“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
holehorror.at.gmail.com

31.12.08


A TODOS
UM BOM ANO DE 2009

.

Lisas e Insufladas, mas Subnutridas

Mulheres é um filme mau. E a tornar a experiência ainda mais deprimente estiveram as actrizes. Eva Mendez a mostrar a má actriz que é, Jada Pinket Smith dispensável, Debra Messing indiferente. Annette Bening é uma sombra da actriz que conhecia e Meg Ryan (actriz que nunca me “disse nada”) está de uma banalidade que assusta. Ambas, mas sobretudo Bening que parece ter mudado de traços, diferentes do que eram: muito esculpidas, ainda mais magras, sem uma ruga na testa. Annette Bening até perdeu as rugas que tinha quando era mais nova e que a faziam ser a actriz que era e ambas de feições algo insufladas. Será que é preciso tanto botox, tanto enchimento facial e tanta subnutrição em geral, para se ter trabalho em Hollywood? E porque é que escolhem actrizes mulheres próximas dos cinquenta anos (senão já com os cinquenta feitos) a fazerem papeis de mulheres de trinta e muitos? O filme não é bom, e perante essa evidência pouco há a fazer, mas pelo menos as actrizes poderiam ter aproveitado a oportunidade de fazerem melhor e de elevarem o filme. Afinal só o conseguiram tornar ainda mais deprimente. Ainda bem que George Cukor não pode ver este “remake”. Um mau filme, um mau mundo.

30.12.08

Ontem
.


"Com ou sem divergências sobre este diploma específico, a obrigação do Presidente da República é continuar a colaborar com o Governo, pois até se candidatou vencendo as eleições presidenciais em nome dessa cooperação estratégica. O mesmo dever é atribuível ao Governo, em nome da melhor concretização dos interesses nacionais, o que tem feito com a maior correcção e empenhamento", diz Carlos César.

Há quem nunca perceba, nem sequer tenha o mínimo de sensibilidade nem sentido de oportunidade, que às vezes é melhor estar calado. Não dizer nada. Ficar em silêncio. A tentação de falar aproveitando o momento aparentemente propício e em que as circunstâncias são aparentemente favoráveis é demasiada, mas não se dão contam que perdem o tino nas palavras, nas considerações e nas explicações e que, sem querer se tornam tão patéticas.


29.12.08

Tardes de Inverno 16

Pieter Bruegel the Elder (1525/30-1569)
The Return of the Herd


Os únicos “óscares” da blogosfera que realmente contam, mas que ninguém admite e muito menos menciona, foram ontem atribuídos. Assobia-se para o ar.
.

A Trilogia do Cairo

Li na Ipsilon as escolhas em estilo “Best of” de 2008 que estão reproduzidas no blogue Da Literatura. Creio que ninguém resiste a estas listas em que se resume tematicamente o passar de um ano. Como quem fecha um capítulo antes de virar a página para o próximo. Há os resumos dos principais acontecimentos políticos nacionais e internacionais, dos momentos culturais importantes, dos avanços tecnológicos e científicos, dos ilustres que morreram, dos filmes e dos livros que saíram, etc. Ficamos sempre surpreendidos com a quantidade de acontecimentos que cabem num ano e estranhamos o passar tão rápido do tempo tudo parece ter acontecido entre ontem e o mês passado.

Voltando à lista das escolhas de livros da Ípsilon. Não li nem metade dos livros referenciados, embora esteja a ler um e já estejam dois na calha de leituras próximas, mas apesar desta confissão fico espantada por ter visto a “Trilogia do Cairo” de Naguib Mahfouz em décima oitava posição ora, para mim, esta obra mereceria um lugar de topo numa lista dos melhores romances do século XX. Pergunto-me quem é que a terá lido mesmo e que critérios usam para classificar as obras. Bem sei que se trata de um romance já “velho”, isto é, dos finais dos anos cinquenta do século passado e que nunca mereceu nenhum tipo de curiosidade ou entusiasmo português apesar do Nobel atribuído ao autor em 1988 e das excelentes críticas internacionais, mas finalmente é traduzido e editado em Portugal e é recebido com indiferença reverencial, (só assim se explica o lugar na lista) mais do que com aplauso e gosto. A Triologia do Cairo, que li faz muito tempo numa tradução em Inglês, não corresponde aos cânones das obras modernas pois é daqueles romances inteligentes e de grande fôlego, uma enorme saga familiar que se estende por várias décadas que nos remete para escritores clássicos tais como Dickens, Tolstoi ou Flaubert e não para autores contemporâneos nem tão pouco para romances abstractos e “sem história”. É uma obra riquíssima, com histórias – aliás várias histórias dentro da história – e muita História, que retrata uma família, uma cidade, um país em constante mudança política, e os seus costumes, religião, modos de vida e desejos das personagens ao longo desses anos. Tem uma grande panóplia de personagens riquíssimas e psicologicamente densas, que agem numa teia às vezes mais visível do que outras e um pathos muito próprio. É uma obra muito gratificante e que dá um prazer imenso ler, desafiando e desaquietando o leitor, sobretudo o leitor ocidental, mas de uma grande sensibilidade e momentos de verdadeiro lirismo.

Confesso a minha perplexidade perante estas listas que se subjugam a critérios de “moda” e “conveniência” incompreensíveis para leigos que gostam de ler e de bons romances.

26.12.08

Plataforma contra a Obesidade 48

Paulus Theodorus van Brussel (1754 - 1795)
Fruit and Flowers



A DREN classifica de “brincadeira de mau gosto” o incidente em que alunos ameaçam a professora com uma arma de plástico e filmam o sucedido. Para além dos desajustes da leitura da realidade entre a DREN e o Conselho Executivo da escola, bem como o espanto da Direcção Regional pelo facto de o incidente ter chegado primeiro ao conhecimento da comunicação social do que da Direcção Regional, este é mais um incidente que demonstra o desnorte em termos de responsabilidade e de valores com a DREN a personalizá-lo impecavelmente. Tudo normal num mundo em que se glorifica quem atira sapatos ao Presidente Norte Americano numa conferência de imprensa no Iraque, ou em que se concorda com quem atira ovos e tomates a uma ministra. Não se pára um segundo para exercer algum tipo de actividade crítica sobre as intenções, sobre os meios e o mérito dos actos praticados. Discordar e saber escolher os suportes que exteriorizem essa discórdia, protestar sabendo argumentar o protesto, ou brincar e saber respeitar a integridade e dignidade do outro dá muito mais trabalho do que atirar sapatos, ovos e ameaçar com armas de plástico filmando. Para além disso um atirar de sapatos ou de ovos bem como ameaças com armas de plástico a professores dão uns óptimos vídeos que poderão eternizar esse grandiloquente momento no youtube. E, claro, dar oportunidades únicas à comunicação social que repetirá à exaustão os vídeos que farão a delícia de quem vê e correrão em horas o mundo nas páginas da internet...

23.12.08


UM FELIZ NATAL


21.12.08

Oh When the Saints...

Louis Armstrong and Danny Kaye AQUI.
Imperdível
.

Nevoeiro

Há três dias

Léxico Socrático 3

Depois de um “once in a life time crisis” pronunciado no seminário promovido pelo Diário Económico sobre o tema “Como Crescer em Crise”, em que o primeiro-ministro pastoreou cinco receitas para crescer que deve ter deixado impressionados os participantes desse dia que nunca se riram e que acataram, quais alunos bem comportados, os ensinamentos do mestre (fazendo fé no que vi na televisão, a tentação é demasiada de classificar a plateia de bloco central mostrando, mais uma vez, como é pequenino o nosso país), temos agora os anunciados “apoios financeiros a funcionários públicos em dificuldade”. Tudo propaganda que deixa adivinhar um ano eleitoralista que deitará por terra qualquer esforço de contenção orçamental, num país sem rumo que há muito esqueceu as reformas prometidas, com um governo a seduzir o eleitorado. Nunca mais critiquem quem oferecia frigoríficos e torradeiras, pois os cordões à bolsa abrem-se perante o olhar atónito dos contribuintes que não se deixam iludir com falsas promessas de ajudas e que pagarão, mais uma vez, esta factura de desnorteamento que a “Crise” está a permitir. A mais pura propaganda e demagogia.

