
Ontem na Televisão
Miguel Sousa Tavares no seu comentário semanal na TVI considerou os atentados em Mumbai mais como uma manifestações de extremismo religioso típico da Índia do que de um atentado terrorista e face do terrorismo extremista que hoje nos ameaça.
Confesso a minha perplexidade entre esse preciosismo de ser fruto de extremismos “locais” versus extremismos “globais”. Realmente isso é indiferente uma vez que o tom de ataques deste género afectando civis e inocentes indiscriminadamente foi dado pela Al Qaeda que foi essa organização que mudou a face do terrorismo. Depois é difícil estabelecer fronteiras nítidas entre as “intenções” ou “origens” deste tipo de terrorismo uma vez que a Al Qaeda é uma organização que funciona com células autónomas e descentralizadas que podem decidir autonomamente como agir.
Também confesso o meu espanto perante a sua preocupação pelas manifestações de extremismos religiosos na Índia uma vez que nunca o ouvi sobre os recentes ataques de Hindus às comunidades cristãs. Mas, claro, sobre isso nunca interessa falar.
Não me pronuncio sobre o rigor histórico, que para mim em última análise é irrelevante, e as quase quinze páginas de bibliografia não impressionam. O que não é irrelevante é o tom com que essa História nos é dada ao longo do romance. Longas e demasiadas explicações num tom por vezes doutrinal que não escondem um um propósito pedagógico qualquer e que trata o leitor de uma forma paternalista como se fossemos uns ignorantes a precisar de ser ensinados, o que torna enfadonhos esses longos momentos e resultam numa dispersão da atenção do leitor que não consegue deixar de pensar que está numa série de múltiplas sessões de esclarecimento. Há uma sensação que ultrapassa a familiaridade e é mesmo de déjà vu nas conversas políticas entre personagens, com um sabor demasiado actual (em sentido histórico), o sabor que está ancorado nos anos 70 - um exemplo é o diálogo sobre pintura e comunistas que começa na página 235, e que soa estranho saindo da boca das personagens nas primeiras décadas do século passado. Grande parte das passagens históricas maçaram-me, considerei-as pouco esclarecedoras do ponto de vista histórico e excessivas do ponto de vista literário, e dei por mim a saltar parágrafos, nomeadamente nas intermináveis páginas sobre política brasileira dos anos 20 e 30.
Creio que este exagero em mostrar trabalho histórico esconde alguma falta de esforço e exigência literários nomeadamente ao nível das personagens que são poucas e pobres e que por isso dão pouca vida ao ambiente social em que se mexem. O romance, é pouco romance, tem pouca consistência, e é pouco abrangente. No fundo, e em termos literários, estamos perante uma novela com grandes explicações históricas pelo meio, que um objecto bem diferente de um romance histórico. Este é talvez o ponto mais fraco do romance e o equívoco do autor.
As personagens, como já referi, são poucas, pobres e bidimensionais, sem profundidade nem densidade suficiente para carregarem aos seus ombros o “fardo” de uma saga familiar e social. Valmonte, como personagem, parece mais forte do que quem a habita. Diogo é uma fraca personagem principal de quem se aprende a não gostar e que, com o desenrolar do enredo, vai desencantando. Rapidamente desenvolvemos alguma indiferença em relação a ela, ao seu tédio, aos seus anseios de liberdade, à sua inconstância. Nunca nos marca, nunca nos apercebemos nem vivemos a intensidade dos seus dilemas, do peso das suas opções. Há hiatos temporais em momentos decisivos da narrativa e da evolução das personagens, sobretudo nas três personagens principais: a decisão final, ou a inevitabilidade do Brasil para Diogo, o sofrimento de Pedro, quer depois de Angelina quer quando fica ferido, a solidão de Amparo, e a sua opção pelo local e não pela pessoa. Pedro, talvez porque mais simples, menos exposto e menos dado a inconstâncias e insatisfações, é um pouco mais trabalhado e parece ter outra profundidade que Diogo não tem, bem como parece, desde cedo, ter a marca da inevitabilidade do seu destino: a terra, Valmonte e Portugal. Amparo e Maria da Glória são dois bons projectos de personagens, duas promessas mas ficam por aí. MST parece ter um problema com as personagens femininas (tal como em Equador) e nunca lhes faz justiça: começa com um bom esboço, mas acaba num estereótipo. Amparo, pelo menos merecia melhor. As personagens, e muito especialmente as femininas, são outro dos pontos fracos do romance. A história da família evolui de uma forma que vai sendo previsível.
Apesar da receita mágica – já tão glosada pelos críticos - de exotismo e sexo, infalível a seduzir os leitores no seu anterior romance, Equador, creio que este (Equador) tem uma certa frescura e alguma inocência (por ser um primeiro romance?), lê-se de um fôlego só, e de ficamos presos ao desenrolar do enredo ou ao ambiente húmido de S. Tomé, esquecendo alguma banalidade estilística e previsibilidade, entretidos que estamos na espiral da narrativa. Isto é um mérito em Portugal onde normalmente - porque há excepções, se contam mal histórias. Rio das Flores é mais ambicioso, mais elaborado, mais presumido, mais premeditado, mais intencional, elevando a fasquia. Nas primeiras páginas nota-se logo esta característica, o que mais facilmente expõe o livro ao desapontamento de um leitor um pouco mais exigente.
Fica-me a sensação de um romance híbrido que não é nem uma coisa nem outra, antes pelo contrário. Não é suficientemente leve nem tem um enredo simples e básico para se ler como um romance “light”, nem é suficientemente estruturado e sério para ser um romance histórico, nem tão pouco é cuidado, sólido e elaborado, nomeadamente a nível das personagens e consequentemente no retrato da sociedade para ser considerado um bom romance familiar na boa tradição literária. MST foi demasiado ambicioso: apostou em todas as frentes, levou-se demasiado a sério enquanto romancista histórico, e o resultado não é tão brilhante como gostaria, diria até que mais baço do que o seu romance anterior.