“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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13.12.09

A Queda do Muro de Berlim e os Anos 80 (uma visão) 3

O entusiasmo consumista foi contaminando o mundo. O glamour era a palavra de ordem, e todos queriam marcas: vestir marcas, calçar marcas, usar marcas e logótipos bem visíveis. Esta corrida aos produtos de luxo conhece um crescimento sem precedentes no Japão, pois os japoneses que têm muito dinheiro revelam-se fervorosos consumistas de produtos de luxo. Note-se que o Japão se torna, nos anos 80, numa importante potência económica impondo os seus produtos (carros, electrónica), atordoando os produtores tradicionais do mundo ocidental, e Tóquio é uma das maiores praças financeira do mundo. A cultura empresarial do Japão fascina o ocidente, nomeadamente a América. Mas o Extremo Oriente não é só japonês, todo ele fervilha e os seus mercados financeiros têm um peso cada vez maior no panorama mundial.

A China, esse pais fechado e comunista dá, com facilidade, os primeiros passos capitalistas começando a criar uma economia de mercado com a liberalização do comércio e a promoção da iniciativa individual. No entanto essa abertura económica não se fez acompanhar de abertura e liberdade política. Enquanto o império Soviético estremecia acabando por ruir com a Queda do Muro de Berlim, Pequim manteve-se inexorável no controle das liberdades individuais. O Massacre de Tiananmen foi o momento dramático em que os chineses percebem que nada mudou no tocante às liberdades individuais.

Também Singapura se torna num importante centro financeiro e económico do mundo e a Malásia, por exemplo, conhece grande crescimento económico. No entanto nenhuma cidade tinha “glitter” como a Hong-Kong cheia de neons dos anos 80. Tive a sorte, porque vivi num curto período de tempo em Macau, de conhecer bem Hong-Kong que conheceu um ambiente e energia únicos (visitei a cidade posteriormente no final da década de 90 já sob a administração chinesa e, apesar de próspera, o ar que se respirava era totalmente diferente). Na minha memória Hong-Kong é a cidade que melhor simboliza os anos 80, pela sua “vibração”, entusiasmo, prosperidade económica, gosto de viver, uma esperança apressada que acreditava que o futuro iria passar por lá melhor e mais depressa do que no resto do mundo. Tudo parecia possível naquela cidade que acreditava estar no centro do mundo.

Claro que nada dura sempre e em finais de 1987, Black Monday foi uma chamada à realidade, não só de Hong-Kong e do Extremo Oriente próspero, nomeadamente dos EUA, país que inventou os Yuppies. A embriaguez provocada pelo crescimento económico e por tantas fortunas que vimos fazerem-se dá lugar à ressaca no mundo financeiro.

No entanto a década não acaba com a crise financeira, no final do ano de 1989 a Queda do Muro de Berlim trás entusiasmo e um sopro de esperança com o fim do mapa político que a Guerra Fria desenhou e abrindo um novo capítulo geo-político. Nessa altura cantava (mal) isto e dançava ao som o disto e disto.

(Ver pequena adenda "musical" no post A Queda do Muro de Berlim e os Anos 80 (uma visão) 2.)
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6.12.09

A Queda do Muro de Berlim e os Anos 80 (uma visão) 2

Lembro no chamado mundo do "ocidente" duas personalidades fortes de “direita” que dividiam as atenções: Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Nenhum dos países que governaram ficou na mesma, e com Ronald Reagan o mundo ficou diferente: levou a guerra fria a um outro nível com o seu programa ambicioso e ambíguo (ofensivo disfarçado de defensivo) Star Wars cuja intenção era desestabilizar o equilíbrio de forças – bélicas - entre o mundo ocidental e o leste – note-se que estes conceitos "ocidente" e "leste" na altura não tinham o carácter global que hoje têm: o mundo era “mais pequeno”, e o “leste” não era mais do que a União Soviética e os países, europeus ou não, sob influência soviética. Este programa foi amplamente contestado pela “esquerda” e liberais bem pensantes da época que sempre se recusaram e ver em Ronald Reagan algo mais do que um actor de talento duvidoso de filmes série B, que o viam incompetente para liderar o mais poderoso país do mundo e que este desequilíbrio pretendido resultaria numa escalada de agressão a nível mundial. Creio que a História não lhes dará razão, apesar de na altura, e do alto da minha omnisciência, eu também achar que Ronald Reagan era “básico” demais.

Margaret Thatcher reformou e/ou privatizou uma boa parte das instituições do Reino Unido (NHS, e BT por exemplo) para escândalo de muitos tradicionalistas (nomeadamente dentro do seu partido) mudando e modernizando o país. Ninguém gostava dela, mas tal como Reagan, sabia ganhar eleições. Lembro bem, porque vivia então em Inglaterra, de como ganhou um duro, longo e penoso braço de ferro com os sindicatos, nomeadamente o sindicato dos mineiros que, liderado pelo então célebre Arthur Scargill, fez uma das mais difíceis greves da história do Reino Unido com grande sofrimento de muitas famílias de mineiros. Essa vitória ajudou ao enfraquecimento do poder dos sindicatos no Reino Unido, nomeadamente enfraquecendo a sua, então grande, influência no Partido Trabalhista. No plano internacional Mrs Thatcher ficou conhecida pela sempre enfatizada “empatia” pessoal com Gorbatchev, o homem que sentiu a decadência de um regime, que se mostrou, e que pôs as palavras perestroika e glasnost na nossa boca.

