“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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11.9.08

O Expresso da Meia Noite

Ao longo dos anos que não me habituo a ver o anúncio na SICN do programa “Expresso da Meia Noite”, e pasmo como é que ele se mantém inalterado e nunca ninguém se indignou com ele. O título do programa liga-o ao jornal Expresso uma vez que revela a manchete do dito, aliviando aqueles portugueses que não conseguem aguentar a tensão e a expectativa em relação à edição do Expresso do dia seguinte, é revelador de um estilo cúmplice que o anúncio explora ao exagero. A imagem dos dois jornalistas que conduzem o programa de debate, em conversa cochichada e risinhos cúmplices, é a pior imagem de jornalismo que se pode dar ao cidadão comum, pois desacredita-o da seriedade da profissão. No entanto esta é a imagem infelizmente tão aceite e tantas vezes tão real.

Jornalismo não deveria ser (como o anúncio do programa ilustra) conversa cochichada entre dois interlocutores, sempre propícia à criação conspirativa quer de confidencialidades múltiplas quer de factos e/ou de tabus que se faz em gabinetes diversos e nas redacções dos diferentes meios de informação. A recolha, compilação, estudo, escrutínio e tratamento da informação nada deveria ter de cochichado, mesmo quando nas alturas em que deve ser discreta ou até confidencial. Insistir na imagem do jornalismo cochichado é insistir nessa nuvem pantanosa que nada tem de sobriedade onde são geradas mais ou menos espontâneamente e onde fervilham as notícias que enchem os diferentes tipos de jornais, que por vezes não são a informação pertinente, e que não se sabe bem nem de onde vêm nem para o que vêm e que nos fazem sempre perguntar ao serviço de quem, ou de o quê, é que são feitas.

Debate político, ou debate sobre outros temas da actualidade, também não deveria ser um somatório de risinhos cúmplices bilaterais com eventual desdém por quem não partilha a cumplicidade, tal como a imagem do anúncio sugere, dando-nos uma ideia de algo fechado e limitado em que o preconceito existe. Ora um debate deveria ser o contrário: um espaço que se quer aberto, transparente e exigente porque isento de preconceito e onde impere a todo o momento um rigoroso respeito pelo outro e pela sua opinião mesmo quando diametralmente oposta à da maioria. O combate é feito com argumentos e não entre pessoas coisa que risinhos cúmplices deixam dúvida.

As coisas são o que são, e sugerem o que sugerem. Duvido que este anúncio sugira algo muito diferente do que aqui se escreve. E é uma infelicidade para a estação que se quer de notícias e para os jornalistas que o fazem. Talvez andem todos distraídos e nunca tenham reparado.

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