19.12.08

Tardes de Inverno 15

Jean-Honoré FRAGONARD (1732 – 1806)
Curiosity

Encontros e Desencontros

Aqui há umas semanas fui surpreendida, quando ouvia rádio no carro, pela voz mágica da Simone. Há tanto tempo não a ouvia que até, infelizmente, já nem me lembrava que existia, num daqueles desencontros de que é feita a vida. Reconheci logo a sua voz , mas fiquei espantada por a ouvir num dueto com o Luis Represas, um odiozinho de estimação meu que só tem igual ao que nutro por Mafalda Veiga. Problema meu, eu sei, e sem razão aparente por isso no seu esplendor irracional, mas não consigo ouvir as canções deles, não suporto a voz melodiosamente bonita e correcta, no caso Luis Represas, nem as letras “mundo metafórico dos afectos correctos” à maneira de Mafalda Veiga. Fiquei num impasse radiofónico, entre o mudar de estação ou continuar, entre a vontade e sedução da voz de Simone e a irritação causada por Represas. Simone venceu, e tenho conseguido ouvir o seu dueto “Desencontro” algumas vezes que tem um refrão a duas vozes muito bem conseguido (apesar de Represas ser tão Represas como era esperado que fosse). Este refrão fez-me imediatamente pensar numa outra música de um outro tempo cantada pelos grandes Chico Buarque e Maria Bethânia, “Sinal Fechado”, toda ela cantada num fôlego, intensamente dramática na sua grande simplicidade e realismo. Sempre considerei esta música um daqueles casos raríssimos em que, aparentemente sem se querer e sem se saber como, se constrói uma pequena obra-prima. Voltar a lembrá-la, e perceber que ainda a sabia de cor, foi um dos prazeres que o dueto Simone/Represas me trouxe.

17.12.08

Entardecer 3

Hoje



“Passos Coelho alerta…”, lê-se aqui. Não é aquilo para que ele alerta que surpreende, é o facto de alertar. Passos Coelho já deixou de “parece-me que...”, “creio que”, “na minha opinião...” para uma posição de grande autoridade partidártia (e nacional porque lhe dão cobertura) “alertando”. Pois ele pode alertar quem quiser sobre o que quiser que eu, pelo menos para já, não lhe reconheço autoridade, nem curriculum, nem obra suficientes para me sentir alertada por muito que se dê ares de “reserva política e moral” do PSD e que já se sinta capaz de “alertar”. Já agora gostava de saber se não há, também no PSD, mais candidatos a “alertar” e porque é que só é dado espaço mediático a este "alerta".

Amanhecer 9

Hoje

16.12.08

Mário Soares e a Roleta Russa

Confesso que tenho pouca paciência para com Mário Soares. Creio que todos nós portugueses já lhe pagamos com complacência, indulgência e tolerância suficientes tudo o que lhe devemos pelo seu papel na consolidação da democracia em Portugal. Já há muito que o saldo não está a seu favor, mas a nosso, tal como o resultado da sua candidatura presidencial o demonstrou. Já ninguém lhe deve nada porque as contas já há muito que estão saldadas. Só ele parece não perceber isto. Lê-lo (aqui no DN de hoje) é muitas vezes penoso, mas quando escreve sobre economia é um verdadeiro atentado contra a integridade intelectual de qualquer um. Para além de utilizar uma linguagem de café que dispensávamos, mistura tudo: conceitos, ideias, demagogia, slogans, frases feitas esquerdizantes, e expressões tipo : “na roleta russa das economias de casino” num pot-pourri de lugares comuns.

Para Mário Soares, uma economia de mercado é uma economia de casino e as desvalorizações bolsistas são roletas russas. O que choca nesta frase, para além da ignorância, é insinuação de negócio ilícito, escuro, lucros chorudos para uma máfia ilícita e a exploração de pobres inocentes. Nada mais errado. Nos países ocidentais, pelo menos, o negócio de Casinos, apesar de lucrativo (senão ninguém o quereria fazer) é extremamente regulado, taxado e cheio de contrapartidas e é por isso uma mau exemplo de economia de mercado que se quer mais fluída e menos regulada. Além de tudo o mais só vai ao casino quem quer: nenhum estado obriga os cidadãos a jogarem e a exporem-se. Não conheço, do ponto de vista estatístico, os padrões de incidências da roleta russa, acredito por isso que sejam algo diferentes dos padrões (estatísticos, também) de subida/descida dos índices bolsistas, mas uma coisa é certa, tanto há imprevisibilidade na roleta russa como num investimento bolsista ou dito de outra forma, tão previsível é uma bala que acabará por ser disparada, como um índice bolsista que acabará um dia por descer.

A visão de Mário Soares é a de um esquerdista que desconfia do mercado e que acha que as crises financeiras são complots dos ricos (os multimilionários que engordam) contra os pobres que acabam sempre por pagar a crise. Diferente é a visão de quem acredita no funcionamento do mercado, e que é a de que os mercados se ajustam e corrigem eles próprios os seus excessos. MS também não quer que “os Estados desviam(em) milhões, que vêm directamente dos bolsos dos contribuintes, para evitar as falências de bancos mal geridos ou que se meteram em escandalosas negociatas”, os que acreditam no funcionamento do mercado também não porque sabem que numa economia de mercado as instituições ou empresas que não são viáveis e eficientes acabam por desaparecer, processo importante para regenerar e limpar a própria economia. Se estamos de acordo na crítica ao desvio de fundos para os bancos, não o estamos pelas razões porque ele não deve ser feito, nem na forma como nos relacionamos com a crise e o mercado.

Estamos também de acordo, na importância pelo cumprimento da Lei numa democracia: se há quem viole a Lei por ter permitido transacções e investimentos ilícitos, por ter mentido aos accionistas ou enganado-os deliberadamente bem como aos clientes, deverá ser punido porque em democracia quem viola a Lei deve responder por isso. Simples.


Manuel Alegre diz-se num “processo”: “Isto é um processo, não quer dizer que, no futuro, não possa desembocar num partido, mas não é um partido o que está a ser feito. Nem um partido se faz assim. Estes processos são assim, são feitos de ambiguidades e de tensões, não posso dizer se vou fundar partido ou não. Isto é um processo, um caminho.” (Público Ed. Impressa de hoje) Não percebo nada do que é que Manuel Alegre quer, e calculo que como eu, a comunicação social tenha ficado perplexa com as suas intenções. Aguardemos, pois que o processo se processe, para vermos no que dá.

No CDS a contestação a Paulo Portas (com os seus 95% de votos no congresso) adensa-se com militantes a abandonar o partido pois questionam a falta de rumo deste bem como a sua liderança.

Quem nos últimos meses concentrou toda a atenção nos sempre tumultuoso PSD, pensaria que nos restantes partidos se respira um ar puro sem conspiração, parece afinal que o PSD não é detentor exclusivo da conspiração fratricida. Estes turbilhões à esquerda e à direita tão pessoais quanto políticos (se não mais ainda) dão oportunidade, por um ou dois dias, a Manuela Ferreira Leite de poder respirar à vontade: as luzes não estão voltadas para ela, e ninguém tomará a sua respiração por “gaffe”.