Uma outra greve ficou célebre nos anos 80: a greve nos estaleiros de Gdansk na Polónia com dois protagonistas Lech Walesa e o sindicato Solidariedade. Esta luta pelos direitos e liberdades numa Polónia asfixiada contou com o apoio de um outro polaco, Karol Wojtyla, que em 1978 ascendeu ao lugar de S. Pedro e se tornandou o Papa João Paulo II. A Polónia e os polacos que no fim da década atravessam fronteiras para chegar ao "ocidente" foram uma das faces visíveis do desmoronar da influência soviética e da caducidade e inviabilidade do projecto “comunista” que culmina na simbólica destruição do Muro de Berlim e no desfazer de fronteiras.

Adenda: Nessa altura "Top Gun" fazia êxito (quem não viu o filme que atire a primeira pedra) e canções como esta ou esta estavam no top do Reino Unido.

(Continua)
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26.11.09

A Queda do Muro de Berlim e os Anos 80 (uma visão)

A propósito da comemoração dos vinte anos da Queda do Muro de Berlim, relembrei a década de oitenta, agora que a distância o permite fazer melhor, e imagens sucederam-se com aquela boldness e brilho tão típicos desses anos. A Queda do Muro de Berlim foi o mais entusiasmante, eufórico e simbólico momento político que vivi. Nesse período, em que vivia fora de Portugal, a sensação de “não retorno” era de tal forma poderosa que sabíamos que o mundo, tal como o conhecíamos, tinha acabado, abrindo o caminho para um outro, aquele que hoje conhecemos. Se a década de setenta passou por mim, a década de oitenta foi já vivida e com a intensidade própria de quem agora tem “uma vida” para viver.

A primeira imagem que me surge quando penso nos anos 80 é a de cor, muita cor. Os anos 80 foram coloridos. Para nós em Portugal esse “colorir” tem ainda mais significado pois coincide com a abertura do mercado nacional a produtos e lojas estrangeiras e com o nível de vida dos portugueses a melhorar de forma visível. Um dos exemplos desse “colorir” foi a chegada das lojas Benetton às nossas cidades e das suas camisolas a inundarem as nossas ruas. Até então elas só enfeitavam as cidades estrangeiras que visitávamos, tanto que ter uma camisolas Benetton era (quase um objectivo de viajem) um sinal de modernidade e de cosmopolitismo. A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, foi um passo decisivo na abertura do país à Europa, ao mundo, e claro ao consumismo. Outra face dessa “cor” foi o despontar dos "shoppings" e do universo dos hipermercados (a abertura do primeiro Continente foi em 1985). A escolha, a abundância e o consumismo são agora realidades e depressa se tornam hábitos, num país que viveu a aforrar e fechado sobre si durante décadas. Tudo isto acontece ao som de Rui Veloso que revoluciona a música portuguesa, trazendo à ribalta novos talentos que aprendemos a não ter vergonha de gostar.

Portugal na CEE era um desejo nacional, um objectivo político que ao realizar-se a 1 de Janeiro de 1986 se torna motivo de orgulho de todos os portugueses que, finalmente, passam a ter a sensação de que Portugal afinal conta. Cavaco Silva é eleito Primeiro-ministro e o país transforma-se de forma nunca vista.
(Continua)
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3.3.09

Cafriela

Esperámos um pouco cá em baixo no grande salão da entrada cuja dignidade se adivinhava – quantas sessões de cumprimentos não teriam já lá acontecido - entre cadeiras, cadeirões e sofás, uns bons e antigos outros que mais pareciam ter vindo de um barato armazém de mobília, misturados e empilhados sem nexo aparente junto às paredes. Estava muito quente lá fora e a sombra e o fresco do rés-do chão eram bem-vindos. Quando nos pediram para subir fomos directamente para a grande varanda que dava para a praça e de onde partilhámos de novo o calor e o pulsar enigmático da cidade das mangueiras. Os empregados põem toalhas de quadrados de todos os dias nas mesas de plástico tipo AKI, juntam algumas cadeiras que mais parecia estarem lá por acaso e começam a servir os aperitivos: bebidas geladas, croquetes e rissóis acabados de fritar. Entre uma coisa e outra observa-se a noite e cumprimentam-se os convidados que continuam a chegar. Algumas senhoras com vestidos berrantes e típicos, turbantes na cabeça e muito ouro. O aniversariante, alto, imponente e de túnica branca, foi o último a chegar animando o ambiente.

Os salões de pé-direito alto e de tectos trabalhados perderam a grandeza de outros tempos, algumas janelas já sem cortinados têm as sanefas caídas e os cortinados de veludo ainda pendurados, hirtos, tristes e sem sinal de movimento parecem estar esquecidos na mesma posição há décadas. Há algum estuque estragado, pintura esfolada, portas empenadas. A boa disposição e alegria da festa destoa com o ar decadente e desleixado do salão principal. Passámos à mesa numa sala de jantar perto dos salões: uma grande mesa de toalha branca cheia de travessas de comida com ar caseiro e saboroso, e o vai-vem entre a sala e a copa dava o tom da informalidade que imperava. Os aparadores grandes e altos, de boas madeiras e antigos tinham restos do que adivinhei serem bonitos serviços de copos de cristal e restos de boa porcelana misturados com picadoras 1,2,3, latas de comida de bébés, guardanapos de papel e tuperwares. O ambiente era descontraído e simpático com o anfitrião e aniversariante de boa disposição a querer que todos estivessem bem. No fim de uma longa refeição cantaram-se os parabéns, brindou-se com champagne e trocaram-se discursos sempre com as portas da varanda abertas a deixar a noite, o seu calor, os seus sons, e o seu cheiro e mistérios entrar. O serão não tardou muito a terminar. Dessa refeição lembro um frango “cafriela” servido com um cuscuz manteiga de um grão pouco fino: absolutamente delicioso. Nunca mais comi nem um frango nem um cuscuz como aquele apesar de simpaticamente me terem dito o nome do prato e explicado como se preparava.
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13.2.09

