“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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20.2.07

Adeus à XIS

Li, nas últimas semanas reacções de júbilo com o fim da revista XIS (aos Sábados com o antigo Público). Confesso que não percebo nem o porquê de tanto júbilo nem a necessidade de uma tão grande demarcação da dita revista. Eu lembro-me de quando ela surgiu e de ter curiosidade em a ler e ver como se desenvolveria o sua linha editorial. Era um projecto ousado, longe dos circuitos comerciais e publicitários a que estamos habituados e com uma linha editorial bem definida: que não depende da actualidade, evita as más notícias, e se vira para o bem-estar e o “crescimento” individual; e era dirigida transversalmente a um amplo público. Distinguia-se das secções de bem-estar e “crescimento” de outras publicações, nomeadamente femininas, pela consistência bem patente de uma moral subjacente a toda a publicação e incutida pela sua directora. A publicação era aberta a várias contribuições de diversas áreas e opções morais, éticas e religiosas, mas a sua linha era sempre patente.

Li a revista nos primeiros tempos e cedo me apercebi que o projecto se esgotaria depressa. Há um limite de vezes em que se pode escrever sobre o diálogo, mesmo considerando todas as suas variantes: entre pais e filhos, homens mulheres, entre gerações, inter-cultural, entre patrões e empregados, inter-religioso, assim como há um limite de vezes em que se pode escrever sobre a auto-estima, a segurança afectiva, os medos, a partilha, o viver só, o criar filhos em situações limite, a vida espiritual e tudo o mais. Tudo de uma forma sensata (demais?) mas muito light, de forma acessível mas um pouco simplista. Sem o constante refrescar e os pretextos da actualidade, sem um comentário ao aqui e agora, uma revista ligeira optimista e impressionista, por muito boa intenção que tenha e por muito boa que seja a onda e a energia de quem nela escreve, começa a esgotar-se, a viver da exploração dos seus temas de sempre (ad nauseam) e oferecer-nos um excesso de psicólogos em mais de metade das páginas da revista. Já não existiam mais conselhos e ideias para aumentar as nossas sempre frágeis auto-estimas, para melhorarmos o diálogo inter geracional, para aceitarmos os outros ou para nos abrirmos a uma vida espiritual. Por isso a XIS acabou. Eu até fui surpreendida com a sua longevidade, pois já nem a abria. De vez em quando ainda espreitava a Biografia das últimas páginas, mas era tudo. Não me surpreende o seu fim, mas não me regozijo com ele.

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