Dizia Salman Rushdie que uma das grandes diferenças entre o Islamismo e as outras religiões do Deus de Abraão prende-se com a relação entre Deus e o Homem. No Judaísmo e Cristianismo há uma relação de semelhança entre Deus e o Homem uma vez que Deus o fez à sua semelhança, para os cristãos, se fez um deles. Esta relação de semelhança permite uma maior proximidade e intimidade com Deus e é diferente da relação Deus Homem no Islão que assenta sobretudo na noção de submissão à sua vontade e não questionamento. O Islamismo não atribui a Deus qualquer característica humana e é um Deus transcendente. Representá-lo ou descrevê-lo é, desde logo, dar a Deus uma dimensão humana que ele não tem. (A polémica dos cartoons começa aqui nesta noção de transcendência). Falou-se também do paradoxo de Averróis ao perguntar-se como é que Deus teria falado ao profeta se o uso da linguagem é um atributo humano...
Mas estou a começar quase pelo fim, porque importante e surpreendente para Salman Rushdie é o facto de se poder livremente falar de religião. Poder dizer que se é ateu, que os homens é que inventaram Deus, que a história do homem começa antes do conceito de Deus. Poder dizer, como disse Anselmo Borges, que Deus não faz ditados, que o ridículo é sempre ridículo e em religião ainda o é mais, que nenhuma religião, nem todas elas juntas detêm em absoluto o fundamento. Em muitos países do mundo tal seria impossível dizer sem se ser condenado. Importante mesmo é a possibilidade de argumentar, de discutir e esse é o método da democracia.