Cinco Mil Euros

José Sócrates considera-se rico com 5 mil euros, e eu acho que ele é um homem de sorte e fico feliz por ele. Como cada um tem o direito de fazer ao dinheiro o que bem lhe apetece, não me cabe perguntar-lhe como é que faz para ser assim tão rico. É que eu pensei nas muitas famílias portuguesas com esse rendimento mensal que, apesar de terem uma vida própria da classe média, estão longe de se considerarem ricas. Repito que falamos de classe média (ou média alta, se preferirem), que vive num apartamento na cidade, que tem dois filhos, dois carros , usa o sistema de saúde privado e escolas privadas, tem empregada doméstica, mas que leva uma vida “normal” de classe média. Deixo aqui um exemplo (há outras situações de casas que não se pagam porque os pais ofereceram, de pensões alimentares a pagar, de colégios para dois ou três, ou não, haveria outros exemplos mas escolhi este) de despesas possíveis para ver como se vive com 5 mil euros e quão rico se é:

Prestação da Casa (t3 em Lisboa/Porto,...) 800
Prestação carros (2) 400
Colégio (1 filho, o outro fica ainda com a avó) 500
Despesas da casa (luz, gás, água) 300
Telefones, telemóveis, TVs; internets 300
Alimentação 400
Almoços e restaurantes 350
Gasolina 150
Empregada Doméstica (tempo parcial ) 400
Seguros (saúde, vida, carros...) 200
Despesas saúde (médicos, farmácias) 100
Roupas e calçado crianças 100

Para este exemplo de despesas o total já são 4000 euros mensais. Sobram 1000 euros. Se me explicarem como é que mil euros dão para o fato Armani, os sapatos Prada, as férias seja lá onde forem, aquele sofá que tanto precisamos, a Bimby, o cabeleireiro, o ginásio, a roupa interior, os saldos da Zara, a carteira Vuitton, as calças de ganga, as férias de ski, já para não falar nos livros, DVD, nos concertos, no cinema, uns pneus do carro, na playstation, nos presentes para aniversários, etc, etc... ficaria muito satisfeita.
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2.1.09

2008

2008 revelou-se um ano muito igual ao que já eram os anteriores. Neste país, onde não existe uma verdadeira cultura democrática, nem um gosto individual pela democracia e liberdade, nem tão pouco uma rigorosa separação entre os diversos poderes que são os pilares da democracia e que permitem que se evitem excessos de autoritarismo ou mesmo de “ilusões”, continuamos a afundar-nos suavemente (se a crise o permitir, senão será fortemente) em caldinhos, paninhos quentes e palmadas nas costas (como o gesto supremo de virilidade de uma nação). Estes gestos têm por objectivo a salvaguarda dos interesses do “regime” por oposição à salvaguarda dos interesses nacionais e dos cidadãos. Portugal é um país pequeno, e como todas as comunidades pequenas há uma forte tendência para um pouco salutar “in-breathing” onde os interesses de alguns se sobrepõem aos interesses de outros, e de outros com outros, e por aí fora num círculo fechado acabando sempre nos mesmos. Salvaguardar os interesses de todos esses grupos com alguma dimensão passa a ser um desígnio nacional mais do que a salvaguarda da democracia e dos interesses dos cidadãos. Aliás os interesses dos cidadãos (e contribuintes), individualmente falando, raramente coincide com o interesse dos grandes grupos económicos e financeiros que se protegem uns aos outros com a bênção dos políticos, que também eles, de uma forma directa ou indirecta, acabam reféns voluntários desses interesses. Um verdadeiro “caldinho” feito de uma carga fiscal absurda num país como o nosso, que é, infelizmente, nada propício a rupturas, desafios, e ao desenvolvimento da liberdade de expressão não só na sua forma verbal e linguística, mas também na forma de investimento e criatividade económica geradora de postos de trabalho e de riqueza e essencial para o progresso e desenvolvimento do país.
(Continua)
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26.12.08


A DREN classifica de “brincadeira de mau gosto” o incidente em que alunos ameaçam a professora com uma arma de plástico e filmam o sucedido. Para além dos desajustes da leitura da realidade entre a DREN e o Conselho Executivo da escola, bem como o espanto da Direcção Regional pelo facto de o incidente ter chegado primeiro ao conhecimento da comunicação social do que da Direcção Regional, este é mais um incidente que demonstra o desnorte em termos de responsabilidade e de valores com a DREN a personalizá-lo impecavelmente. Tudo normal num mundo em que se glorifica quem atira sapatos ao Presidente Norte Americano numa conferência de imprensa no Iraque, ou em que se concorda com quem atira ovos e tomates a uma ministra. Não se pára um segundo para exercer algum tipo de actividade crítica sobre as intenções, sobre os meios e o mérito dos actos praticados. Discordar e saber escolher os suportes que exteriorizem essa discórdia, protestar sabendo argumentar o protesto, ou brincar e saber respeitar a integridade e dignidade do outro dá muito mais trabalho do que atirar sapatos, ovos e ameaçar com armas de plástico filmando. Para além disso um atirar de sapatos ou de ovos bem como ameaças com armas de plástico a professores dão uns óptimos vídeos que poderão eternizar esse grandiloquente momento no youtube. E, claro, dar oportunidades únicas à comunicação social que repetirá à exaustão os vídeos que farão a delícia de quem vê e correrão em horas o mundo nas páginas da internet...

