“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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25.1.10

Nada de Novo

Em matéria de saúde, e sobretudo quando o binómio vida/morte é equacionado, as decisões dos indivíduos tendem a ser conservadoras, isto é, confiam nas instituições da área: governos e organizações (Ministérios e Serviços de Saúde Estatais, OMS,...), nos profissionais (médicos, investigadores, enfermeiros,...), nas indústrias (farmacêutica) e nas empresas (hospitais, clínicas, ...), que acreditam estarem melhor informadas e habilitadas na recomendação de uma terapia ou de uma prevenção. Os indivíduos também acreditam, porque a vida fica muito mais fácil assim, que essas instituições quererem o bem das populações em geral e do indivíduo em particular, esquecendo tantas vezes que a saúde é mais do que uma preocupação individual, é também e/ou sobretudo um negócio, um grande negócio, que qualquer negócio existe para ter lucro, e que qualquer decisão ou medida governamental ou individual tem um custo. Como o paciente/doente é conservador na hora de optar, é-lhe muito mais fácil decidir não tomar a medicação para uma constipação do que decidir não fazer quimioterapia quando confrontado com uma doença oncológica ou até, e por exemplo, decidir não seguir o plano nacional de vacinas para si e para os seus filhos. A pressão institucional e social é forte e aumenta, tal como a incerteza e medo do paciente, nos ditos casos em que o binómio vida/morte está mais patente.

Na hora em que se fazem balanços sobre a gripe A e a suposta pandemia que (ainda?) não foi, há questões que e levantam, para além da óbvia e necessária reflexão sobre “quem é que mais lucrou com esta situação?”, ou dito de outra forma “follow the money”. Uma delas é a sensação de que às vezes, mais do que o indispensável, mas nem sempre firmemente conclusivo e sustentável saber científico, as decisões dos indivíduos são formadas por uma forte convicção ou por uma fé inabalável. No caso da Gripe A, a classe médica bem como as classes dos restantes profissionais da área da saúde mostraram-se divididas quanto à inocuidade e necessidade da vacina desenvolvida em tempo recorde pela indústria farmacêutica, e expuseram ao público a dissonância que existia no seio dessas instituições, em quem os indivíduos tanto confiam. Neste caso elas falavam a diferentes vozes; basta lembrar por exemplo o número de médicos e de enfermeiros que recusou ser vacinado. Todos nós conhecemos algum. Ao contrário dos profissionais de saúde, os governos que tomaram uma decisão política sobre a Gripe A, e serviços administrativos da área da saúde falaram (perceber o porquê será também interessante) com convicção e firmeza. Opiniões divididas, em quem se acredita?

A atenção dada pelos meios de comunicação a cada novo caso confirmado, primeiro no México, depois nos EUA, depois na Ásia, na Europa, em Espanha e finalmente em Portugal, ou a uma morte – como se se anunciassem nos media outras mortes, resultantes de doenças igualmente contagiosas, como a gripe sazonal, ou não, foi demasiada e por um longo período de tempo. Houve também um excesso de comunicados ou intervenções diários dos responsáveis nacionais pelos serviços de saúde, no caso português já ninguém conseguia ver e ouvir Francisco George, que cansaram uma população que depois do impacto inicial depressa percebeu que a maioria dos casos de gripe A se resolviam, felizmente, como qualquer outro caso de gripe: cama, repouso, paracetamol e alguma paciência, o que foi afastando progressivamente a equação vida/morte do caso da gripe A. Não houve por isso razão para ter uma forte convicção ou uma fé inabalável. Sobram, isso sim, milhões das vacinas compradas pelos governos que agora tentarão vender, provavelmente e comme d’habitude, a quem não precisa. Nada de novo.

25.2.08

Como se a Culpa Fosse Deles

Ouvi, estes dias desabafos de duas pessoas diferentes, que nem se conhecem, que vivem vidas bem diversas, em locais distintos e que têm opções políticas que raramente devem coincidir. Ambas trabalham para o estado, uma na área da saúde, outra na área da educação. O que foi revelador, mas nem chegou a ser surpreendente, foi o facto de os desabafos e queixas serem tão semelhantes quer no conteúdo quer no tom.

Ambas se confessaram física e psicologicamente exaustas e esgotadas, no limite, ambas estavam preocupadas com a sua capacidade de resistência e com a sua saúde, ambas se queixaram das longas horas de trabalho, da exigência de novas tarefas que consideram inúteis e que ambas vêem como um aumento de intendências e burocracias quase sempre inúteis: elaboração de actas que ninguém irá ler, elaboração de relatórios a propósito de tudo e de nada, picar o ponto a horas certas, nomeadamente à hora de almoço mesmo quando se está envolvido numa tarefa que terá de ser interrompida, reuniões, avaliações cheias de parâmetros complexos, objectivos discutíveis e competências tantas vezes sem nexo, sobre os quais há que escrever e discorrer. Ambas se queixavam que nada deste acréscimo de tarefas tem efeitos visíveis na melhoria do serviço prestado quer aos alunos, quer ao doente. Nem agora nem num futuro tanto quanto se pode prever. Ambas afirmavam que o objectivo do governo passa por discreta e paulatinamente esvaziar as instituições públicas (a escola, o hospital) para privilegiar as instituições privadas e que a escola e hospital públicos serão para quem não tem os meios financeiros para ir para o privado onde a qualidade cada vez se afirma de forma mais clara. Sentem-se traídos, explorados, mal tratados, desrespeitados no seu brio e dedicação profissionais. Uma diferença no entanto: no hospital têm o olhar grato do doente quando se sente bem tratado ao passo que na escola têm a insolência, a indisciplina e pior que tudo, o profundo desinteresse e alheamento da maioria dos alunos de telemóvel na mão e polegar agitado. Como se a culpa fosse deles.

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