claro que dá trabalho, exige esforço, concentração e dedicação, valores que vão desaparecendo da escola

24.10.07

Anoitecer

Ontem (clicar para aumentar)

Knocked Up

Por razões várias e que não são para aqui chamadas vi-me ontem numa situação de ter que ver o filme “Azar do Caraças”. O título, só por si, dá vontade de fugir e gostei muito pouco da ideia de, ao comprar os bilhetes ouvir-me pronunciar a palavra “caraças” num contexto que não era escolhido por mim. O título original é “Knocked up”, muito mais revelador daquilo que nos espera: uma passagem abrupta e imprevista de um mundo infantilizado em que vivem as personagens para o mundo adulto, por causa de uma gravidez. O trailer do filme, que já tinha visto, também não augurava nada de bom e tudo me preparara para ver, de mau humor, uma comédia americana daquelas parvas, banais e tantas vezes confrangedoras. Puro engano meu. Ao fim de 10 minutos já tinha percebido que estava perante um filme bom, muito bom mesmo e com certeza a melhor comédia que vi nos últimos longos anos.

Trata-se de uma comédia original sobretudo pela forma como nos faz rir: não se sustenta nem com os esperados e normais trocadilhos de linguagem nem é uma comédia de situação que viva de previsíveis e parvos quid pro quos. Esta comédia vai mais longe, mais fundo, pela forma, às vezes assustadoramente realista e sem limites do politicamente correcto com que as personagens reagem às diversas situações que apesar de tudo não são aberrantes. O olhar cru e desapiedado, mas sempre simpático e sem arrogância, do realizador vai buscar às personagens a sua vulnerabilidade, incongruências e humanidade, sem medos de nos mostrar o que ele vê, sem embelezar, ou editar demasiado e surpreendendo-nos sempre e ainda mais. Uma comédia inteligente, com recursos que nos surpreendem e um filme que nos faz realmente rir e muito. Rir com gosto e rir contragosto.

23.10.07

O debate sobre as questões europeias já chegou a um nível tal que o melhor argumento para ser a favor da realização de um referendo não são as questões europeias mas o facto de alguns políticos iluminados passarem aos seus concidadãos um atestado de burrice dizendo que a matéria é demasiado complexa para eles entenderem e se poderem pronunciar e decidir. Nada como esta imbecilidade vestida de arrogância para que o argumento pró-referendo surja com toda a pertinência. Porque é que os portugueses não percebem? Talvez porque ninguém se proponha explicar, ou porque não querem, ou porque temem o resultado de uma consulta popular. Este motivos são atentados contra a democracia, que deixam os responsáveis políticos a assobiar para o lado, enquanto segredam uns com os outros e parecem deixar o país indiferente. Mais uma vez. Deviam ter mais cuidade nos argumentos que usam pelo menos para aqueles que ainda não estão completamente desprovidos de capacidade analítica e crítica. A questão europeia é mais complexa do que a regionalização? Porquê? Será mais complexa do que a questão do aborto em que um voto Sim ou um voto Não escondeu tantas vezes as dúvidas éticas e morais de tantos votantes. Porque é tão complexo perceber coisas como duplas maiorias, peso em votações e outras deliberações, rotatividade e de cargos, tempo de mandatos? Ou são outras as questões fundamentais do debate? A tratarem assim os cidadãos - que no entanto para pagarem impostos e preencherem papeis de IRS já se supõem competentes - não se admirem de cada vez que os alunos da Faculdade não saibam escrever, não saibam contar, não conseguigam desenvolver raciocínios abstractos.

Dando Excessivamente sobre o Mar 14

Eugène Delacroix
Falaises d'Etretat (1849)
(Clicar para aumentar)

Me and Mrs Jones

Fiquei pasmada. Não sabia que ainda se cantava assim. Que ainda se faziam canções deste calibre. Se calhar estou enganada e é mais uma questão de “agora, voltou a cantar-se assim”. Seja como for, o cantor, a sua roupa, a voz, a música, a orquestra, a letra da canção, a presença no palco, tudo me parece anacronismo no seu estado puro, a fazer lembrar os idos anos de 50 ou 60. Tempos em que existiam Mrs Joneses e Mrs Robinsons. Vale a pena espreitar. (Link no fim)

Me and Mrs Jones, we got a thing going on
We both know that it's wrong
But it's much too strong to let it go now

We meet ev'ry day at the same cafe
Six-thirty I know she'll be there
Holding hands, making all kinds of plans
While the jukebox plays our favorite song