17.12.08


“Passos Coelho alerta…”, lê-se aqui. Não é aquilo para que ele alerta que surpreende, é o facto de alertar. Passos Coelho já deixou de “parece-me que...”, “creio que”, “na minha opinião...” para uma posição de grande autoridade partidártia (e nacional porque lhe dão cobertura) “alertando”. Pois ele pode alertar quem quiser sobre o que quiser que eu, pelo menos para já, não lhe reconheço autoridade, nem curriculum, nem obra suficientes para me sentir alertada por muito que se dê ares de “reserva política e moral” do PSD e que já se sinta capaz de “alertar”. Já agora gostava de saber se não há, também no PSD, mais candidatos a “alertar” e porque é que só é dado espaço mediático a este "alerta".

18.11.08

Os Alunos em Amarante

Ontem vi no Jornal da Noite da SIC a cobertura que a estação fez à manifestação de estudantes do Secundário ( e também do Básico?) em Amarante. Confesso que fiquei chocada com a dita manifestação e o tempo de antena que a televisão deu àqueles alunos que não pensaram um segundo sequer em alinhavar duas ou três ideias simples, mas credíveis e sensatas que justificassem aquele aparato e aquele tumulto. Se alguma dúvida tínhamos sobre o nível da escola em Portugal, aquela manifestação tirou-a. Aqueles alunos trogloditas cujos argumentos fariam corar de vergonha qualquer ser com um mínimo de exigência intelectual são mais um dos retratos de uma escola que hoje parece ter perdido o pé e a cabeça. Nada como ser “chico esperto” e aproveitar os tempos conturbados de tensão professores/governo e sair à rua para criar ainda mais agitação. Porquê não se sabe bem, mas o que conta é a confusão.

Alunos que reivindicam o direito a faltar às aulas porque são “jovens” e os jovens faltam e que reclamam porque têm aulas de substituição em vez de irem para o recreio, são um ex-libris da sociedade complacente em que estamos. Estes jovens sofrem de excessos e de abundância: tudo lhes é dado tudo lhes é devido. Na escola nas últimas décadas o ensino é organizado de modo a não traumatizar os meninos e as meninas, de modo a acomodar os ritmos de aprendizagem de cada aluno sem ferir eventuais “diferenças”, nem premiar a diferença pela positiva, a deixar desenvolver as suas competências à medida que passam os dias, meses e anos com programas escolares que pouco ensinam, a dar espaço à criatividade, a compreender as falhas, e a não exigir qualidade, a não valorizar as faltas. A infantilização completa é mostrada quando alunos que deveriam querer aproveitar tudo, cada aula, cada tempo para se prepararem para exames e para o mundo competitivo da entrada para as universidades ou para a chegada ao mercado de trabalho, se passeiam em grandes números e dizerem querer faltar porque “são jovens” e querer mais recreio num nível próprio dos primeiros anos do ensino básico. Não se vislumbra a ponta de responsabilidade, de maturidade, de querer atingir metas de ter objectivos. Nada, bem pelo contrário, a imagem que é dada é de que se pensa que a vida é um grande carrossel: cores vivas, música, muitos telemóveis e alguém que nunca se sabe, nem quer saber quem, sempre a dar à manivela, e isso é alarmante. Claro que não é só responsabilidade da escola, é a imagem de uma mentalidade de um Portugal no seu pior.

3.10.08

Lixo Televisivo e Honra

Há alturas em que me sinto desfocada deste mundo. Pareço vinda de umas longas viagens que nos fazem demorar a reconhecer a casa onde moramos. Anda por aí, este “aí” num sentido verdadeiramente lato e indefinido, que tanto pode ser pelas ruas que percorremos, lugares em que pousamos, textos que lemos ou gentes cá da terra com quem falamos, uma certa indignação com um programa da televisão que passa na SIC e parece que se chama “Momento da Verdade”. Ao que parece perguntam coisas que, para sossego dos próximos e do mundo em geral, nunca se deveriam perguntar, e muito menos querer saber. Mas os concorrentes acham que não, e lá contam a vidinha toda, entre poses mais ou menos indignadas e ar compungido dos familiares, e vão respondendo a essas ditas perguntas para ganhar um prémio final. Pelo menos isto foi o que consegui detectar nos breves segundos que vi o dito programa, enquanto zapava. Breves segundos mesmo, porque tenho real incapacidade de ver estes programas, Big Brothers e afins. Irritam-me, incomodam-me questionam demasiado as minhas crenças sobre o género humano , fazem mal à alma e poluem, porque todo o lixo polui, incluindo o lixo televisivo.

