“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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19.7.09

Portugal dos Pequeninos, uma Leitura 2

A leitura do livro Portugal dos Pequeninos dá-nos uma história dos anos da governação de José Sócrates e do seu (de José Sócrates) PS. Ao longo das páginas desfila uma cronologia dos actos governativos em forma de intenção de reformas, legislação, anúncios, nomeações, declarações, influências, gaffes, insucessos, mentiras, casos judiciais em investigação etc. Aviva-se a memória que é coisa sempre salutar, sobretudo em época de balanço e de aferição do que conseguiu um governo com maioria absoluta e condições excepcionais de governabilidade (para usar uma palavra tão na moda) apesar do revés da crise financeira internacional. Esse olhar para trás talvez ajude, ou simplesmente reforce, alguma decisão, de quem lê, para os próximos actos eleitorais. Neste sentido o livro Portugal dos Pequeninos em boa hora se fez e se pôs à venda.

João Gonçalves é senhor de um olhar muito próprio, impiedoso e cortante, e de um apurado sentido crítico que o impede de ceder a qualquer tipo de complacência ou, usando as suas palavras “respeitinho”, seja por pessoas ou por instituições (1). Desmonta impiedosa e lucidamente as intenções e os mecanismos decisórios (2), denuncia os falsos ídolos (3) e denuncia pressões políticas de vários tipos a vários organismos ou instituições (4). O retrato traçado ao longo das páginas do livro destes últimos anos é um retrato desencantado de um país errático que não se encontra nem se sabe. JG não esconde o seu desencanto pelo regime que sustenta a nossa democracia, parece que o considera esgotado, ou pelo menos exausto (5) e esse desencanto e desalento muitas vezes surgem como premonitórios pois é apartir do presente que JG projecta no futuro (6) um insucesso, uma derrota ou ainda mais um impasse, que infelizmente se confirmaram.

Todas estas críticas políticas assentam numa visão também ela desencantada do mundo actual e JG é especialmente perspicaz nos retratos “psico-sociais” - uso o plural pois JG sabe distinguir os diferentes tipos que fazem a aparentemente colorida e heterogénea sociedade (no fundo tão igual) - com os seus tiques comportamentais e as suas modas, bem como na crítica de costumes (7). No entanto, o que dá substância - matéria e alma – ao seu olhar crítico e desencantado sobre o nosso país pequenino e sobre a sociedade actual é a fé e a defesa aguerrida dos valores que considera básicos na civilização ocidental: o primado do Homem, a liberdade e a defesa da vida. São estes os pilares em que assenta o seu olhar e que impede os seus textos de se tornem estéreis, frios e (des)almados como se fossem meros exercícios de deprimida retórica política e social. JG acredita na liberdade que se conquista com o saber e com o pensar, e os seus textos são sempre estímulos e provocações, nem sempre simpáticas, nem sempre de agradável leitura, nem sempre óbvias a que se aprenda e se pense, quanto mais não seja para dele discordar.

Notas:
(1) pág.126 “Emporio”, pág. 135 “Querido Líder”, ...
(2) pág. 148 “Os ‘Testes de Credibilidade’”, ...
(3) pág. 200 “Wotan/Sócrates”, pág. 225 “o Ministro TOYS R US”, pág. 286 “O Mundo Segundo Sócrates”, pág. 265 “AGITROP”, pág. 400 “Soares e os Males da Existência”, ...
(4) Pág. 243 “A Senhora Diectora”, pág. 218 “Inala sem Engolir”, ...
(5) Pág. 290 “Pensar Nisto”, ...
(6) Pág. 125 “O Homem Médio”, pág. 143 “Sócrates e o Lugar-Comum”, ...
(7) Pág. 231 “Os Novos Monstros”, pág. 236 “Sampaio, o Outro”
, ...
(Continua)
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