“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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13.12.09

A Queda do Muro de Berlim e os Anos 80 (uma visão) 3

O entusiasmo consumista foi contaminando o mundo. O glamour era a palavra de ordem, e todos queriam marcas: vestir marcas, calçar marcas, usar marcas e logótipos bem visíveis. Esta corrida aos produtos de luxo conhece um crescimento sem precedentes no Japão, pois os japoneses que têm muito dinheiro revelam-se fervorosos consumistas de produtos de luxo. Note-se que o Japão se torna, nos anos 80, numa importante potência económica impondo os seus produtos (carros, electrónica), atordoando os produtores tradicionais do mundo ocidental, e Tóquio é uma das maiores praças financeira do mundo. A cultura empresarial do Japão fascina o ocidente, nomeadamente a América. Mas o Extremo Oriente não é só japonês, todo ele fervilha e os seus mercados financeiros têm um peso cada vez maior no panorama mundial.

A China, esse pais fechado e comunista dá, com facilidade, os primeiros passos capitalistas começando a criar uma economia de mercado com a liberalização do comércio e a promoção da iniciativa individual. No entanto essa abertura económica não se fez acompanhar de abertura e liberdade política. Enquanto o império Soviético estremecia acabando por ruir com a Queda do Muro de Berlim, Pequim manteve-se inexorável no controle das liberdades individuais. O Massacre de Tiananmen foi o momento dramático em que os chineses percebem que nada mudou no tocante às liberdades individuais.

Também Singapura se torna num importante centro financeiro e económico do mundo e a Malásia, por exemplo, conhece grande crescimento económico. No entanto nenhuma cidade tinha “glitter” como a Hong-Kong cheia de neons dos anos 80. Tive a sorte, porque vivi num curto período de tempo em Macau, de conhecer bem Hong-Kong que conheceu um ambiente e energia únicos (visitei a cidade posteriormente no final da década de 90 já sob a administração chinesa e, apesar de próspera, o ar que se respirava era totalmente diferente). Na minha memória Hong-Kong é a cidade que melhor simboliza os anos 80, pela sua “vibração”, entusiasmo, prosperidade económica, gosto de viver, uma esperança apressada que acreditava que o futuro iria passar por lá melhor e mais depressa do que no resto do mundo. Tudo parecia possível naquela cidade que acreditava estar no centro do mundo.

Claro que nada dura sempre e em finais de 1987, Black Monday foi uma chamada à realidade, não só de Hong-Kong e do Extremo Oriente próspero, nomeadamente dos EUA, país que inventou os Yuppies. A embriaguez provocada pelo crescimento económico e por tantas fortunas que vimos fazerem-se dá lugar à ressaca no mundo financeiro.

No entanto a década não acaba com a crise financeira, no final do ano de 1989 a Queda do Muro de Berlim trás entusiasmo e um sopro de esperança com o fim do mapa político que a Guerra Fria desenhou e abrindo um novo capítulo geo-político. Nessa altura cantava (mal) isto e dançava ao som o disto e disto.

(Ver pequena adenda "musical" no post A Queda do Muro de Berlim e os Anos 80 (uma visão) 2.)
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6.12.09

A Queda do Muro de Berlim e os Anos 80 (uma visão) 2

Lembro no chamado mundo do "ocidente" duas personalidades fortes de “direita” que dividiam as atenções: Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Nenhum dos países que governaram ficou na mesma, e com Ronald Reagan o mundo ficou diferente: levou a guerra fria a um outro nível com o seu programa ambicioso e ambíguo (ofensivo disfarçado de defensivo) Star Wars cuja intenção era desestabilizar o equilíbrio de forças – bélicas - entre o mundo ocidental e o leste – note-se que estes conceitos "ocidente" e "leste" na altura não tinham o carácter global que hoje têm: o mundo era “mais pequeno”, e o “leste” não era mais do que a União Soviética e os países, europeus ou não, sob influência soviética. Este programa foi amplamente contestado pela “esquerda” e liberais bem pensantes da época que sempre se recusaram e ver em Ronald Reagan algo mais do que um actor de talento duvidoso de filmes série B, que o viam incompetente para liderar o mais poderoso país do mundo e que este desequilíbrio pretendido resultaria numa escalada de agressão a nível mundial. Creio que a História não lhes dará razão, apesar de na altura, e do alto da minha omnisciência, eu também achar que Ronald Reagan era “básico” demais.