15.12.08

Hoje
(Clicar para aumentar)


Léxico Socrático 2

“Plano anti-crise”, expressão que ouviremos amiúde, vai servir de desculpa para esbanjar milhões a um ritmo bastante acelerado. Aliás os primeiros sinais do dinheiro deitado aos pardais já está aí, com Teixeira dos Santos, numa atitude algo patética, a dizer que é preciso pressionar os bancos para que o dinheiro das linhas de crédito chegue à economia real, isto é às empresas. Nada que não se tivesse previsto, convinha só esclarecer o que é que é isso de “pressionar os bancos” e como é que o ministro o propõe fazer. Quem é que vai pressionar? Ele aparentemente não consegue. O Banco de Portugal que até agora mostrou o péssimo supervisor que é? O Primeiro-ministro? As ONGs? O depositante? A polícia? O fisco? E como é que isso se faz? Com cartas intimidatórias? Manifestações de rua? Aplicação de sanções? Como? Eu não faço ideia e aposto que os bancos, neste caso, serão muito pouco pressionáveis. O dinheiro já está do lado deles. Talvez se descubra mais cedo do que prevíamos as virtudes do capitalismo e o quão inconveniente pode ser o braço longo do Estado.

14.12.08

Sherrie Levine (1947)
Large Check: 3

Dos Interditos

Leio, vejo e ouço na comunicação social que o Papa Bento XVI divulgou um documento com mais interdições. Claro que a mensagem subentendida era a de “mais interdições do Vaticano”, mais interditos, interditos sempre mais e mais. Leio os artigos (este, por exemplo) procuro alguma informação (aqui) e agora finalmente preto no branco o que se suspeitava mas ainda não se sabia ao certo: o pensamento oficial do Vaticano sobre a procriação medicamente assistida. Infelizmente, também eu digo: mais interditos em cima dos já conhecidos interditos, mais do mesmo e nada de novo. Voltamos à estaca zero. Ao que já era conhecido em matéria de contracepção e moral sexual agora reafirmam-se esses bem como se afirmam os novos interditos sobre a bioética e a procriação medicamente assistida.

Mantém-se assim a célebre dissonância entre o Vaticano e os crentes que, uns com indiferença e naturalidade, mas outros com coragem individual e contrariedade - coisas imperceptíveis e invisíveis neste mundo feito de dados adquiridos - tomam a pílula, usam o dispositivo intra-uterino, fazem bébés proveta, têm relações sexuais fora do casamento. Tudo um pouco longe desse mundo cor-de-rosa pensado pelo Vaticano onde supostamente se fazem os filhos como “fruto do acto conjugal específico do amor entre os esposos”, os filhos fazem-se como sempre se fizeram: fazendo-se. Aliás esta frase é o paradigma do deste desfasamento que teima em perpetuar-se no corpo da Igreja. É impossível evitar uma primeira e básica reacção: Meu Deus perdoai-lhes que presumivelmente “eles” (se houvesse mais “elas” talvez não se dissessem tantas imbecilidades, mas isso é outra conversa) não sabem do que falam.

Na sua ida aos Estados Unidos, onde vimos para escândalo de tantos Rudolph Giuliani, um reincidente divorciado recasado, comungar, o Papa criticou aquilo que ele considerou como uma moderna forma de catolicismo: o “pick and choose catholicism”, em que as pessoas ajustam a doutrina à medida das suas conveniências e das suas vidas e expectativas ignorando algumas directivas. O Papa Bento XVI tem alguma razão na sua crítica, mas não é com documentos destes e com a habitual posição do Vaticano sobre as questões da sexualidade e da bioética que se minimiza a distância entre os crentes e a sua Igreja. Não falo nem em facilitismos, nem relativismos, muito menos em porreirismos, lembro só que há mais correntes teológicas dentro do catolicismo do que aquela que representa o Papa, que a Igreja é diversa e livremente pensante e esta matéria, mesmo entre teólogos, quanto mais entre os leigos que enchem as igrejas ao domingo e os que não as enchendo dão no mundo o seu testemunho do Cristo vivo, está longe de ser consensual.

Mais do que julgamentos e interditos eu acredito na liberdade que a Ressurreição de Cristo nos dá e na Misericórdia Divina que, porque Deus se fez Homem e porque é isso que todos os anos nesta época o Natal se celebra, essa encarnação em que o Verbo se faz Homem, conhece a nossa condição humana, conhece a curiosidade que nos leva a querer saber mais e conhecer melhor o mundo na forma dos avanços científicos e tecnológicos, conhece a dúvida que nos faz vacilar, conhece a dor e a alegria. Acredito na Igreja (comunidade de crentes, e não só instituição), que melhor ou pior é presença no mundo e que se constrói tantas vezes apesar de interditos e mais interditos.

12.12.08

Entardecer 2

Hoje

Esta é uma boa notícia para a salubridade do espaço político do espaço dos media e das conversas privadas. Tanta negociação que não leva a lado nenhum, com ambas as partes a acreditarem terem a razão do seu lado (venha o diabo esclarecer-nos que coisa é essa da “razão”) tanta negociação já enjoava. Já enjoava vê-los antes e ouvi-los depois. Ver a ministra mostrar intenções dialogantes e os sindicatos intenções empertigadas num processo de argumentos se petrificados. A imagem que se gasta e que gasta a causa seja de que lado for, o que está realmente em causa para um lado e para o outro que se perde no embrenhado condicional que são as negociações. Creio que a “opinião pública” já se cansou, já se fartou. Este intervalo é bem vindo. Pelo menos para isso que sirva o estafado “espírito natalício”.


11.12.08

Amanhecer 8

Hoje

Esta é a altura do ano a que eu chamo época alta do nascer do sol. De Novembro a Janeiro (mais ou menos) é quando vejo o nascer do sol de formas espectaculares e esplendorosas. Esta é a altura do ano em que vários factores se conjugam: a luz é boa, é uma luz de inverno tantas vezes transparente e limpa. A hora em que o sol nasce é uma hora conveniente para mim, e o local em que nasce, não podia ser melhor. Por trás da ponte 25 de Abril, ou por trás do Cristo-Rei de Almada, o sol nasce do “outro” lado do rio de uma forma bem fácil de fotografar. Da mesma maneira que há uma época alta para as velas, outra para a luz no rio à tarde, ou outra época para o pôr-do-sol, o inverno é por excelência a época do nascer do sol.

10.12.08

Sherrie Levine (1947)
Large Check: 2

O Parque Temático

Ontem escrevi aqui sobre o facto de Victor Constâncio já ter sido ultrapassado pela realidade. Não é só ele que padece desse mal. Parece ser um mal geral que mina não só os governadores como os governantes bem como muitos presidentes de conselho de administração ou Accionistas principais. A realidade costuma ser diferente daquilo que são as expectativas sobretudo para quem só e sempre espera mais benefícios, mais lucros, mais votos. A vida raramente é só “mais”. Muitas vezes é “menos” e essa é a verdade crua e nua que tanto custa ver, sobretudo para quem vive em constante ilusão de que pode criar a realidade. Ver o governo a fazer um orçamento é ver o governo a esperar “mais” e não a perceber que este ano é “menos”. Manuela Ferreira Leite ontem foi explícita em relação à incapacidade do governo de ver e de ler os factos gerando por isso um orçamento de pouco rigor e irrealista.

José Sócrates crê criar a realidade em Portugal e trabalha na ilusão de que a cria, mas a sua é uma realidade feita como quem faz um parque temático. Entra-se num mundo de fantasia - que neste caso pouco diverte. Meia dúzia de cenários e recriações pensados para seduzir o cliente, palavras e discurso chamativos que entusiasmam e criam ilusões, máquinas cheias de efeitos especiais, outras de fazer vertigem, e no meio de toda a euforia criativa que se gera esquece-se o mundo lá fora. Sócrates governa esse parque temático chamado Portugal: tem TGV, tem Magalhães, tem Simplex, tem Aeroporto, tem Plataforma contra a Obesidade, tem novas Oportunidades, tem polícias e ASAE a trabalhar por objectivos, tem nacionalizações de bancos, tem museus Africa cont. e muito muito mais num mix completo de entretenimento com posters de Allgarve e de West Coast of Europe onde as prioridades políticas e a visão para o país são pouco percebidas e parecem reduzidas a um conjunto de funções e a vontade sequer de conceber uma política se esvai no espectáculo permanente. O problema acontece de cada vez que se sai desse parque temático e se experimenta o mundo real, na forma de manifestações, greves, críticas, a rara comunicação social indomável, o mal estar social, o consumo que desce, os números económicos cada vez mais pessimistas, a economia mundial a desacelerar, os mercados que teimam em não mostrar confiança (chatice!), as previsões económicas, o desemprego, o congresso do PCP. Este é o mundo os políticos teimam em não (re)conhecer pois é muito mais incómodo do que o mundo fantasia do parque temático onde tudo é melhor porque as taxas de juro descem. Como se o mundo fosse assim tão simples.