Me and Mrs, Mrs Jones, Mrs Jones, Mrs Jones
We got a thing going on
We both know that it's wrong
But it's much too strong to let it go now

We gotta be extra careful
That we don't build our hopes too high
Cause she's got her own obligations and so do I
Me, me and Mrs, Mrs Jones, Mrs Jones, Mrs Jones

Well, it's time for us to be leaving
And it hurts so much, it hurts so much inside
And now she'll go her way, I'll go mine
But tomorrow we'll meet at the same place, the same time
Me and Mrs Jones, Mrs Jones, Mrs Jones

22.10.07

Plataforma contra a Obesidade 23

Balthasar van der Ast
Still Life with Fruit and Flowers (1620-21)
Clicar para ver melhor

Pisar Luares

A imbatível dupla de que falei aqui, João Pedro Pais e Mafalda Veiga, brindou-me hoje cedo de manhã e no meio do trânsito com outra pérola retórica a puxar para o transcendente. Assim cantava ele: Piso luares perdidos no chão. O quê? Perguntei-me com dificuldade em apreender e racionalizar tal mensagem. Aumentei o volume do rádio para confirmar e não só confirmei como ouvi (uma canção sem graça) imagens do género: em cada grito da alma eu sou igual a ti (muito gostam eles da alma), pinturas de guerra que não sei apagar, e outras insanidades mais (não, não faço link) que deixaram a minha cognição afectada e mais perdida do que os luares. Pisar luares perdidos no chão? A sério? Poderia dar pontuação pela imaginação delirante, mas francamente que é que isso quer dizer? Temo que nada, tal o som do vazio e do oco. Estas letras de música deveriam pagar imposto. Parece que se trata de um CD desta parceria, o que quer dizer que provavelmente tornarei a escrever sobre eles.

21.10.07

Pó de Estrelas


É sempre de baixas expectativas e com alguma relutância que vou ao cinema ver os chamados filmes infantis ou de fantasia. Talvez por isso, quando gosto, sou surpreendida por esse facto e o valorizo mais. Tão mau como filmes infantis, senão pior, são para mim os filmes de efeitos especiais em que as pessoas para o comentarem usam palavras como “digital”, “tridimensional” e outras igualmente técnicas ou complicadas que nem entendo, nem me esforço por entender para designar explosões, perseguições, idas e vindas do passado e/ou futuro, visão profética, saltos de aviões bizarros para carros surreais, transfigurações e adivinhações visuais, (não James Bond não conta, é demasiado normal). Se juntarmos filme de fantasia para crianças e com efeitos especiais, as minhas expectativas são zero e a contrariedade elevada.

Assim, há uma margem importante para que o filme me cative e isso aconteceu com Stardust. Com excepção de alguns momentos explosivos, literalmente, quer em termos de ruído quer no que respeita à luz, algo exagerados e cansativos, o tempo passou depressa. A história é engraçada, algo ingénua e naïve, contada com humor e não é desprovida de inteligência, apesar de previsível desde o início na sua essência. O ritmo crescente prende-nos, a música algo épica ajuda a criar o ambiente de urgência, as personagens são provocadoras a todos os níveis: personalidades, roupas, adereços, maquilhagem (Michelle Pfeiffer, Robert de Niro, por exemplo) os cenários exteriores e interiores são interessantes e sem exageros formais nem fantasias excessivas e, confesso, que nem os efeitos especiais me pareceram pesados ou desajustados. É fácil envolvermo-nos sem resistência ou contrariedade naquela espiral de fantasia e na simplicidade simbólica do filme. Duas horas muito bem passadas no meio do pó das estrelas.

Coisas que se podem fazer ao Domingo 14

Terracotta 'Tanagra' figure of a woman
Greek (3rd-2nd century BC)



Desconfiar

Da Ortodoxia

Quando li este texto - escrito há seis dias, uma eternidade blogosférica - percebi bem essa simpatia pela ortodoxia tranquila e silenciosa, que não se impõe, que se faz todos os dias com disciplina e abnegação, que conhece o percurso, o passo seguinte e nunca deles se desvia mesmo nos momentos em que, por um breve instante, hesita diante dos remédios ou das soluções. Se a ortodoxia é difícil e requer renúncia, ela também dá conforto, alguma tranquilidade e sobretudo uma certeza de pertença. A ortodoxia é normalmente uma prática de grupo, os ortodoxos apoiam-se, conhecem-se, usam uma mesma linguagem e têm os mesmos códigos. Vivem a sua opção pessoal inseridos numa comunidade mais ou menos presente: juntos afastam a “fraqueza”, a imperfeição e a insegurança – colaboram, apoiam-se e vigiam-se. Vivem da nostalgia de uma prometida utopia que, melhor ou pior tentam recriar... Há admiráveis ortodoxos, compassivos, tolerantes, abertos ao outro e estranhamente conhecedores das fraquezas do mundo. É impossível não os admirar.