Tenho, no entanto, seguido na RTP Memória uma série inglesa da LWT (a mesma que fez a Família Bellamy ou Upstairs Downstairs) passada na Ilha de Guernsey durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial. Nesta época de Dr. House, Perdidos, Donas de Casa Desesperadas, Anatomia de Grey ou Prison Break, é com curiosidade que revemos estas séries doutras épocas. Toda a narrativa é diferente, o ritmo, os enredos, as filmagens, a composição das personagens, os episódios parecem mais decalcados de uma sólida tradição teatral do que da vontade de exploração da televisão ou apostas em complicadas produções. Tudo prima pela sobriedade e ritmo adagio incluindo as paixões que movem as personagens, se é que adagio e paixão são conceitos compatíveis. Num complexo mundo em guerra, conseguem arrumar direitinho as pessoas por categorias: cavalheiros, oficiais, soldados, gente comum, políticos, militares de carreira, militares dos serviços secretos, espiões, etc. O mais interessante na série é ver estas divisões no lado alemão onde a tendência é serem catalogados na gaveta dos “maus”. Outra curiosidade é que o valor mais importante transmitido ao longo dos episódios é o da honra. Hoje em dia seria impensável fazer uma série em que o aspecto mais relevante fosse a honra, poderia ser a lealdade, a coragem, mas a honra está a cair em desuso e tanta gente já nem sabe o que isso é. Talvez se soubessem não fossem ao “Momento da Verdade”.

26.9.08

Caça às Bruxas



Se há algo que considero sinistro é qualquer espécie de caça às bruxas, sejam as bruxas quem forem: bruxas propriamente ditas, pessoas com deficiências que desequilibrem a “normalidade”, pessoas de outras etnias ou raças que tentem trazer o desconhecido para perto de nós, de outras opiniões, etc, etc. A discriminação é uma ideia, é algo do domínio da racionalidade (ou da falta dela) e parece algo que se discute, que se critica. Já a caça às bruxas, apesar dos pretextos sempre “justos” e explicáveis toma dimensões sobretudo viscerais. Caçaram-se ao longo dos tempos as seguintes bruxas: católicos, judeus, protestantes, mulheres de sensibilidade “diferente”, pretos, índios, comunistas, fascistas, colaboracionistas, muçulmanos e tantos mais... Hoje, a caça às bruxas é mais sofisticada, mais metonímica, por exemplo, tomando-se os produtos pelas pessoas, mas faz sempre apelo às vísceras.

Só assim se pode explicar uma capa como a de hoje do jornal Público: de um produto chinês, uma bebida de leite a fazer “la une”. Só assim se pode explicar que hoje de manhã na rádio a notícia sensação tenham sido os caramelos chineses nas lojas chineses que escapam ao controle da AESE, essa grande ameaça à saúde pública europeia. Alguém, no seu perfeito juízo acredita em tal coisa? Hoje os caramelos chineses, iogurtes e bebidas lácteas – eufemismo para “os chineses”, são alvo de caça às bruxas. Ich bin ein Chinesisch Karamell!

6.9.08

A Espuma dos Dias que foram 9

Continuação do post Espuma dos Dias que Foram 7, ainda uma breve colectânea de ideias, frases, cabeçalhos de jornais, declarações, comentários, ecos ouvidos e/ou com distracção e entre coisas dessas que se fazem em férias, mas que vão ficando à espera de serem organizadas à medida que a vida vai retomando as suas rotinas e os seus hábitos.

Sarah Palin foi Miss Alasca, mas parece saber falar o que aparentemente incomoda alguns.

Angola tem eleições mas não deixa que jornalistas portugueses ligados a certos grupos de imprensa possam lá ir e fazer a cobertura das ditas eleições.

A China deu por encerrada a maior e mais eficiente encenação de sempre: os melhores Jogos Olímpicos de sempre. Dizem.

Os silêncios de Manuela Ferreira Leite continuam a incomodar e passam a ser devidamente dissecados, analisados interpretados...

Luis Filipe Menezes comopara-se a um Ferrari para gaúdio e gozo de alguns comentadores.

Os fogos de verão, tal como as palavras de Manuela Ferreira Leite, foram os grandes ausentes este verão dos noticiários televisivos e dos seus emotivos e uteis directos.

Putin mexe-se com segurança felina e o à vontade de uma raposa enquanto os galos batem as asas e cacarejam na capoeira.

Paulo Pedroso e o cada vez mais estranho caso Casa Pia: onde se ganham causas sobretudo processuais, pois as investigações, ao que o tempo que passa indica, mais uma vez falharam (no alvo, no método, nos objectivos, eu sei lá) continuando a não encontrar os culpados que todos acreditam existirem - até ao dia em que são nomeados (isto é: pôr um nome, dar uma cara) suspeitos que no segundo a seguir invariavelmente são inocentes e vítimas de conspirações que ninguém sabe se existem - pois as vítimas essas, todos são unânimes em assegurar e lamentar, existem mesmo e que necessitam que se faça justiça.

5.9.08

A Espuma dos Dias que foram 7

As férias (conceito lato em que muitas vezes o que lá cabe não é mais do que uma deslocação física e uma vida desfocada que a ausência de horários e rotinas permite) são propícias a algum estupor nomeadamente no que diz respeito à preocupação com o que se “vai passando” pelo país e pelo mundo, embora se apanhem e permaneçam alguns ruídos, frases soltas, nomes, declarações, locais ou outro tipo de referências, quase sempre fora do contexto e à espera que o regresso à normalidade organize e ordene, se possível. Assim, acabada de chegar desse mundo desfocado, darei conta sem ordem nem organização, de algumas notícias e faits divers dispersos que soaram como quem ouve um eco longínquo e insistente. Palavras que permaneceram enquanto esperam contexto e ordem.