Sherrie Levine (1947)
Large Check: 1

9.12.08


A proposta de Guilherme Silva veio retirar qualquer credibilidade ás suas críticas quanto ao comportamento dos deputados e veio mostrar a esquizofrenia desvairada e sem nexo em que se vive hoje em Portugal. Se não há plenários nem à segunda nem à sexta para evitar faltas de deputados, porque não propor também que os médicos não operem às segundas e sextas dias reservados só para consultas ou trabalho administrativo, os professores não ensinem matéria nem às segundas nem às sextas, não vão os alunos faltar, que façam revisões e reuniões. Acho que é um bom princípio: para evitar faltas dá-se tolerância de ponto. Não sei em que mundo vive Guilherme Silva, não é no mesmo que o meu.


Victor Constâncio literalmente já não sabe de que terra é. É de Portugal, homem! Aquele país que tem tido ao longo dos anos o menor crescimento europeu, que se tem afastado cada vez mais da Europa, que por muito que digam não está protegido de nenhuma recessão. Victor Constâncio já foi ultrapassado pela realidade há muito, só que agora está à vista de todos, menos dele.
Adenda: Acabei de testemunhar através da televisão o quão consternado se mostrou o governador do Banco de Portugal por ser, contra a vontade dele, o governador de banco central mais bem pago do mundo. Patético. Poupem-nos por favor.



8.12.08

Dando Excessivamente sobre o Mar 40

Sir George Clausen (1852-1944)
Study of Sailing Boats on the Sea
.

Diamonds and Rust

DIAMONDS AND RUST

Well I'll be damned
Here comes your ghost again
But that's not unusual
It's just that the moon is full
And you happened to call
And here I sit
Hand on the telephone
Hearing a voice I'd known
A couple of light years ago
Heading straight for a fall

As I remember your eyes
Were bluer than robin's eggs
My poetry was lousy you said
Where are you calling from?
A booth in the midwest
Ten years ago
I bought you some cufflinks
You brought me something
We both know what memories can bring

They bring diamonds and rust
Well you burst on the scene
Already a legend
The unwashed phenomenon
The original vagabond
You strayed into my arms
And there you stayed
Temporarily lost at sea
The Madonna was yours for free
Yes the girl on the half-shell
Would keep you unharmed

Now I see you standing
With brown leaves falling around
And snow in your hair
Now you're smiling out the window
Of that crummy hotel
Over Washington Square
Our breath comes out white clouds
Mingles and hangs in the air
Speaking strictly for me

We both could have died then and there
Now you're telling me
You're not nostalgic
Then give me another word for it
You who are so good with words
And at keeping things vague
Because I need some of that vagueness now
It's all come back too clearly
Yes I loved you dearly
And if you're offering me diamonds and rust
I've already paid

Joan Baez (aqui)
.

7.12.08

The Enchantress of Florence


Akbar decided that this revolutionary temple would not be a permanent building. Argument itself – and no deity, however multilimbed or almighty – would here be the only god. But reason was a mortal divinity, a god that died, and even if it was subsequently reborn it inevitably died again. Ideas were like the tides of the sea or the phases of the moon, they came into being, rose and grew in their proper time, and them ebbed, darkened, and vanished when the great wheel turned. They were temporary dwellings, like tents, and a tent was their proper home.

Demorei mais tempo do que gostaria a ler o livro. Rushdie escreve bem como sempre, uma escrita texturada que enche o livro de frases belíssimas e imponentes. Este é mais outro romance rico e denso: pelas personagens, pelos ambientes, pelas histórias, pela história, pelas geografias, pelos mundos, pelas intrigas, pela linguagem, pelos simbolos, pelas evocações. O multiculturalismo em versão literária. No entanto e por vezes, o romance cansava-me, tal o turbilhão de nomes complicados, de locais impronunciáveis, de gentes, já não é a primeira vez que isso acontece (‘The Ground Beneath her Feet, por exemplo) de uma forma que não acontece com outros romances igualmente complexos e densos como “Midnight’s Children” e “Shalimar the Clown”, e chego à conclusão que o Salman Rushdie que mais me prende e agarra é o que é autobiográfico. Ele escreve sobre Cachemira e Bombaím - as suas memórias, mesmo que ficcionadas, dessas terras - de uma forma diferente da que escreve sobre todos os outros locais. As personagens que ele molda são também diferentes, mais doces e rudes e menos elaboradas e intelectuais nos romances mais autobiográficos. A intensidade é diferente, a poesia, o sentir, a delicadeza, a nobreza, a luta, o confronto, são diferentes; são menos intelectuais, menos retóricos. É como se escrevesse uns romances com a cabeça e os outros com a cabeça mas também com os sentidos, a nostalgia, a memória, como se saíssem de dentro dele e não apenas como se fossem construções. Para mim, este é mais um bom romance ao contrário dos outros que são excelentes romances.

5.12.08



Manuela Ferreira Leite fez bem em estranhar a ausência de 30 deputados do PSD das votações de hoje na Assembleia da República: colocou a pergunta e chamou quem de direito, responsabilizando os deputados ausentes pelo resultado das votações, mas não fez discursos, não posou para fotógrafos , não inventou um slogan nem uma frase esperta para colar aos ouvidos dos eleitores, não foi a um mercado falar com as vendedoras e fingir surpresa ao ver os jornalistas, não fez um vistoso directo para os noticiários das 8, mas o sinal que dá é inegavelmente forte, quer interna quer externamente.


Maria de Lurdes Rodrigues é cada vez mais um fantasma de si. Parece que tudo lhe correu mal, desde o momento zero, mesmo com uma vontade legítima à partida. Mas a realidade e o ano eleitoral que se avizinha é mais forte do que qualquer vontade de reforma. Ela já lá não está, e deveria sair: não se pode em dias consecutivos defender coisas opostas. Tira credibilidade, respeito a si, e é uma perda de honorabilidade.


Dias Loureiro parece estar cada vez mais cercado e ameaça arrastar consigo outros nomes sonantes do regime. Nada que nos admire, mas veremos até onde é que as investigações irão. Hoje a TVI lançou muitos nomes para cima da mesa de confusões que é o caso BPN. O Presidente da República deve estar desconfortável. Dias Loureiro deveria libertar o Presidente saindo do Conselho de Estado. É a coisa certa a fazer.



