O Caderno P2 de hoje do Público tem um artigo grande sobre a Sharia em Portugal e uma reflexão de um especialista em direito islâmico que nos diz que não devemos ter medo da Sharia. Confesso a minha perplexidade face à certeza e firmeza de uma tal afirmação, sobretudo vinda de um ocidental, numa matéria em que as interpretações – todas elas válidas - são tão díspares e em que a fonte principal dessa Lei é o Corão, um texto normalmente muito taxativo (é só pegar e ler para confirmar). Sem querer pôr em causa a bondade e boa vontade de tantos imâs que usam a Sharia com bom senso em situações que potencialmente seriam de grande injustiça, que confiança posso ter eu num sistema fundado num sistema de valores em que a igualdade de direitos e oportunidades não é nem bem visto nem encorajado.
Assim eu pergunto-me o que é que conta: uma sharia em versão “português suave” (título do Caderno P2) em que até se percebe que uma mulher possa ir trabalhar, em que se justifica o porquê de um homem receber o dobro de uma herança, e em que não há chicotadas nem mãos cortadas, ou uma sharia em que as mulheres são obrigadas (ou pressionadas socialmente) a usar uma burka, impedidas de trabalhar, menores e impossibilitadas de decidir, herdar e guardar os filhos? Qual das “sharias” é a melhor, a mais correcta, a que representa a vontade de Alá? Eu pergunto-me também: o que é que conta os diferentes graus de severidade (ou liberalidade) na aplicação da sharia ou os pressupostos e sistema de valores que estão subjacentes?