“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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24.10.07

Knocked Up

Por razões várias e que não são para aqui chamadas vi-me ontem numa situação de ter que ver o filme “Azar do Caraças”. O título, só por si, dá vontade de fugir e gostei muito pouco da ideia de, ao comprar os bilhetes ouvir-me pronunciar a palavra “caraças” num contexto que não era escolhido por mim. O título original é “Knocked up”, muito mais revelador daquilo que nos espera: uma passagem abrupta e imprevista de um mundo infantilizado em que vivem as personagens para o mundo adulto, por causa de uma gravidez. O trailer do filme, que já tinha visto, também não augurava nada de bom e tudo me preparara para ver, de mau humor, uma comédia americana daquelas parvas, banais e tantas vezes confrangedoras. Puro engano meu. Ao fim de 10 minutos já tinha percebido que estava perante um filme bom, muito bom mesmo e com certeza a melhor comédia que vi nos últimos longos anos.

Trata-se de uma comédia original sobretudo pela forma como nos faz rir: não se sustenta nem com os esperados e normais trocadilhos de linguagem nem é uma comédia de situação que viva de previsíveis e parvos quid pro quos. Esta comédia vai mais longe, mais fundo, pela forma, às vezes assustadoramente realista e sem limites do politicamente correcto com que as personagens reagem às diversas situações que apesar de tudo não são aberrantes. O olhar cru e desapiedado, mas sempre simpático e sem arrogância, do realizador vai buscar às personagens a sua vulnerabilidade, incongruências e humanidade, sem medos de nos mostrar o que ele vê, sem embelezar, ou editar demasiado e surpreendendo-nos sempre e ainda mais. Uma comédia inteligente, com recursos que nos surpreendem e um filme que nos faz realmente rir e muito. Rir com gosto e rir contragosto.

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