Em tempos de relativismo moral, de consumismo frenético, de vontades rapidamente satisfeitas, e de pressa em viver, falar de pecado é uma chatice e pensar sobre ele é de quem não tem nada melhor nem mais urgente que fazer. O Papa Bento XVI que não se compadece com esta estranha forma de vida que domina o ocidente falou sobre o pecado no seguimento do seu antecessor João Paulo II, tentando reforçar a sua (do pecado) dimensão social e as consequências que ele pode ter na sociedade. Foi mesmo estabelecida uma lista de seis pecados sociais a juntar à lista tradicional dos sete pecados mortais, não vá o católico consciencioso perder-se neste labirinto que parece ser a vida moderna. Confesso o meu cepticismo em relação a esta nova lista de pecados, à sua necessidade e pertinência, à especificidade dos tempos modernos que exige actualização da lista, e creio que ela está em desacordo com alguma tradição mais exigente do ponto de vista teórico e teológico.
O pecado é uma livre transgressão à lei de Deus, quer em acto, palavra, pensamento ou omissão: Tem que ser grave, feita de forma totalmente consentida e conhecedora, e diz-nos o catecismo que faltando um destes requisitos já não se trata de pecado mortal. Vendo o pecado à luz desta definição, estamos perante matéria do foro íntimo entre o pecador e Deus, sendo o sacerdote que ouve a confissão e dá o perdão de Deus apenas o veículo que reconcilia o pecador com a Igreja. Os sete pecados mortais (relembro: Avareza, Gula, Luxúria, Soberba, Preguiça, Inveja e Ira) tais como a Igreja os estabeleceu há séculos são suficientemente sólidos e representativos da miséria humana e podem cobrir qualquer desvio à ordem divina, para além de serem sempre a mola a qualquer forma concreta que um pecado possa tomar. Por exemplo, os pecados contra a natureza poderão ser muitas vezes atribuidos à soberba humana ou à luxúria (pelo dinheiro e lucro). Também alguns actos tais como os que estão descritos na lista recente de pecados sociais, por exemplo abortar, podem não ser necessariamente pecado mortal se as condições acima descritas não existirem.
Este estender do pecado à esfera social, definindo como pecado situações concretas e não sentimentos ou características da alma humana, também contém outros perigos. Aqui neste blogue tem-se escrito criticando, a propósito do islamismo, os danos da omnipresença da religião em todas as esferas da actividade social dominando e influenciando quer as leis, quer os hábitos, a cultura, a mentalidade. Apesar do ocidente estar numa situação que não se assemelha à existente em tantos países islâmicos, não gosto que o manto da recomendação religiosa se estenda, através de directivas concretas, a outras áreas. Nem sequer é necessário e desvirtua a noção pessoal e íntima do pecado. Como já disse a antiga lista dos sete pecados mortais tal como estão definidos podem bem continuar a cobrir qualquer acto deliberadamente contra a vontade divina que a imaginação mais criativa possa inventar (como se ainda houvesse algo a inventar) tal como tem sido feito ao longo dos séculos e também não reconheço aos tempos modernos perigos assim tão inovadores e específicos para a alma humana que requeiram novos parâmetros na abordagem ao pecado.
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