“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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10.2.07

Retrocesso Civilizacional

Um dos argumentos mais extraordinários do “sim” - até o Primeiro-ministro fez eco dele - foi o de que a vitória do “não” significaria e implicaria um retrocesso civilizacional. Ou vivemos em civilizações diferentes, ou não estamos a falar da mesma realidade, pois não percebo que retrocesso civilizacional é esse que vem do facto de termos uma lei que não permite o aborto a pedido até às 10 semanas, nem tão pouco que avanço civilizacional esperamos alcançar, ao permitir o aborto livre até às dez semanas. Despenalizar o aborto até me parece uma forma de resignação e de cruzar os braços perante uma realidade difícil de prevenir e mais difícil ainda de entender e irradicar tal o carácter pessoal e íntimo de que se reveste.

Creio que falamos da mesma civilização: da civilização Ocidental que nasceu no mediterrâneo, a da Idade Média, do Renascimento, das Luzes, aquela que após a Grande Guerra e também a Segunda Guerra Mundial se equipou de inúmeras Cartas e outras tantas Organizações em defesa da Paz, da Vida e Dignidade Humanas. Quando se acredita, ou mesmo quando se têm dúvidas, que às dez semanas haja vida humana, a civilização de que me sinto parte, faria tudo para que essa vida fosse preservada e respeitada, pois o valor da vida humana estaria, nesta sociedade de que eu faço parte, repito, acima de muitos outros valores, por muito legítimos que sejam. Legalizar o que vai contra esse valor, parece ser um mau princípio e um sinal de fraqueza, mas reconhecê-lo, combatê-lo, preveni-lo e limitá-lo, seria já prova de força e não de fraqueza. Legalizando não se combate, resigna-se. Aceito, no entanto, as críticas dos adeptos do “sim” que falam do facto de tão pouco ter sido feito ao longo dos tempos para limitar e reduzir o número de abortos e creio que têm razão na crítica que fazem à passividade dos governos e da sociedade em geral perante esta realidade. Mas legalizá-lo não me parece a solução. Não há avanço civilizacional nenhum em não colocar o valor da vida antes dos outros, por muito válidos que sejam, e são. Não há avanço civilizacional em legalizar o que está mal.

Quero colocar uma última questão que já tenho visto colocada. Se o “sim” ganhar, quando é o próximo referendo? Ou só se fazem referendos até o “sim” ganhar? Não haverá algo de errado neste pressuposto?

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