O buzinão saiu à rua. A manifestação da CGTP encheu a Avenida da Liberdade. Começa a ser por demais evidente e inegável que se adensam os sinais exteriores de insatisfação dos portugueses, que ele é transversal, que o bolso dos eleitores está cada vez mais vazio, e que os serviços do estado ao serviço dos cidadãos, para os quais pagamos impostos, continuam preguiçosos, escandalosamente lentos como a justiça ou as listas de espera na saúde, e a não ser nem melhores nem mais eficientes. Somando a este descontentamento temos um primeiro-ministro que paira por cima desta névoa em que está mergulhado o Portugal real, com arrogância e autismo, subestimando o que já parece impossível de subestimar, refugiando-se em cimeiras ou TGVs.
Se o descontentamento é real, há que ser frio em relação às causas dele. O aumento do preço dos combustíveis é uma realidade difícil de atribuir exclusivamente ao governo ou ao regime, apesar de em Portugal todas as petrolíferas beberem da mesma bica (refinarias), de se preocuparem mais com o retorno dos accionistas do que com a satisfação dos clientes, e do ridículo da conclusão da Autoridade para a Concorrência (outra inutilidade) que afirma não haver indícios de concertação de preços por parte das distribuidoras de gasolina. A subida do preço do petróleo nos mercados internacionais não se repercute unicamente em Portugal. Os mercados não mentem e não há “especulação” que sustentem mentiras ou “bolhas” por muito tempo. Os dias estão difíceis e o mundo (a Europa à cabeça) tem que se habituar a um novo ordenamento e reajuste de riqueza e de poder, nomeadamente com as novas potências asiáticas a entrarem no mercado do consumo, a quererem comer mais e diferente, a quererem ter mais carros, frigoríficos, telemóveis. Dá vontade de dizer: habituem-se! E mais do que isso, a o mundo ocidental tem que perceber que dificilmente o preço do petróleo voltará a ser o que foi, e as políticas energéticas, bem como as agrícolas terão que ser revistas e reajustadas a pensar no mundo tal como ele é e vai ser, e não no mundo que já foi e cuja nostalgia cega quer os cidadãos quer os políticos que facilmente se deixam tentar por medidas populistas, mas desastrosas a longo prazo. Resta saber se hoje temos líderes capazes para tal tarefa, mas que pelo menos com o nosso voto possamos contribuir para isso.