“O Senhor já amou alguém?”, perguntou o português.
“Todo o mundo já amou, uma vez pelo menos”, eu disse.
“Todos não, nem todos. E amar, só se ama uma única vez”, disse Alberto. “Vim para cá seguindo uma mulher, uma deusa, uma santa. Ela havia entrado, um dia, no nosso restaurante em Belém do Pará. Assim que a vi apaixonei-me perdidamente, era ainda uma menina, de quinze anos. Servia-a à mesa sem que ela me olhasse um mísero instante sequer. Perguntei à senhora que a acompanhava, e que depois soube ser sua tia, de onde eram. Eram de Corumbá, respondeu-me a tia. Logo saíram. Não pude esquecê-la e não me envergonho de confessar que passava as noites a chorar de sofrimento. Emagreci e cheguei a cuspir sangue”.
Alberto levantou o copo como se estivesse a brindar o facto de ter cuspido sangue por amor. “Eu estava tão ensandecido que abandonei a mãezinha – que Deus a tenha, junto com o meu pai, no céu – e vim para Corumbá atrás da moça.
A garrafa esvaziara. Pedimos outra ao garçom.
“Quando cheguei aqui procurei-a por toda a parte. Abri este restaurante, economizei, prosperei, ganhei dinheiro, mas meu coração sangrava como o de um mendigo sem uma sopa fria para tomar. Um dia, um dia inesquecível, ao passar pela porta de uma igreja, vi um casamento. A noiva, toda vestida de branco, e uma grinalda de flores de laranjeira e um longo véu de renda seguro por dois pagens, um menino e uma menina, caminhava como uma princesa pela nave da igreja. Quando vi seu rosto senti algo terrível, como se um raio tivesse se abatido sobre a minha cabeça. A noiva era ela, a mulher dos meus sonhos. Saí da igreja como um cego, um morto desesperado, cambaleando, e assim fui até ao rio e nele atirei-me com a esperança de me afogar ou ser devorado pelas terríveis piranhas”.
A essa altura de sua narrativa, Alberto fez uma cara tão compungida que parei no meio a primeira garfada de pintado que acabara de ser servido. Seria uma indelicadeza degustar a comida ante tanto sofrimento.
“Mas esta é uma história feliz”, disse Alberto, mudando de semblante, “Não me afoguei pois nasci à beira do Elvas, onde aprendi a nadar, e as piranhas não quiseram comer a minha carne desventurada”.
Amor, o português sabia, era desvelo, respeito, mas também paciência. O mundo dava voltas. Seis meses depois do casamento, o marido da moça, que estava a pescar no Pantanal, caiu dentro d’água e como não sabia nadar, afogou-se. Alberto esperou um ano antes de começar a lhe fazer a corte.
“Isso merece um Terras Altas”, eu disse.
Não havia mais Terras Altas. Foi substituído por um Granleve. Para Corumbá era até bom demais. Saí do restaurante no estado de embriaguez que me deixava feliz. Além do mais gostava de histórias de amor que terminassem bem, como a do português.
Rubem Fonseca, A Grande Arte.
Campo das Letras