Amanhecer 7

Hoje, coisa de breves instantes.
(clicar para aumentar)

4.12.08

Tardes de Inverno 14

Lorenzo Lotto (1480-1556)
Venus and Cupid

Do Sexo

FNV diz aqui ter cumprido uma promessa na revista Ler deste mês; a de escrever sobre sexo sem guinchos nos currais, nem leite de mamas, e essas imagens pictóricas afins que parecem povoar a recente produção literária portuguesa, com a qual (excepção feita dos romances de Miguel Sousa Tavares) não estou familiarizada. Tomo, como é óbvio, por boas as suas palavras com que outros concordam. É um acto corajoso, pois põe a fasquia elevada, e espero que seja bem sucedido - ainda não vi a revista, muito menos a comprei e li. O meu alheamento da recente produção nacional de romances parece ter-me privado de momentos lúdicos que apelam de forma tentadora aos vários sentidos. Já não é mau quando pensamos nas cenas que nos são servidas nos filmes em geral, sobretudo produção americana, como cenas de sexo e que vemos com algum tédio de tal forma insistem nos mesmos estereótipos tornando-se de uma previsibilidade infinitamente superior à da mecânica de um Swatch o que deveria ser mais do mistério da Patek Phillipe. Ninguém parece incomodar-se com isso, não há manifestos a favor de uma melhoria das cenas de sexo, bem pelo contrário, o público parece estar satisfeito e quando se aumenta a exposição anatómica, aumenta-se a idade recomendada para ver o filme ou arrisca-se a uma classificação X. Essas são as variantes em jogo, as if... Quando se vê um filme com belas e realistas cenas de sexo como, por exemplo, Lust, Caution de Ang Lee, que comentei aqui, é com espanto que se constata que passou despercebido e não mereceu nenhum tipo de aplauso; porque era um bom filme que ousou filmar sexo sem medos e com outra coreografia, imprevisibilidade e ousadia que não a do esquema por demais usado e abusado. Conseguiu escapar a uma classificação X, mas pouco se falou dele. Nestes tempos actuais do politicamente correcto raramente vemos filmes como Body Heat ou Fatal Attraction. É pena que seja tão difícil ter a liberdade e equilíbrio necessárias quer à escrita quer à realização de cenas de sexo credíveis, mas que consigam, pelo menos, espelhar alguma da riqueza do eros.


3.12.08

Capitalismo

(Enviado por mail)

2.12.08

O Léxico Socrático

As palavras e expressões usadas pelo governo são sempre engenhosas, mas não sei que pensar do socialismo que, com elas, nos é servido. Oscilando entre as expressões “taxa Robin dos Bosques” para redistribuir a riqueza acumulada pelas petrolíferas e o “receio do efeito de contágio” que os leva a salvar bancos inviáveis, o BNP de má gestão e negócios obscuros e o pequeno BPP que serviu um reduzido nicho de mercado, nacionalizando-os o cidadão sente-se perdido. Uma coisa é certa: o outcome é sempre o mesmo: o Estado, e mais Estado e sempre Estado. Nunca se perde uma oportunidade de centralizar, controlar, deter poder, colocar pessoas, influenciar decisões, pactuar com os grandes grupos financeiros e económicos que viveram do centrão e com o centrão. Sempre mais do mesmo, por muito que as palavras mudem e as expressões nos surpreendam (ou não).

Era uma boa ideia fazer-se um léxico, para mais tarde recordar e perceber, destes anos de Socratismo. Não faltam palavras e expressões que nos dêem uma perspectiva destes tempos pragmáticos e ideologicamente abafados.

1.12.08

Entardecer

Hoje

A falsa novela Marcelo Rebelo de Sousa e Liderança do PSD já enjoa. Vi e ouvi o que ele disse há uma semana perante a enésima insistência da jornalista – como se nada de mais relevante houvesse para falar – sobre a sua possivel candidatura à liderança (cito de cor): um, não faz sentido e é contraproducente mudar a liderança antes de 2009 e das eleições; dois, depois disso, não quero, não penso nisso, não seria bom, não seria sinal de renovação a minha recandidatura; três, nunca mais digo nem que Cristo desça à terra. A coisa pareceu-me clara “não”, para mim é “não” e o não voltar a dizer nem que Cristo desça à terra parece-me bom senso, mas que não faz de um “não” um “sim”. Sempre pensei como seria estranho o mundo se eu olhasse para uma parede preta e alguém me afirmasse que ela era branca. Com esta novela de MRS sinto essa mesma sensação de estranheza e desconforto. De onde vêm os rumores se o homem disse “não” tantas vezes? Será que “não” é “sim”? Então que será o “sim”? E quem decide os “não” que são “sim”? Que coisa confusa se pode construir de coisas tão simples. No entanto ontem a jornalista – como se nada de mais relevante houvesse para falar – voltou a interrogá-lo sobre as suas intenções. Ele voltou a negar e isso até é notícia, coisa que me espanta ainda mais.


28.11.08

Ver os Filmes dos Livros 2


O filme “Brideshead Revisited”, só tem o mérito de ter sido uma aposta e ousadia, porque falha em tudo o resto. Afasta-se do espírito do romance (que a série televisiva mantém) se nos dar nada de novo, nem ousar quer a nível da interpretação nem a nível técnico e formal. O filme parece ter sido feito para estúpidos de tal forma é “explicadinho” e óbvio acabando com a neblina evocativa que paira no romance e na série. O que eram suposições, insinuações, tensões implícitas, teias de complexas relações algo imprecisas, mas fortes, ficou óbvio, explícito, e muito banal. O Catolicismo que funciona como a tela que suporta a pintura e sem a qual a pintura não existe e que tem uma presença real, tentacular e insidiosa, mas pouco precisa e óbvia, e sobretudo pouco folclórica, ocupa no filme uma posição explícita e folclórica que surpreende; tal como a cena da família a cantar o Salve Regina ou uma das derradeiras cenas, a da morte de Lord Marchmain e da excessiva dramatização do seu gesto final de reconciliação com a Igreja aceitando a confissão. Tudo no romance gira em torno do catolicismo tal como ela é nas classes altas em Inglaterra (diferente do catolicismo em Itália, como é demonstrado), e do seu peculiar “pathos”, mas nunca essa relação entre o catolicismo e as personagens é banal, corriqueira, folclórica ou confortável, burguesa e moderna.

As relações entre as pessoas nomeadamente entre Charles e os diferentes membros da família, bem como com Brideshead itself, são líquidas e sem contornos definidos no romance (e na série): não há casualidades explícitas. No filme essas relações são estandardizadas e simplificadas ao estilo telenovela em binómios, o primeiro do qual assenta no sistema de classes, e em modelos fáceis e explicados para consumo de massas. A homossexualidade de Sebastian, primeiro insinuada e só no fim percebida é convertida num patético manifesto gay, a ligação entre Charles e Julia aparece como contraponto da ligação entre ambos com Sebastian e não como uma fluída complementaridade, bem como a explicitude da relação entre Charles e lady Marchmain são exemplos dessa estandardização das relações perdendo-se a teia complexa e dinâmica em que todos estão ligados a todos. A própria Lady Marchmain (que nem Emma Thompson consegue salvar) é demasiado vulgar. Sebastian um autómato, Julia uma personagem oca, só Charles consegue ter um pouco de densidade, mas só se nunca nos lembrarmos do Charles interpretado por Jeremy Irons, coisa de difícil concretização.

No fim do filme, à laia de moral da história (coisa horrível) Julia pergunta a Charles o que é que ele afinal quer, e Charles acusa-se por ter querido ter tudo (ainda o binómio de classes). Não poderia discordar mais dessa visão reducionista e tão “actual”. A culpa dele não é a de ter querido tudo, se é que quis tudo, esse não é o centro da questão, nem ninguém naquele universo se preocuparia com tal mundaneidade. A culpa vem deles, vem de sempre, vem de serem como são, de não conseguirem ousar serem “felizes” (só Lord Marchmain o tentou), Charles ao ser mergulhado naquela família também não consegue escapar à culpa mesmo sem saber bem de onde vem: de trair Sebastian, de querer Julia? De não corresponder às expectativas de Lady Marchmain? A dúvida de uma culpa que não se percebe é que atormenta Charles.

O filme afasta-se demasiado do espírito do romance, simplificando-o e apatetando-o sem nos dar nada de novo, de ousado e interessante em troca: a realização é pastosa e cheia de clichés, o processo narrativo não é ousado e o flash-back é o esperado, os actores carecem de qualquer espessura, parecem bonecos postos num cenário que tenta ser grandioso, a fotografia que poderia ser boa é também banal. O filme deu-me uma vontade enorme de rever a série de tal forma foi uma posta perdedora.

27.11.08

Miguel Sousa Tavares no seu comentário semanal na TVI considerou os atentados em Mumbai mais como uma manifestações de extremismo religioso típico da Índia do que de um atentado terrorista e face do terrorismo extremista que hoje nos ameaça.