Manuel Pinho e Catherine Deneuve no Allgarve.

Marco Fortes, que de manhã gosta mesmo é de caminha, regressa mais cedo de Pequim.

O Presidente do Comité Olímpico Português, Vicente Moura, não se vai recandidatar, mas afinal uns dias depois e já com uma medalha de ouro para Portugal afirmou poder reconsiderar decisão e provavelmente recandidatar-se-á.

Mário Lino compensa o Oeste pela escolha de Alcochete.

Michael Phelps depois das oito medalhas de ouro também se deixa tentar pelo Allgarve e pela inevitabilidade de um encontro com Manuel Pinho.

Manuela Ferreira Leite teima em não falar, para incómodo de tantos.

Os Jornais da Noite da SIC terminam sempre com um retrato da mais pura banalidade e do mais puro mau gosto numa rubrica de televisão feita por todos e para todos a que chamaram “O Melhor e o Pior do Verão”. Coisa detestável.

Assaltos e mais assaltos. Criminalidade e (in)segurança. Operações policiais aparatosas preparadas em segredo e em simultâneo, e com meios vistosos em que se apreendem meia dúzia de coisas.

(Continua)

5.8.08

Educação Para a Morte (3)

... ou dando livre curso a algumas ideias a propósito e a despropósito da leitura de Educação Para a Morte de Filipe Nunes Vicente, tendo sempre em mente a máxima do autor: “o que pode acontecer é que através da conversa entre dois humanos um deles consiga organizar a colecção de banalidades que as redondezas da morte suscita.

Nestas conversas entre dois humanos perante a morte, um luto ou sofrimento profundo, muitas vezes há uma banalidade bem intencionada, mas carregada de veneno, que é comum dizer: vai correr tudo bem. Todo o livro de FNV é um manual exaustivo de como raramente tudo vai correr bem, o livro é também um manual de vida sem a esperança sem luz ao fundo do túnel, sem esse consolo dos aflitos, é uma provocação na aceitação tantas vezes da vida sem esperança (pode-se viver sem esperança, pág.47) fazendo-nos crer que o que nos move é uma força indiscernível (pág. 66) cuja origem divide os psicólogos (pág 66) que, ironiza o autor, são uma exigência da cultura ocidental dos últimos cem anos no que ela tem de técnica da alma: somos perfectíveis, só é preciso saber mexer nos botões certos (pág.66). Afinal também eles (psicólogos) acreditam que tudo vai correr bem e também eles acreditam em finais felizes e passam tantas vezes ao lado da “alma”(poder-se-ia abrir um debate sobre o que é isso da alma: fica para um dia...). Ora a morte e o luto transformam (pág.86 citando Lavoisier). Tudo fica diferente. E é essa evidência que é tão difícil para os interlocutores quando se tenta organizar a colecção de banalidades nestes momentos de sofrimento. Fazer crer que tudo vai correr bem, tantas vezes não é mais do que a evidência da incapacidade de lidar com o sofrimento, de o aceitar como parte integrante da vida, e saber partilha-lo com quem sofre. É a distância, a prudência, o não querer demasiado envolvimento. Acreditar na "cura", nessa capacidade da alma em nos tornar perfeitos é uma forma de simpático afastamento do outro, de iludir, de evitar olhar para a “alma”, é mais um sinal deste modo de viver em que tudo tem que "estar bem". Para isso adopta-se o wishfull thinking, a esperança em versão light de que realmente um dia tudo ficará bem.

14.7.08

Da Compaixão

Li com alguma sofreguidão e muita comoção o artigo do Caderno P2 do Público sobre Ingrid Bettancourt baseado em entrevistas dadas por ela a vários media internacionais. É todo ele um ensinamento dado com a enorme simplicidade que o sofrimento que se vence a cada dia com persistência, vontade, disciplina e trabalho interior vai expondo e, pareceu-me num primeiro momento, com uma linguagem que todos entendemos, ou pelo menos deveríamos entender que é a linguagem da humanidade do facto de todos partilharmos esse denominador comum que é sermos seres humanos.

Engano meu. Num relato, tudo ele pungente, Ingrid Bettancourt faz uma afirmação que me deixou chocada, porque ao quantificá-la a tira do universo abstracto das afirmações que se vão tornando lugares comuns ouvidos amiúde do tipo: os nazis eram implacáveis, ou os Khmer Rouge não tinham um pingo de compaixão ou a crueldade estalinista não tinha limites. Creio que ninguém no seu perfeito juízo procura compaixão (não um afastado “ter pena de”, mas um mais próximo “sofrer com”) num movimento terrorista cheio de fanáticos guerrilheiros que sabemos serem treinados e vigiados, nomeadamente para serem carrascos e implacáveis. No entanto, são de seres humanos que falamos e quando se lê nestes relatos de IB que terei contactado com mais de 300 guerrilheiros de todas as idades, de todas as condições. Destes 300, não terá havido mais de dois ou três a revelar um comportamento de compaixão, é profundamente perturbador e esta quantificação é duma violência enorme. Ao longo de seis anos de cativeiro e entre 300 guerrilheiros só dois ou três terão mostrado um comportamento de compaixão; ela mencionou um que lhe forneceu remédios, não falou nos outros dois, não sabemos o que fizeram, quem sabe se um deles se limitou a olhá-la como um ser humano olha para outro? O pior, diz ela, foi ter percebido que os seres humanos podem ser tão horríveis com outros seres humanos. E nós percebemos que a solidão que vem dessa constatação e dessa condição é imensa.

