“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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16.12.06

O género e o aborto

Fiquei surpreendida com um outdoor de um movimento cívico a favor do “Não” no referendo ao aborto que reza da seguinte forma: “Não obrigada!” primeiro detive-me na questão gramatical e no facto de só as mulheres dizerem “obrigada!” e depois considerei a hipótese de esta plataforma se dirigir sobretudo às mulheres, daí o chamamento ao seu voto de “não obrigada!”. Numa visita ao site da Plataforma Não Obrigada, verifico que estou errada, pois se nos pontos 4, 5 e 6 do Manifesto se visa sobretudo a mulher, imediatamente a seguir no ponto 9 se lamenta que a lei a ser referendada ignore por completo o papel do homem. E é esta questão que, concordando plenamente com o enunciado do ponto 9, me faz não perceber e rejeitar o nome/slogan desta plataforma. Os fetos, objecto da possibilidade de, por vontade da mulher, serem abortados até às 10 semanas (a voz passiva por vezes é chocante...) são feitos por homens e por mulheres e são, quer os homens quer as mulheres, chamados a pronunciarem-se sobre a questão colocada no referendo. Neste referendo as questões de voto e de género estão em cima da mesa. Parecem-me, talvez devido a uma enorme dificuldade em as articular na minha estrutura argumentativa que é marcada primeiro por uma forte convicção a favor da vida emanando daí uma inabalável questão de princípio que faz também com que votasse “não” num hipotético referendo que visasse legalizar a pena de morte, paternalistas e até, em última análise desresponsabilizantes. O aborto é uma questão que ultrapassa a mulher, em abono da verdade ultrapassa mesmo a mulher e o homem, e mesmo a sociedade.

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