Confesso a minha perplexidade entre esse preciosismo de ser fruto de extremismos “locais” versus extremismos “globais”. Realmente isso é indiferente uma vez que o tom de ataques deste género afectando civis e inocentes indiscriminadamente foi dado pela Al Qaeda que foi essa organização que mudou a face do terrorismo. Depois é difícil estabelecer fronteiras nítidas entre as “intenções” ou “origens” deste tipo de terrorismo uma vez que a Al Qaeda é uma organização que funciona com células autónomas e descentralizadas que podem decidir autonomamente como agir.

Também confesso o meu espanto perante a sua preocupação pelas manifestações de extremismos religiosos na Índia uma vez que nunca o ouvi sobre os recentes ataques de Hindus às comunidades cristãs. Mas, claro, sobre isso nunca interessa falar.

Tardes de Inverno 13

Winslow Homer (1836-1910)
A Game of Croquet



Ver os Filmes dos Livros

Sempre achei que era extraordinariamente difícil comparar a leitura de romances com os filmes que se fazem baseados neles. São géneros com processos narrativos distintos e na mudança de registo, nomeadamente de livro para filme, há sempre algo que se perde, porque, por exemplo, ao dar um rosto a uma personagem há uma concretização daquilo que para cada leitor é uma ideia. Pode-se ganhar no joga da câmara, no ambiente que se escolhe, mas a perda inplícita é quase sempre vivida com alguma nostalgia do prazer tido, das evocações ou de outras sensações que, se esfumam nessa mudança. No entanto nunca li os livros que se fazem dos filmes, ou os livros que já se fazem a pensar nos filmes, (o que deve condicionar imenso a escrita que deverá ser pouco mais do que uma base simples para um script do que um romance, penso eu) por isso tenho dificuldade em falar desse sentido na mudança de registo.

Há casos interessantes de livros que dão filmes. Alguns criam sucesso próprio, outros não. Uns conseguem ser uma peça que vale só por si, outros não e nunca conseguem ganhar vida “própria” e mérito “próprio”. Não sei qual é o segredo, e se todos soubessem todos fariam belas peças de arte. Há duas situação: a primeira é a de tentar olhar para o filme como uma peça isolada sem muita comparação com o livro. Lembro-me de como gostei de ler “O Nome da Rosa” de Umberto Eco (um best-seller dos anos 80) e de como o filme me desiludiu, uma vez que não consegue transportar toda a riqueza do romance. Revi-o passado uns anos e tentei não o colar ao romance, tentei pensá-lo como um filme autónomo sem referência a nada e apercebi-me que não era assim tão mau. O segundo caso é o de de seguir à letra o romance o que leva muitas vezes a que se faça uma série e não um simples filme. Foi assim em “The Jewel in the Crown” uma belíssima série (1984) de uma tetralogia subestimada "Raj Quartet" de Paul Scott. Ambos romance(s) e série de altíssima qualidade. Foi assim com "The Lord of the Rings"de Tolkien também cujos filmes de Peter Jackson ganharamn Oscares.

Mas nos últimos anos temos assistido a um fenómeno interessante: fazer um filme de um romance que entretanto já deu origem a uma série de grande sucesso e qualidade. Tudo fica ainda mais complicado: há duas referências boas e aclamadas o terceiro desafio é, por isso, muito ousado e há que o ser na concretização do projecto mostrando-nos algo de novo. Assim aconteceu com o grande clássico “Pride and Predjudice” de Jane Austen cuja série de 1995 fez enorme sucesso e que posteriormente deu origem a um filme de 2005 de Joe Wright que, confesso, conseguiu surpreender. Não concordando com todas as suas opções e percebendo-o qui e ali longe do romance, reconheço que o filme vive por si, a produção tem qualidade e mérito, as opções funcionaram o ritmo prende e reconheço que foi uma aposta ganha. “Brideshead Revisited (The Sacred and Profane Memories of Captain Charles Ryder)” é outro exemplo, e ainda melhor, desta vontade arrojada de fazer sobre o que já existe e que é reconhecido como brilhante: um romance conhecido e valorizado de Evelyn Waugh que dá origem a uma das melhores séries televisivas de sempre (1981) de qualidade irrepreensível, fidelissima ao espírito do romance e aclamada unanimemente. Fazer um filme nestas condições é muito arrojo.

(continua)

26.11.08

Plataforma contra a Obesidade 47

Charles Sheeler (1883-1965)
American Interior

25.11.08

Ser ou não Ser Político

Via O Insurgente cheguei a esta entrevista de V. S. Naipul. É um dos melhores escritores actuais, porque escreve belissimamente, porque tem uma rara sensibilidade a tratar o que é ser membro desta raça que é a da humanidade, dos seus impulsos, medos forças e ambições, porque é um espírito livre, porque conhece o mundo, porque ousa ver o mundo e a realidade com um olhar diferente daquele olhar da habitual complacência que tanto abunda. Desde A Bend in the River onde expõe o pós–colonialismo africano e o seu mosaico de conflitos políticos, étnicos e corrupção, até Beyond Belief onde mostra a forte presença e crescimento do islamismo radical em meios e sociedades que gostaríamos e quereríamos insuspeitos, nada escapa a esta lucidez peculiar isenta de moralismos e falsas virtudes. Esta característica é sem dúvida politicamente incorrecta: este olhar sem culpa, sem justificar, sem explicar, sem tentar compreender,mostram uma liberdade incómoda e isso que já lhe valeu inúmeras críticas de alguns sectores políticos, a ele que confessa na entrevista não gostar de política. Depois de lermos as suas obras percebemos que a política, ele bebe-a na humanidade, na forma como, usando a imaginação que a ficção lhe permite, pensa nas coisas pequenas e vê uma imagem que, segundo ele cabe ao leitor analisar. O resultado é sempre, como não poderia deixar de ser, de uma actualidade desarmante.

23.11.08

Velas 13

Hoje


Igual a si Própria

Não me apetece fazer um quadro comparativo entre as várias personalidades e carácter dos nossos políticos, nem da forma como eles vivem o ser políticos, mas realmente não percebo que se espere, conte e coleccione as, presumíveis ou não, gaffes de Manuela Ferreira Leite como quem conta as gaffes de Pedro Santana Lopes ou quem conta as desaventuras (diploma, por exemplo) e horrores (“venda” de Magalhães na cimeira Ibero-Americana, por exemplo) do nosso actual primeiro-ministro. MFL é assim: um pouco rude, frontal, sem “jeito” para “a coisa”, séria, até sisuda e nunca pretendeu ser o que não era, nunca pretendeu parecer o que não é, nunca pretendeu mudar o seu “estilo” de fazer política, nunca tentou convencer ninguém que era diferente, nem tentou aprender e dominar técnicas de comunicação e marketing político. E depois as suas “gaffes” mais não são mais do que o reflexo destas características já tão conhecidas – ela não é propriamente uma novata em matéria de vida política. Elas não são propriamente passos em falso, numa já de si encenada falsidade em que tantos outros políticos se movem deslizando para nos fazer crer em algo que nunca é. As chamadas “gaffes” de MFL, de facto nunca o são, porque são manifestações de genuíno “sem jeito” e não pedaços do script que ficou por estudar, ou esqueletos que saem aos tombos dos armários que não ficaram convenientemente bem fechados (parece que nunca ficam). Por isso me parece estranho o interesse em contabilizar as vezes que MFL é igual a si própria. Goste-se ou não, e é tão legitimo gostar como não, pelo menos ela tem esse mérito já tão raro: ser igual a si própria.

Coisas que se podem fazer ao Domingo 31

Aristide Maillol. (1861-1944).
The River

Deixar-se levar pela corrente.
.

