“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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7.3.07

“A pedido”

Com a vitória do “sim” à pergunta muito clara e objectiva sobre a despenalização do aborto “a pedido”, torna-se difícil querer contornar e arredondar o “a pedido”. Durante a campanha quando ouvia aplauso em relação à moderação do sim, percebia que nada poderia ser moderado com a expressão “a pedido”. Assim tudo o que seja aconselhamento, período de reflexão, vai contra o espírito inegociável, definitivo e voluntarista do “a pedido”. Consulta médica obrigatória, em que se explique o procedimento médico, seus riscos, as opções futuras de contracepção, e a opção de a mulher até ao último momento se recusar a fazer o aborto, parece-me evidente. Ponto final. Mais do que isso parece-me ir claramente contra o espírito da lei e da vontade de quem votou “sim”. Poderia existir mas só como opção, uma consulta de acompanhamento psicológico, de aconselhamento social, um período de reflexão, não só para aliviar as consciências dos que votaram “sim, mas”, mas para ampararem as mulheres que de facto se sentirem mais perdidas, inseguras e desamparadas nestes momentos. De qualquer forma a rapidez é um (o?) elemento fundamental para as mulheres que decidem a abortar, e embrulhar o processo com excessos de aconselhamentos tirará as mulheres do “estabelecimento legalmente autorizado” para o tão mítico “vão de escada” (que mais não será do que uma clínica privada, dessas que já existem, mais ou menos luxuosa): não há nada de politicamente correcto num aborto por isso o melhor mesmo é tentar parar de encontrar uma formula mágica que lhe devolva o que não tem. A proposta do PSD que, segundo o Público, o PS poderá contemplar, de acrescentar uma alínea em que se informe a mulher que quer aborta dos regimes de adopção, é feita desta massa de politicamente correcto que na realidade não serve para nada. Dificilmente consigo imaginar (mas posso estar enganada) uma mulher da classe média, grávida e que quer abortar, a pensar não o fazer para poder dar o filho para adopção... Serei só eu a ver quão desajeitada e irónica é esta proposta?

Quando no Prós e Contras antes do referendo, Vasco Rato teve o seu momento iluminado com a questão “então a pedido de quem?”, ninguém na altura lhe explicou que não era o “de quem?” que estava em equação, era somente o “a pedido”. No meu entendimento, não se pede para ter um aborto como se pede uma cerveja. Não se tem direito a abortar como se tem direito a ser tratado com justiça. O aborto é uma fatalidade, uma infelicidade, uma tragédia se quisermos ser explícitos.

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