Mas a ortodoxia não serve os solitários ou os individualistas – os que questionam percursos, caminhos ou soluções. Os que tantas vezes se refugiam na prática, nos rituais e na disciplina para esconder a dúvida. Os que não gostam de disciplina, que não se revêem em práticas ou rituais, mas que têm poucas dúvidas. A segurança de um grupo acaba por intimidar tantos dos que lêem um livro, e mais outro, outro ainda e nunca os queimam, nem em fogueiras nem na cabeça, mas guardam-nos para lembrarem, relerem, pensarem, ajuizarem, criticarem e claro duvidarem. Por muito apelativa e tranquila que seja a ortodoxia, por muito que a olhemos com admiração e uma ponta de inveja, eu desconfiarei sempre dela, tão perfeita e tão segura, tão cheia de certezas e preferirei sempre a heterodoxia, a contradição, a imperfeição, a hesitação, a procura, a dúvida, a certeza que às vezes se confunde com a incerteza.

18.10.07

Combate ao Sedentarismo 39

Vinte Páginas

Lizaceta Ivanovna was indeed a most unfortunate creature. Bitter is a stranger’s bread, says Dante, and steep the steps to a stranger’s door – and who can better understand all the bitterness of dependency than the poor ward of a highborn woman? The Countess did not, of course, have an evil soul, but she had the self-will of an woman who has been spoilt by society; she was miserly and had sunk into a cold egotism, in the way of old people who are done with loving and who have became strangers to the present day. She took part in all the vanities of high society, dragging herself along to balls, where she sat in a corner, heavily rouged and dressed in the fashion of an age gone by, like some hideous but indispensable ballroom ornament; newly arrived guests went up to her with low bows and curtsies, as if according to some established ritual, and after that no one took any more notice of her.

Pushkin, The Queen of Spades

Dizia o tradutor (do Russo para o Inglês) da dificuldade em traduzir um conto como este em que “you can’t afford to change a single comma”, tal o peso de cada palavra e a tensão em cada frase. Este é um conto magnífico, dos melhores contos que já li – e já li milhares. Uma história inusitada mas densa e cheia “daquilo” que nos torna humanos e de fado, que nos surprende a cada parágrafo, e personagens delineadas como sombras chinesas com minúcia e detalhe, só onde é preciso para que as percebamos com clareza (a frieza de Hermann na intencionalidade – e mais não digo - é exemplo dessa minúcia), conduzem-nos pelas páginas do conto com a atenção desperta, a curiosidade afinada e um prazer imenso. O (meu) prazer de ler exaltado como desejo e nem sempre consigo. O conto tem uma estrutura narrativa exemplar: um ritmo de tensão em crescendo sinfónico, cada novo detalhe ou índice funcionam como um novo instrumento da orquestra que se impõe, ou o ritmo que se acelera - nada que cause estranheza, só mesmo o suficiente para criar, manter e aumentar uma inquetação, um desconforto. A linguagem é limpa, elegante e simples na sua precisão e isenta de enfeites, ornamentos retóricos que tirariam força à tensão e suspense. Não há uma palavra a mais.

Vinte páginas de obra-prima.

Adenda: O "milhares" acima referido, na sua imensidão, induz em erro. Mais de mil certamente, milhares como dezenas de, ou centenas de, é claramente um exagero. Se fosse britânica teria dito meia-dúzia!

16.10.07

Amanhecer

Hoje.
Enquanto accionista do BCP, vou escrever ao Conselho de Administração para formalmente pedir que, tal como a Instituição o tem feito anteriormente, seja perdoada a minha dívida - coisa pouca. De acordo com a informação de que disponho, estou confiante.

Velas 5

Ontem, o Navio-Escola Sagres a entrar no Estuário do Tejo. (Clicar para aumentar)

12.10.07


O blogue faz uma breve pausa e regressa daqui a uns dias.