Sair de Cena 4

Não tinha previsto fazer tantos posts com este título, mas parece que os tempos recentes se revelam propícios a mudança de página, “paradigma” diriam uns. Muitos teimam em não o querer ver, mas o tempo que é sempre implacável encarregar-se-á de o demonstrar. Aguardemos pois. Até lá, Dias Loureiro foi à televisão. Parecia frágil e com uma postura levemente obrigada e penitente, enredado numa história que ninguém dá sinais de querer confirmar, o que só o debilita ainda mais. Já não veste facilmente a pele de Conselheiro de Estado e deveria poupar ao Presidente, que o escolheu e nomeou, o embaraço de ter um conselheiro fragilizado. Também ele deveria sair de cena e libertar o Presidente.

21.11.08

Dando Excessivamente sobre o Mar 39

Piet Mondrian (1872-1944)
View from the Dunes with Beach and Piers, Domburg.

A Espuma dos Dias que foram 16

Com um ar de quem explica as formas de pagamento numa reunião Tupperware diz “sexuality it’s about communication, not about great bodies, otherwise most of us wouldn’t be getting any, would we?” e depois com ar de quem recolhe os cheques que pagam os ditos tuppewares e se prepara para ir embora, lembra que um dia antes numa palestra para mais velhos, uma senhora velhota lhe deu “isto” e ela, agora já com um brilho quase nada irónico nos olhos, leu:

Today is Not a Good Day for Adultery

Today is not a day for adultery.
The sky is a wet blanket
Being shaken in anger. Thunder
Rumbles through the streets
Like malicious gossip.

Take my advice: braving
The storm will not impress your lover
When you turn up at the house
In an anorak. Wellingtons,
Even coloured, seldom arouse.

Your umbrella will leave a tell-tale
Puddle in the hall. Another stain
To be explained away. Stay in,
Keep your mucus to yourself.
Today is not a day for sin.

Best pick up the phone and cancel.
Postpone until the weather clears.
No point in getting soaked through.
At your age, a fuck’s not worth
The chance of catching ‘flu.

Roger McGough

A Espuma dos Dias que foram 15

(Clicar para aumentar)

Sair de Cena 3

A partir de ontem tudo será diferente pa Maria de Lurdes Rodrigues. Cedeu provavelmente às pressões eleitoralistas do Primeiro-ministro perante aquilo que se acredita ser a opinião pública (isto é os pais que querem boas notas e bons professores, mas duvido que queiram mais exigência) e, last but not least, perante os sindicatos. Tudo o que foi já era, e hoje já nada era como dantes. MLR já não está no seu cenário. Pode sair de cena sem esperar que tudo piore para ela: não a nível de contestação que vai continuar e issso já é irrelevante nesta abordagem (não o é politicamente, claro), mas a nível da sua credibilidade e da sua honra.

20.11.08


Pergunto-me o que será daqui a um ano e meio a avaliação de professores. Já não me pergunto por este modelo visto e revisitado “n” vezes, falo de avaliação como um conceito global. Será apenas um fumo, uma miragem? Uma intenção? Já terá sido transformado num gabinete que estuda o modelo e outro a estudar a sua implementação?

Também me pergunto como estarão os sindicatos? Continuam iguais a si próprios? E os professores? Continuarão todos a afirmar que querem ser avaliados, mas..., ou só que...?

A Espuma dos Dias que foram 14



(A mesma árvore fotografada com 4 dias de diferença)



Sair de Cena 2

Por vezes olho intrigada para uma determinada personagem do xadrez da actualidade e só consigo perguntar-me porquê: porque é que foi o que foi, porque é que é o que é. Tem sido recentemente o caso com o Governador do Banco de Portugal (BP) Victor Constâncio (VC), uma figura desconfortável. Nunca mostrou, desde a célebre auditoria às contas do país após os governos PSD e ao número de 6,... a que chegou para o deficit e tão diferente do que era então afirmado pelos ministros do anterior governo, uma verdadeira isenção e desprendimento político: a sua camisola do PS e o seu interesse foram sempre bem patentes no exercício do seu cargo. Portugal agora tem o Euro e as políticas monetária e cambial já não são atributos do BP, as suas atribuições e competências diminuíram drasticamente e libertaram (infere-se) recursos afectos a essas áreas, por isso esperava-se que o banco exercesse as suas funções de supervisão com redobrada competência e eficácia. Não foi o caso. A um enorme escândalo (BCP) segue-se outro de dimensões ainda por perceber (BPN); isto sem me referir às dificuldades e falhas de supervisão que a actual crise internacional veio detectar de forma generalizada nos diferentes países. Também não falo da polémica venda de ouro - concentro-me só nas evidentes e chocantes lacunas de supervisão do BP e creio que estas são suficientes para deixar qualquer pessoa num cargo de maior responsabilidade desconfortável, mas o que me espanta é que não deixa. VC continua com o mesmo ar apregoando que dorme descansado de noite e se nunca agiu de má-fé não tem razão para perder o sono, mas tem razão suficiente para repensar o seu cargo e a pertinência em o manter. A questão não é de má-fé, é simplesmente a de não cumprimento eficaz das suas funções; de incompetência, seja por desleixo, por preguiça, por inércia, ou por outro motivo qualquer.

O Banco de Portugal não fez o que deveria fazer, não esteve onde deveria ter estado, e alguém deve responder por isso. Ao constatar este facto percebe-se que uma época da história do BP acaba agora e uma nova era se abre. Constâncio pertence ao passado e ele já não é mais do que uma sombra: é isso que nós de fora vemos. Muitos pedem a sua demissão, e eu pergunto-me porque é que ele próprio não põe o seu cargo à disposição. Porque é que é sempre tão difícil perceber a mudança, perceber que o hoje já é outra coisa, porque é tão difícil sair de cena.

18.11.08

A Espuma dos Dias que foram 13

(Clicar para aumentar)

Os Alunos em Amarante

Ontem vi no Jornal da Noite da SIC a cobertura que a estação fez à manifestação de estudantes do Secundário ( e também do Básico?) em Amarante. Confesso que fiquei chocada com a dita manifestação e o tempo de antena que a televisão deu àqueles alunos que não pensaram um segundo sequer em alinhavar duas ou três ideias simples, mas credíveis e sensatas que justificassem aquele aparato e aquele tumulto. Se alguma dúvida tínhamos sobre o nível da escola em Portugal, aquela manifestação tirou-a. Aqueles alunos trogloditas cujos argumentos fariam corar de vergonha qualquer ser com um mínimo de exigência intelectual são mais um dos retratos de uma escola que hoje parece ter perdido o pé e a cabeça. Nada como ser “chico esperto” e aproveitar os tempos conturbados de tensão professores/governo e sair à rua para criar ainda mais agitação. Porquê não se sabe bem, mas o que conta é a confusão.

Alunos que reivindicam o direito a faltar às aulas porque são “jovens” e os jovens faltam e que reclamam porque têm aulas de substituição em vez de irem para o recreio, são um ex-libris da sociedade complacente em que estamos. Estes jovens sofrem de excessos e de abundância: tudo lhes é dado tudo lhes é devido. Na escola nas últimas décadas o ensino é organizado de modo a não traumatizar os meninos e as meninas, de modo a acomodar os ritmos de aprendizagem de cada aluno sem ferir eventuais “diferenças”, nem premiar a diferença pela positiva, a deixar desenvolver as suas competências à medida que passam os dias, meses e anos com programas escolares que pouco ensinam, a dar espaço à criatividade, a compreender as falhas, e a não exigir qualidade, a não valorizar as faltas. A infantilização completa é mostrada quando alunos que deveriam querer aproveitar tudo, cada aula, cada tempo para se prepararem para exames e para o mundo competitivo da entrada para as universidades ou para a chegada ao mercado de trabalho, se passeiam em grandes números e dizerem querer faltar porque “são jovens” e querer mais recreio num nível próprio dos primeiros anos do ensino básico. Não se vislumbra a ponta de responsabilidade, de maturidade, de querer atingir metas de ter objectivos. Nada, bem pelo contrário, a imagem que é dada é de que se pensa que a vida é um grande carrossel: cores vivas, música, muitos telemóveis e alguém que nunca se sabe, nem quer saber quem, sempre a dar à manivela, e isso é alarmante. Claro que não é só responsabilidade da escola, é a imagem de uma mentalidade de um Portugal no seu pior.

