O Fado está lá, faz parte da identidade ou de uma qualquer memória do ser português, mas não faz parte do meu quotidiano, muito menos do modo “default” de algum instinto musical que tenha. Claro que quando cresci ouvi alguma Amália, algum fado de Coimbra, e esporadicamente fui ouvindo outros fadistas, mas nunca em grande quantidade nem nunca com grande afinco. Creio que este é um padrão comum a muita gente que, como eu, nasce e cresce no Porto. Mas umas idas ao Senhor Vinho há uns anos (porque teve que ser, mais do que por opção) fizeram-me conhecer Camané, e de imediato percebi a beleza incrível e inconfundível da sua voz e o seu talento único e quieto para estar num palco e encher completamente o espaço. No entanto nunca me passaria pela cabeça ir a um espectáculo ouvir fado horas a fio.
Por isso surpreendi-me quando, num impulso pouco comum, decidi que queria ir vê-lo ao Coliseu ontem. Desde o primeiro momento com Sei de um Rio (o video do link já é do espectáculo de ontem) Camané electrizou o público que não lhe poupou ovações e bravos em quase duas horas de fado num espectáculo memorável e alongado de tantos encores. A cumplicidade discreta e pouco ruidosa, mas intensa e visceral que de imediato estabelece com o seu público é única e percebe-se como é que conseguiu, por exemplo, esgotar duas noites seguidas no Concertgebouw de Amsterdão. Ontem foi uma noite de fado que fica na sua memória e na nossa.