Margaret Thatcher reformou e/ou privatizou uma boa parte das instituições do Reino Unido (NHS, e BT por exemplo) para escândalo de muitos tradicionalistas (nomeadamente dentro do seu partido) mudando e modernizando o país. Ninguém gostava dela, mas tal como Reagan, sabia ganhar eleições. Lembro bem, porque vivia então em Inglaterra, de como ganhou um duro, longo e penoso braço de ferro com os sindicatos, nomeadamente o sindicato dos mineiros que, liderado pelo então célebre Arthur Scargill, fez uma das mais difíceis greves da história do Reino Unido com grande sofrimento de muitas famílias de mineiros. Essa vitória ajudou ao enfraquecimento do poder dos sindicatos no Reino Unido, nomeadamente enfraquecendo a sua, então grande, influência no Partido Trabalhista. No plano internacional Mrs Thatcher ficou conhecida pela sempre enfatizada “empatia” pessoal com Gorbatchev, o homem que sentiu a decadência de um regime, que se mostrou, e que pôs as palavras perestroika e glasnost na nossa boca.

Uma outra greve ficou célebre nos anos 80: a greve nos estaleiros de Gdansk na Polónia com dois protagonistas Lech Walesa e o sindicato Solidariedade. Esta luta pelos direitos e liberdades numa Polónia asfixiada contou com o apoio de um outro polaco, Karol Wojtyla, que em 1978 ascendeu ao lugar de S. Pedro e se tornandou o Papa João Paulo II. A Polónia e os polacos que no fim da década atravessam fronteiras para chegar ao "ocidente" foram uma das faces visíveis do desmoronar da influência soviética e da caducidade e inviabilidade do projecto “comunista” que culmina na simbólica destruição do Muro de Berlim e no desfazer de fronteiras.

Adenda: Nessa altura "Top Gun" fazia êxito (quem não viu o filme que atire a primeira pedra) e canções como esta ou esta estavam no top do Reino Unido.

(Continua)
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26.11.09

A Queda do Muro de Berlim e os Anos 80 (uma visão)

A propósito da comemoração dos vinte anos da Queda do Muro de Berlim, relembrei a década de oitenta, agora que a distância o permite fazer melhor, e imagens sucederam-se com aquela boldness e brilho tão típicos desses anos. A Queda do Muro de Berlim foi o mais entusiasmante, eufórico e simbólico momento político que vivi. Nesse período, em que vivia fora de Portugal, a sensação de “não retorno” era de tal forma poderosa que sabíamos que o mundo, tal como o conhecíamos, tinha acabado, abrindo o caminho para um outro, aquele que hoje conhecemos. Se a década de setenta passou por mim, a década de oitenta foi já vivida e com a intensidade própria de quem agora tem “uma vida” para viver.

A primeira imagem que me surge quando penso nos anos 80 é a de cor, muita cor. Os anos 80 foram coloridos. Para nós em Portugal esse “colorir” tem ainda mais significado pois coincide com a abertura do mercado nacional a produtos e lojas estrangeiras e com o nível de vida dos portugueses a melhorar de forma visível. Um dos exemplos desse “colorir” foi a chegada das lojas Benetton às nossas cidades e das suas camisolas a inundarem as nossas ruas. Até então elas só enfeitavam as cidades estrangeiras que visitávamos, tanto que ter uma camisolas Benetton era (quase um objectivo de viajem) um sinal de modernidade e de cosmopolitismo. A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, foi um passo decisivo na abertura do país à Europa, ao mundo, e claro ao consumismo. Outra face dessa “cor” foi o despontar dos "shoppings" e do universo dos hipermercados (a abertura do primeiro Continente foi em 1985). A escolha, a abundância e o consumismo são agora realidades e depressa se tornam hábitos, num país que viveu a aforrar e fechado sobre si durante décadas. Tudo isto acontece ao som de Rui Veloso que revoluciona a música portuguesa, trazendo à ribalta novos talentos que aprendemos a não ter vergonha de gostar.

Portugal na CEE era um desejo nacional, um objectivo político que ao realizar-se a 1 de Janeiro de 1986 se torna motivo de orgulho de todos os portugueses que, finalmente, passam a ter a sensação de que Portugal afinal conta. Cavaco Silva é eleito Primeiro-ministro e o país transforma-se de forma nunca vista.
(Continua)
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