17.11.08

A Educação Vista ao Longe

(Clicar para aumentar)

Educação, Educação, Educação, Ministra, Ovos, Educação, Educação, Avaliações, Educação, Educação, Manifestações, foram estas as palavras ouvidas e que me trouxeram de volta à terra, no meu caso a Portugal dos portugueses, quando desembarquei de uma viagem de avião tão magnificamente extra-terrestre quanto possível. Sempre por cima de uma fabuloso e esponjoso manto de nuvens, só via o infinito em pôr-de-sol que se perde no tempo e se perpetua por duas horas: uma bola laranja ao longe num fundo de cor viva e num ar límpido como só o frio o sabe ser, que demorou a cair. Momentos pendurados no fio do tempo em que se esquece que lá em baixo é preciso (!) ter Ministérios de Educação, que se tem o Primeiro Ministro, que se atiram ovos a quem desagrada, que as avaliações são o que são e o que afinal já não vão ser. Ainda tenho que esfregar os olhos para ver se vejo melhor.


8.11.08

Dez dias

Velas 13



Chegada e Partida. Hoje

Amanhecer 6

Hoje

Avaliar 2

Sou uma grande defensora de avaliação recorrendo a entidades externas. Não só para professores, mas para alunos também. Aliás acho que se respiraria um ar muito mais puro e salutar se as avaliações de alunos e professores saíssem da alçada do Ministério da Educação. Só assim também se poderá garantir um mínimo de independência e isenção de interesses políticos de gabinete e de jeitinhos que se fazem para dar outros números às estatísticas. Muitos países adoptam este método com sucesso e eficácia. Manuela Ferreira Leite mostra coragem em apoiá-lo e em mostrar vontade de o ver implementado em Portugal, o que considero uma importante inovação (muito mais importante do que as inovações dos gadjets tecnológicos), mas gostaria sinceramente que esta ideia não passasse de palavras ocas num discurso de circunstância em dia de mais uma manifestação de professores. Seria bom que ao propor um projecto sério e concretizável de avaliação ela se demarcasse da vaga “anti-avaliação” que nunca explicitamente, mas certamente de forma implícita domina a classe dos professores. Esse é que é o desafio.

Dando Excessivamente sobre o Mar 38

Claude Monet (1840-1926)
Camille on the Beach at Trouville

7.11.08



Berlusconi é um político como já não se fazem. Não discrimina; por isso nunca mais mulher alguma se poderá queixar de ele a tratar como objecto. Ele trata assim qualquer um, como se pode ver aqui no Público on-line .A forma como descreveu Obama deve entrar nas antologias de frases célebres pelo mais puro instinto e oportunidade política revelada. Um momento raro (e também um momento único uma vez que só ele com eufemismo fashion, é certo, se atreveu a dizer que Obama é preto, em vez de se congratular, como todos, com o momento histórico que vivemos).
.

Os Romances e as Histórias

Terá António Lobo Antunes (ALA) dito recentemente que “os maus romances são os que contam uma história” (já não me lembro onde li isto, por isso não cito a fonte), tal pareceu-me uma afirmação extraordinária. Nunca dei demasiada importância a ALA, nem nunca me apeteceu ler nenhum dos seus romances (agora e finalmente sei porquê), mas por vezes fica a sensação de que ele faria e diria qualquer coisa só para chamar a atenção sobre si. Ora para isso já tínhamos José Saramago que, a pretexto de seja o que for passeia, acompanhado pela sua sombra, a sua importância pelas ruas e corredores desse mundo em que se move ou que, mesmo estando (sendo?) o mundo indiferente ao facto de ele pensar ou não, não se coíbe de opinar em tom de conferência de imprensa sobre a última polémica do momento. Não precisávamos de uma segunda Diva, clone (sem Nobel, e por isso mais amargo) da primeira.

Num primeiro momento até percebo ALA. Contar histórias todos contam: na rua, nos autocarros, em casa, no trabalho, em férias, no café a ver futebol, o que não falta por aí são pessoas que contem histórias. Também escrever qualquer um escreve, num blogue, nos jornais gratuitos, nos jornais pagos, nos semanários, nas revistas, e até tantos editam livros disto e daquilo; os mais ousados até contam histórias escrevendo-as, e publicam contos ou romances e dizem-se escritores. ALA tem implicitamente razão: melhor ou pior hoje somos todos escritores e contadores de histórias, e ele quer-se demarcar dessa massa informe de talentos que desponta como cogumelos na floresta. Ele que sua cada frase escrita, ele que sofre, ele que se atormenta por cada livro editado não só dá por mal empregue o seu esforço para no fim “só” contar uma história, como convive mal com a rapidez e a facilidade dos talentos romancistas de hoje. Tem razão: publica-se demais e a qualidade não é proporcional à quantidade, mas talvez também não tenha que ser, pois parece legítima a vontade de ler apenas uma história tanto quanto é não a querer ler. A sua (de ALA) razão fica aqui e só aqui pois o desejo de ler ou ouvir uma história é algo de muito primitivo ao ser humano, que o digam os antropólogos, e algo que atravessa todas as sociedades e civilizações. Nesse aspecto sinto-me muito primitiva, adoro uma boa história, e se for bem escrita então... É nas boas histórias que se contam que se conta a Vida, às vezes mais e melhor do em tratados de Filosofia ou Psicologia, e como a Literatura se faz também, a escrever e contar histórias, é, no entanto, muito mais do que a história que se conta; “Guerra e Paz”, por exemplo, não é só uma história que se conta, transborda essa história redobrando assim o prazer de quem lê o romance. É pena que nesta afirmação de ALA se leia tanta sobranceria, desconforto, inverdade, rancor e... até parece ignorância, ou não fosse toda a História da Literatura da nossa civilização ocidental, e tantas das sua obras-primas, construída em cima de histórias contadas. A História se encarregará de colocar no devido lugar tantos e tantos romances “experimentalistas” das últimas décadas escritos sem histórias”. O Tempo julgará.

4.11.08

In Bruges


Não sei bem porquê, talvez seguindo um qualquer cheiro, vi-me sentada numa sala de cinema em frente a In Bruges. Não conhecia o realizador, Martin McDonagh, não sou fã de Colin Farrell (antes pelo contrário), não me lembrava de Brendon Gleeson e Ralph Fiennes não é motivo suficiente para me fazer ver um filme. Nunca tinha lido nada sobre o filme nem visto referência nenhuma. Aliás, dez segundos antes de decidir vê-lo nem sabia que existia. Mas vi e saí agradavelmente surpreendida desta história insólita e estranhissimamente divertida, num lugar tão inesperado quanto insólito mas muitíssimo bem explorado. Num filme em que o ritmo é um andante, a cidade de Bruges (ou melhor, de “fucking Bruges”) funciona como um cenário magnífico, explorando o seu lado turístico e histórico que permite que ela tome conta de grandes planos visuais de efeito dramático - às vezes até pensei em Peter Greenaway - e serve como uma luva a cada pedacinho deste enredo em que o humor negro se mistura com algum fatalismo, muito pragmatismo, e também uma boa medida de contemplação (Ken deslumbrado perante as maravilhas de Bruges), nervosismo (o iniciado Ray cujo primeiro trabalho corre mal) os pudores morais que levam ao desfecho final. O humor é negro mas bem afinado, os diálogos são bons e as interpretações são de excelente nível destacando, por uma vez, Colin Farrell. Enquanto espectadores nunca estamos inteiramente confortáveis, mas não é isso que esperamos de um bom filme?

Arquivo do blogue

Acerca de mim

temposevontades(at)gmail.com