10.10.07


Depois de durante as últimas semanas se falar novamente do Processo Casa Pia quer a propósito do novo Código Penal, quer por causa da entrevista dada por Catalina Pestana, esta intervenção do Presidente da República não deixa de ser oportuna. Não sei se será eficaz – e gostaria muito que fosse - mas é oportuna, e espelha o sentimento de tantos portugueses que se perguntam o que é feito das investigações, como vai o processo, porque se arrasta o julgamento, porque é que ainda nada se concluiu, porque é que mais uma vez a culpa parece, pouco a pouco estar a morrer solteira, concluiu-se que há vitimas, mas parece não haver agressores. O que é que falha? O que é que falhou?

Leaving New York

It's quiet now, and what it brings, is everything
comes calling back, a brilliant night, I'm still awake
I looked ahead, I'm sure I saw you there.
You don't need me to tell you now, that nothing can compare

You might've laughed if I told you,
You might have hidden your frown.
You might've succeeded in changing me,
I might've been turned around.
It's easier to leave than to be left behind,
Leaving was never my proud,
Leaving New York never easy,
I saw the light fading out.

Now life is sweet, and what it brings
I tried to take.
the loneliness it wears me out,
it lies in wake.
and all I've lost, you're in my eyes,
shatter a necklace across your thighs
i might've lived my life in a dream
but i swear it, this is real
memories refuses, and it shatters like glass
mercurial future, forget the past,
but it's you, it's what I feel

You might've laughed if I told you,
You might have hidden your frown.
You might've succeeded in changing me,
I might've been turned around.
It's easier to leave than to be left behind,
Leaving was never my proud,
Leaving New York never easy,
I saw the light fading out.

You find it in your heart, it's pulling me apart,
You find it in your heart, it's pulling me apart.

I told you, forever, I love you, forever

R.E.M.
Leaving New York

9.10.07

Plataforma contra a Obesidade 22

Paul Cezanne
Still Life with Fruit Dish. 1879-80

Tolerância Zero

Se há algo que verdadeiramente me incomoda e revolta é a complacência dos países ocidentais perante práticas, sobretudo sobre mulheres e meninas, que atentam contra a sua dignidade, liberdade, e integridade física e que têm sido importadas de países islâmicos através da imigração. Os governos ocidentais têm sistematicamente fechado os olhos a situações tais como: abandono escolar de raparigas a partir da puberdade, porque elas nessa altura deixam de poder conviver com outros homens que não os seus familiares, recusa em deixar as raparigas praticarem desporto ou frequentarem aulas de Educação Física com rapazes ou com o corpo parcialmente descoberto. Recusa em deixar tratar meninas ou ser tratada por médicos homens, mesmo que não haja mulheres nessa altura. Casamentos de conveniência em que a mulher, ou tantas vezes a ainda menina não tem opinião; com frequência elas são levadas para fora dos países em nasceram, cresceram e viveram, para casar contra vontade nos países de origem dos pais ou avós, o que as deixa sem liberdade de recusar e torna a sua fuga quase impossível, bem como se lhes perde o rasto. Por último menciono a excisão. Para a excisão nos países europeus a tolerância é zero. (via Blasfémias)

8.10.07

Olhando para o céu

Hoje (clicar para aumentar)

7.10.07

Velas 4

Coisas que se podem fazer ao Domingo 13

Frémyn ROUSSEL
Ange rappelant sur une tablette la mémoire du roi François II (1563-65)


Escrever um diário.

Governo quer valores republicanos na escola, ou a escola transformada no “serve para tudo” da nova ordem moral politicamente correcta com raias de jacobinismo cada vez mais evidentes. Quem tiver dúvidas que consulte o programa dessa inovadora disciplina chamada “Educação Cívica” ou que esteja bem atento aos textos de Língua Portuguesa que são oferecidos às crianças nos manuais escolares. Porque é que o governo não centra a actividade escolar no ensino e aprendizagem das matérias clássicas: matemática, português, línguas, ciências, história, artes, incentivando valores como a disciplina, o trabalho, o esforço, o respeito pelos outros? (O ideal era o governo interferir o menos possível no ensino, mas isso é outra questão).

Encham a cabeça das crianças, adolescentes e jovens dessa treta toda, pode ser que fiquemos melhores – claro que me pergunto como é que países como o Reino Unido, Holanda, Suécia ou mesmo a vizinha Espanha, conseguem ter graus de literacia e de sucesso escolar superiores ao nosso, e no entanto vivem (crianças e adultos) sem a alegria dos valores republicanos...

Por favor deixem-nos em paz!

5.10.07

Homens com Estilo

A white French-cuff shirt makes the gentleman.
But be sure to keep the cuff links simple—the boldness of the cuffs makes enough of a statement.