Admiro profundamente a dignidade desta mulher que – sabemos e ela nem precisava dizê-lo que só por ter sido a única mulher em cativeiro terá sofrido mais do que os outros reféns, que ela hoje considerou como a sua família lá - soube na solidão na provação e no sofrimento manter-se sã, de alma, de espírito, e também de corpo (tocante a forma como descreve a primeira noite dormida numa cama depois de tanto tempo em cativeiro) sem descrições, comiserações ou vitimizações desnecessárias e com, ela sim, verdadeira compaixão para com os seus carrascos. Ela sabe que perdoar a torna livre.

11.6.08

As bichas junto aos postos de combustível, bombas sem bichas que já não têm nem gasóleo nem gasolina, supermercados com falhas, aeroportos a sentirem os efeitos da paralisação de camionistas, a sensação de que nem sempre o governo está a saber e a exercer devidamente a autoridade do Estado, deixam o país num estado de fragilidade que incomoda. Neste mundo, tal como o conhecemos, abundância de recursos – mesmo em Portugal onde as famílias estão financeiramente muito pouco flexíveis, é um dado adquirido. Poder ou não comprá-los é outra questão, mas saber que se os quisermos eles estão lá, é algo que nem questionamos. Hoje a fragilidade da abundância vem à tona, e com ela a fragilidade de um estado pouco preparado para situações de crise, sejam elas greves, cheias, fogos florestais, insubordinação civil. Mas não nos preocupemos, pois no essencial, no que preocupa realmente os Portugueses tudo está bem: Portugal ganhou à República Checa e vai aos quartos de final do Euro 2008.

5.6.08

O Lado Negro (*)

Eduardo Pitta assina hoje no Corta-Fitas um texto interessante O Lado Negro da Bloga (*) sobre os lados negros da blogosfera - EP usa o termo “bloga” cuja sonoridade me parece (ainda?) estranha. A sua tese é a de que a blogosfera reflecte, na intolerância perante a opinião do outro, o crónico défice de democracia na sociedade portuguesa, pois onde quer que haja discordância o azedume toma conta da discussão. Concordo com o que escreveu Eduardo Pitta e iria um pouco mais longe. Sendo a blogosfera um território que espelha razoavelmente a sociedade, ou pelo menos uma parte dela aqui em Portugal, podemos notar algumas tendências que não são mais do que o aquilo com que nos deparamos no quotidiano e que propiciam esse azedume, essa facilidade de estremar posições e de dificilmente sair do preconceito.

A primeira tendência é a dificuldade em lidar ou mesmo aceitar a diferença e/ou o desconhecido: a opiniões diferentes reage-se com desconfiança e “à defesa” em vez de reagir com abertura analítica e crítica; ponto final. Cada um tem uma forma única e sua de olhar o mundo e olhar uma determinada questão, mesmo que as opiniões sejam convergentes raramente o olhar é semelhante; o contrário também pode acontecer embora mais raramente.

A segunda tem a ver com uma forma de olhar para o outro e de nunca conseguir separar a pessoa da sua opinião, e por isso raramente assisto a discussões na blogosfera que não acabem mais cedo ou mais tarde por se pessoalizarem atacando e por vezes insultando o outro em vez de se argumentar contra a ideia, opinião e por isso o ataque pessoal substitui a argumentação. O pressuposto, dito de forma simples para crianças de cinco anos, é o seguinte: se atacam a minha ideia o meu texto, se questionam a minha tese, se discordam de mim já não são meus amigos, já não sou amigo deles, já não não podemos brincar juntos. Já vimos blogues desfazerem-se, membros abandonarem os blogues, ou blogues virarem costas, por cairem nesse erro. O contrário também é válido e tentação constante: assumir como “amigo” alguém com quem se partilha uma opinião, uma causa, uma luta pontual. Sempre me desconcertou a facilidade com que, enquanto leitora de blogues, vi fazerem-se e desfazerem-se “amizades”, lealdades e afinidades na blogosfera. Em Portugal (por oposição a países anglo-saxónicos, por exemplo) é muito comum “levar a mal" uma crítica, sentir-se ofendido sem querer sequer perceber a argumentação do outro e sem saber também separar a pessoa da sua opinião, ou por exemplo, da sua performance profissional num momento de avaliação.

A terceira tendência é também comum mas muito redutora, e EP no seu texto refere-a quando fala no estremar de posições e simetria de argumento. Esta simetria é o caminho fácil para a definição estanque de territórios e para rapidamente catalogar e conseguir “reconhecer” o outro e o campo a que pertence. Estando o outro catalogado e preso a um território é muito mais cómodo prever os seus argumentos, as tomadas de posição para – na dita simetria - as rebater. Como se pode ver este é um meio propício ao preconceito. Definiria a quarta tendência como aquela que em Portugal, com ou sem 48 anos de ditadura, fez com que o português não ame, não sinta, não preze, não viva e não defenda com unhas e dentes a liberdade, o ser único, e o ser tantas vezes só. Todos temos que estar presos e dependentes de todos, ser amigos ou inimigos (outra forma de ser amigo) de todos, posicionarmo-nos em relação a algo, para em troca podermos esperar reconhecimento, gratidão, troca de favores, etc. Na blogosfera não é diferente, e traduz-se em ser ou não linkado, destacado, referido, e tudo o mais.

