A recente revelação de cartas de Madre Teresa de Calcutá em que ela dá conta das suas profundas dúvidas e crises de fé, tem sido alvo de comentários mais ou menos jocosos, sobretudo vindos de sectores mais agnósticos, ateus e anti-clericais. Eu sempre senti alguma divertida perplexidade pelo fascínio que os assuntos quer de fé, quer de doutrina, quer litúrgicos relacionados com a Igreja Católica exercem naqueles que estando fora nunca se cansam de os comentar e na persistência com que o fazem. Muitas vezes, se não quase sempre, os comentários são baseados em ignorância pura e dura, o que não é de admirar, e outras vezes chegam mesmo a ser tingidos de má-fé.
Não me vou alongar sobre a milenar tradição de dúvidas, crises pessoais e crises de fé, nomeadamente, porque mais “visíveis”, dos Santos Canonizados e mesmo de muitos Doutores da Igreja. Nem me demorarei sobre questões de fé que se prendem com o livre arbítrio. No entanto citarei as recentes palavras de Bento XVI no Angelus a 26 de Agosto, um texto curto e fácil. À pergunta "Senhor, são poucos os que se salvam?" a resposta de Jesus é: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita” (Lc 13, 23-24). Depois, mais adiante, o Papa destaca muito claramente e sem hesitações nem excepções, nem casos especiais, nem outras considerações supérfluas, os critérios ou o “passaporte” para entrar na vida eterna: a bondade do coração, com a humildade, com a mansidão e a misericórdia, o amor pela justiça e a verdade, o compromisso sincero e honesto pela paz e pela reconciliação. É só isto e é simples. Em momento nenhum se fala em certezas inabaláveis, em verdades incontestadas ou absolutas.
Para mim, este texto é particularmente interessante e bastante ousado porque centra o essencial do catolicismo em três ou quatro conceitos básicos, e sendo um texto limpo de ruído percebemos como tantas questões fracturantes que ao longo dos tempos alimentam e entretêm não só a própria Igreja e os seus fieis, mas também a humanidade, são excêntricas ao core da mensagem cristã de salvação. Assim acaba por ser secundário ou diria mesmo irrelevante, ter dúvidas ou não, hesitar ou não, questionar ou não. Exemplos não faltam e poderia alongá-los para áreas, nomeadamente da moral sexual ou da reprodução, tão do agrado e tão bandeira de combate de alguns agnósticos, ateus, republicanos e laicos e, em contrapartida, com posições por vezes tão extremadas e tão radicais do lado dos fieis ou mesmo da própria Igreja.