Chama-se aqui a atenção para um portfolio de 50 homens que marcaram o estilo do século XX, publicado pela GQ que assinala o seu aniversário. Fui espreitar. Para além das belíssimas fotografias, as legendas a cada uma delas terminam com uma “dica” de estilo, inspirado na pessoa fotografada dessa página, a que achei alguma piada.

Sobre estilo, sempre me pareceu um pouco desnecessário fugir às imensas banalidades teóricas e subjectivas que fica sempre bem dizer tipo: para ter estilo é preciso ser igual a si próprio, é necessário estar bem consigo, ter confiança, ou não tentar ter estilo, etc, etc. Não porque sejam falsas, mas porque não ajudam quem o não tem e são dispensáveis para quem o tem. Numa sociedade em que todos querem ter tudo, mas em que a insegurança e necessidade de reconhecimento impera – a todos os níveis - as ditas “dicas” são úteis a um cada vez maior número de pessoas, homens e mulheres, que no meio da diversidade da oferta de “estilos” querem tentar senão encontrar o seu, pelo menos encontrarem algumas certezas de que possam não fazer má figura. Por isso vou destacar alguns desses conselhos que apesar de às vezes parecerem vindos de e próprios para príncipes e reis, podem ser úteis a tantos republicanos perdidos no mundo dos hábitos.

Personal style isn’t about buying the trendiest labels or most expensive suits. It’s about establishing a look that’s all yours and sticking with it. (Jack Kerouac)

A tweak here and there can elevate even the simplest outfits. Notice the rolled-up sleeves, the neckpiece, the beat-up boots instead of sneakers. Small moves like these separate you from the pack. (Johnny Depp)

The little things make the man. Notice the cufflinks and the pocket square. But also notice that they’re subdued—white handkerchief, understated links. And the suit, shirt, and tie are also subtle. Look chic, not like a mobster. (Sean Connery)

Underdressing is the only sin. You should never be afraid to be the best-dressed man in the room. (Hubert de Givenchy)

Estes são conselhos mais genéricos, mas outros mais práticos e úteis de que gostei e que me pareceram úteis, encontram-se nas fotografias de: Michael Jordan, Peter O'Toole, Mick and Keith, Alain Delon, Marcello Mastroianni, The Kennedy Brothers, George Clooney, Muhammad Ali, Paul Newman e Samuel Beckett. (Não consegui fazer os links - é mesmo preciso ir lá ver)

4.10.07

3.10.07



.

O estilo já mudou. O tom também. Compare-se o estilo e o tom de Manuela Ferreira Leite a refutar com firmeza as acusações de Marcelo Rebelo de Sousa com o estilo e tom de Ângelo Correia a falar sobre Marcelo Rebelo de Sousa e a sua irrelevância. Percebe-se a diferença, não percebe?


O Cardeal Patriarca sobre o Diploma que prevê o fim das Capelanias nos hospitais. Interessante este excerto: “são as capelanias católicas que têm chamado ministros de outras religiões, mostrando quão longe está o governo legislador da realidade vivida nos hospitais. Na sua perspectiva, os hospitais devem ter “um serviço de capelania ecuménica”, mas que atenda à dimensão da Igreja Católica.



Entretanto noutras partes do planeta, na Birmânia, descobre-se uma realidade que preferíamos não ter que saber. Thousands of protesters and monks missing in secret gulag of the generals.


2.10.07

Hospitais, Capelanias e Anti-Clericais 3

Ao considerar que, por defeito, o doente no hospital tem direito a assistência espiritual, há que saber como providenciá-la. Admito que esta questão hoje, devido a uma maior multi-culturalidade da nossa sociedade, se coloque de forma diferente daquela que se colocava há vinte ou trinta anos atrás. Se, parece ainda fazer sentido a manutenção de um capelão Católico (porque o catolicismo é maioritário) de acordo com as necessidades e tamanho (número de camas) e tipo de hospital, percebo a necessidade de haver uma ligação a outros assistentes espirituais de outras religiões, e porque não a assistentes espirituais sem ligação a nenhuma estrutura religiosa (existem e são úteis nomeadamente para cépticos que no entanto “se questionam”). Terá que haver sensibilidade suficiente de quem coordena tal apoio para que, mesmo em situações de carência de um ou outro representante da religião professada pelo doente, quem lá esteja saiba despojar-se e abrir-se às necessidades do doente. O argumento de que há padres que abusam da sua situação, que tentam impor sacramentos ou tentar conversões (a sério? Ainda há disso hoje?) é igual ao argumento de que o médico foi insensível ou fez um mau diagnóstico, ou de que o enfermeiro é desatento e descuidado, e não é por isso que se prescinde dos benefícios nem da medicina nem dos cuidados dos enfermeiros. As reclamações terão ser feitas a quem de direito, sobre médicos, enfermeiros, auxiliares, recepcionistas ou capelães. Nem mais nem menos.