Termino numa nota mais técnica: a facilidade com que se faz um “enter” e se coloca um texto num blogue, às vezes impede que se respire fundo e conte até três - um velho remédio, mas de eficácia comprovada. Em casos mais complicados a recomendação seria uma noite de sono. Mas a tecla do enter está ali tão perto, e eu até tinha tanta vontade, e no fundo a blogosfera é isso mesmo: o tempo real, o agora com o que tem de lado claro e de lado negro.

8.5.08

Caldinho Cultural

Há coisas que preferia não saber, e quando os media omnipresentes de diversas formas e feitios veiculam essa informação, tento distrair-me, desligar, mudar o canal, não olhar, não ver, não saber. Pelo menos tentar que a informação fique a pairar pelo ar e se disperse rapidamente mas que realmente não se faça realidade na minha mente. Tem sido assim nas últimas semanas em relação à história do cidadão austríaco que sequestrou, violou e teve sete filhos da sua filha. Não quis saber, não quis ouvir, não quis ver. Até que hoje fui bombardeada várias vezes durante o dia com a publicidade à revista Visão que tem um dossier especial sobre o assunto. É óbvio que não comprarei a revista nem quero ler nada sobre o assunto de tal forma ele me perturba não só no aspecto humano/afectivo, mas no aspecto mais racional que tenta analisar os porquês, as motivações, os objectivos. Parece que o meu enquadramento mental não foi estruturado de forma a interpretar e digerir este tipo de comportamento pensado, frio, implacável, organizado e levado a cabo sem hesitação, nem retrocesso, sem culpa, nem fraqueza, sem piedade nem compaixão. Vinte e quatro anos neste registo. Repito, vinte e quatro anos de intencionalidade. Não preciso de detalhes, de planos do bunker, de explicações do dito cidadão, de testemunhos de vizinhos para que o horror desta situação me perturbe, e a passividade da vítima me aterrorize. Porquê? Para quê?

Há no mundo situações de horror, enorme injustiça, perversão, desigualdade, violência gratuita, e não é preciso pensar muito para elaborar uma longa lista de horrores dos nossos dias. Mas este caso tem esta intencionalidade, este pensar, esta frieza, esta repetição ao longo dos ditos 24 anos, que estão para além dos próprios actos de violência, violação, perversão. E este facto incomoda demasiado. É como se estivéssemos perante um concentrado de Mal e esse Mal tivesse um rosto, uma forma, um corpo. Mal no tradicional sentido judaico-cristão, como o que é oposto ao Bem, o que se afasta do Bem (Deus). Como se afinal este caldinho cultural que bebemos diariamente e que evita pensar nas noções de Mal e de Bem, tivesse sido contaminado, por um momento.

6.5.08

Pode repetir?

Hoje ao folhear um jornal diário de distribuição gratuita, li do princípio ao fim – coisa rara – um anúncio para um espectáculo de música no S.Luis no dia 8 de Maio com Maria João, Rui Reininho e Pedro Abrunhosa de canções de amor. O texto do anúncio, pomposo até doer, dizia, no meio do texto coisas do género: “três cantores de geografias musicais e afectivas diferentes”. Como? Pode repetir?

Por favor! Se “geografias musicais” já é mau (só lá chegamos se fecharmos os olhos com força) a história de “geografias afectivas” até dá nauseas e só pede mesmo a porta de luz verde que diz EXIT. No final do texto para fazer bonito utiliza-se esta banalidade: “Este é o ponto de partida e chegada”. Porque será que não escrevem coisas normais e despretensiosas quando têm como objectivo darem-nos informação?
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10.4.08

Crónica Da Vida Num Resort 2

Se um resort com a sua versão fabricada de paraíso apela as pessoas que procuram alguma tranquilidade e satisfação de desejos muito simples e básicos travestidos de coisa requintada, ainda apela mais a casais em lua-de-mel, e previsivelmente eles eram muito numerosos. No entanto enquanto “categoria” de pessoas eles não cansaram de me espantar. Andavam circunspectos e formais como quem cumpre um papel que é esperado que cumpram: de mãos dadas e em pose quase de estado andavam de lá para cá, tomavam refeições, andavam de barco, faziam passeis ao fim do dia, beijavam-se e abraçavam-se na piscina, mas todos os seus gestos pareciam pensados e encenados, careciam de espontaneidade e de verdadeira alegria. Não se ouviam gargalhadas, não se viam trocas cúmplices de olhares, nem sequer a sombra daquele brilhozinho de paixão ou desejo, muito menos um átomo que fosse de loucura, de vontade de sorver o momento, de realmente se divertirem. Enfim, não se viam nem sentiam algumas dessas coisas que é suposto existirem entre casais felizes e contentes que é o estado que normalmente associamos a uma lua-de-mel. Mais pareciam reféns de um qualquer protocolo ou convenção que os obrigava a estar ali um pouco contra-vontade. Se calhar...

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