“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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29.3.08

Da Culpa

Tenho seguido com algum interesse mas sem oportunidade para escrever, a polémica em torno da figura jurídica da “culpa” que o PS pretende erradicar do processo de divórcio litigioso substituindo-a pela figura das “causas objectivas”. Eu que tenho sido uma crítica (objectiva), escrevendo amiúde sobre o assunto, da nomenclatura políticamente correcta deste governo, da tendência para (re)nomear palavras passíveis de causar susceptibilidade em minorias, bem como da nova ordem moral influenciada por Zapatero que tentam impor-nos para que todos sejamos belos, lisos, brilhantes e a cheirar a desinfectante mesmo que por dentro sejamos todos feios, porcos e maus, estou, e por uma vez, de acordo com o governo.

Se o divórcio unilateral proposto pelo BE é uma ficção absurda apesar de algo simpática porque nos permite divagar e sonhar com a possibilidade de um casamento unilateral também, já a questão da figura jurídica da “culpa” num processo de divórcio litigioso merece mais reflexão. Sobretudo merece que nos perguntemos se encontrar um culpado num processo de divórcio litigioso tem até hoje tido alguma eficácia no desenrolar do dito divórcio tornando as partes envolvidas menos infelizes bem como cumprimento das obrigações pós-divórcio, nomeadamente financeiras, da parte “culpada”. Eu até creio que o receio desse não cumprimento das obrigações, infelizmente tão normal e tão imagem da mesquinhez nacional (qualquer um de nós conhece casos destes infelizmente não é preciso sequer procurar) tem um efeito perverso na procura a todo o custo - da dignidade da pessoa, do equilíbrio emotivo dos filhos, etc – dessa “culpa” num último esforço de vingança num processo de divórcio. Um mau motivo, parece-me. O esforço deverá ser concentrado não em encontrar a “culpa” mas num acordo equilibrado encontrado se necessário com ajuda de mediação isenta, realista e exigente que obrigue ao cumprimento do que ficar estipulado em acordo ou pelo tribunal. O problema é que quem não cumpre não é punido, e garanto que não há “culpa” que obrigue a cumprir se a fiscalização não existe. Infelizmente. Por isso acabe-se com a culpa pelo divórcio e que seja culpado quem não cumpre a sua obrigação pós-divórcio. No fundo, no fundo é disto que se trata, não é? Pois obrigar a ficar casado quem não quer ou quem já “saiu” do casamento há muito parece estar fora de questão.

Também desta vez não concordo com a posição da Igreja. Primeiro porque a Igreja Católica nem sequer reconhece o divórcio, nem permite que casais divorciados e recasado9s só civilmente recebam os sacramentos, por isso este assunto pura e simplesmente não lhe diz respeito, tal como não diz respeito aos ateus tanta matéria religiosa. Em segundo lugar porque mesmo nos mecanismos da Igreja para dissolver casamentos (Declaração de Nulidade do Casamento) a noção de “culpa” não só não existe como nem sequer é encorajada. Nesta matéria a Igreja deveria, e também por uma vez, ser muito mais discreta e deixar a sociedade civil decidir.

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