Como frisei antes, cada vez se passa menos tempo no hospital, mas há muitas pessoas que passam lá tempo demais, e é lá também que muitos se confrontam pela primeira vez com a morte. A morte de alguém pode ser notícia, mas a inexorabilidade da morte, o seu aproximar, ou as condições em que se morre hoje em Portugal nunca deu notícia nem sequer dá votos. É um dos assuntos de que não se fala. Um dos últimos tabus, e por isso nem sequer faz parte do discurso dos políticos ou entra nas intenções das campanhas eleitorais. Imagine-se um político em campanha a anunciar que as necessidades espirituais do doente (cuja importância na cura, na qualidade de vida, ou na tranquilidade perante a morte, me dispenso de referir, pois parece ser assunto de consenso) como uma prioridade de governação, ou anunciar como paixão os Cuidados Paliativos. No entanto...

Dando Excessivamente sobre o Mar 13

Claude Monet
Aiguille d'Etretat, marée basse , 1883
(clicar para ver aumentar)

1.10.07

Hospitais, Capelanias e Anti-Clericais 2

De acordo com o que tenho lido na comunicação social sobre o projecto-lei do Governo sobre a questão dos capelães católicos nos hospitais, a proposta parece ir no sentido de o doente, quando é admitido no hospital solicitar assistência religiosa de acordo com a religião que professa e pratica, de acordo com a sua fé e com a sua vontade. Ora um doente ao ser admitido num hospital não está, muitas vezes, na posse de todos os dados referentes à sua situação clínica ou mesmo à sua evolução que pode ser imprevisível ou modificar-se em relação ao que ele esperava. Se é verdade que hoje se passa cada vez menos tempo no hospital, e que os internamentos são tão curtos quanto possível, também é verdade que aí se passam muitos dos momentos mais significativos e marcantes da vida de cada um e dos seus e que no meio de mudança, imprevisibilidade e sempre pairando no ar bem ao fundo a morte, a pessoa muda. As certezas mudam, as incertezas também. As prioridades reorganizam-se, os anseios também. E o que é um facto é que no momento em que se é admitido num hospital, ninguém sabe realmente o que vai acontecer durante a estadia, nem sabe de certeza em que condições vai sair, nem tão pouco se vai sair. Nesta encruzilhada de incertezas e fragilidades o doente, independentemente do credo religioso que professe ou mesmo que não professe nenhum, tem um sentido espiritual mais apurado do que noutras circunstâncias, mesmo quando nega a dimensão religiosa. No nosso, país com a nossa cultura, essa ânsia espiritual, tem normalmente como expressão visível uma aproximação aos sacramentos da religião Católica, mas essa é uma das possíveis expressões de religiosidade ou simplesmente de espiritualidade, mesmo que o doente nem se dê conta disso. Um capelão aberto ao outro, ou alguém com experiência nessa área de aconselhamento espiritual sabe detectar esses sinais.

Os doentes têm direito a essa assistência e têm direito a saber que ela existe, que está ali, que é só estender a mão que ela lhe é dada. Que não é preciso uma decisão racional, uma declaração de intenções, ou uma clara expressão de vontade em tê-la. Se se dependesse da vontade expressa do doente, muitos que tiveram o apoio ou a ajuda desse aconselhamento sem o terem solicitado, mas só porque lá apareceu alguém para eles e para lhes dar um momento de atenção, não o teriam tido. Dito isto, creio que a vontade expressa terá de ir no sentido oposto: no sentido de não querer essa presença ou esse apoio espiritual. O direito a tê-lo terá sempre de ser mais fácil, e mais natural - porque decorre da natureza humana e da natureza das circunstâncias e porque a sombra da morte não deixa indiferente - do que o direito a não o ter que é seguramente legitimo e deve ser respeitado. Este princípio é violado neste projecto-Lei. A laicidade de um estado não pode esconder a face religiosa da sua população.

(Continua)

Plataforma contra a Obesidade 21

Louis Valtat
Nature Morte (1938)

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