“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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12.8.07

Dos Barulhos e Ruídos

Cada vez gosto menos de barulho e de ruídos e cada vez convivo melhor com o silêncio. Sou incapaz de ligar uma televisão para sentir o barulho ou a companhia e não ponho CDs a tocar para ter música de fundo. A moda dos leitores de MP3 ou ipods passa-me ao lado porque não consigo pensar em que ocasiões posso querer música e não a ter, e não gosto de ter coisas (phones) nos ouvidos, porque caiem, porque se desajustam, porque ao se desajustarem fazem ruído. Creio que só no carro a conduzir é que me distrai a dita música de fundo. Dito isto, gosto muito de música e muitas vezes a ouço, mas não para ter um ruído ou um barulho de fundo, ouço para realmente a usufruir e muitas vezes ouvi-la impede-me uma concentração ideal noutras tarefas. Gosto do barulho do vento nas folhas das árvores, do barulho do mar, do barulho dos trovões, já o chilrear dos passarinhos de manhã nem sempre é bem vindo! Irritam-me os CDs de música relaxante que acabam invariavelmente por me cansar e me dão vontade de silêncio, ou então de uma sinfonia que tome conta de mim, de uma ária que me lembre que canto mal, ou de uma música que faça dançar. O barulho do trânsito é uma maldição dos tempos modernos, e músicas de fundo (ou bem à frente) são poluição.

Há uns anos fui arrastada por uns amigos, estávamos na Áustria, para ir ver um Grande Prémio de Fórmula 1. Ver um grande prémio não estava na lista de coisas que gostaria de fazer, mas acabei por ceder e fui. Cansada de tanto andar sob um calor de verão, cansada da multidão, cansada da confusão, cansada do barulho, cansada de pensar que ainda ia ter que esperar muito até me ir embora, nada me restava senão encher-me de paciência. Começou a corrida e finalmente começam os carros a passar à nossa frente. O que era um ruído insuportável tornou-se, à medida que os carros se aproximavam, num ruído de motor fortíssimo, certamente inesperado e único, e muito excitante, tal a potência que lembra e a vibração que se sente mesmo em nós. Naquele dia fiquei fascinada com o barulho dos motores dos carros de Fórmula 1, que ainda hoje lembro como um dos mais belos ruídos.

Há outro ruído quase ensurdecedor que também me encanta, este encantamento certamente com raízes mais profundas, talvez inscrito no código genético e afirmador de pertença. Falo dos Zés-Pereiras dos seus bombos e tambores em ritmo crescente. Presença obrigatória nas festas e romarias do Minho, eles animam muitas vezes Largos e Praças chamando a atenção de todos e mostrando a sua destreza e força, e despoletam memórias de uma infância muito vivida no Alto Minho, nomeadamente, mas não só, em Viana do Castelo, uma cidade que vivia sempre em festa. Quem passar pelo pelo Alto Minho no verão dificilmente escapa a uma romaria ou festa, e provavelmente cruzar-se-á com os Zés-Pereiras, seu som e ritmo.

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