“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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30.9.07

Hospitais, Capelanias e Anti-Clericais 1

Apesar de não conhecer em detalhe o tipo de funcionamento das capelanias nos hospitais, as obrigações contratuais de ambas as partes, os custos e mesmo a pertinência da manutenção do modelo de serviço tal qual ele é prestado hoje, quase em exclusividade – senão em exclusividade total pela Igreja Católica, admito desde já a necessidade de que seja revisto e de que haja aspectos obsoletos e desajustados à realidade do Portugal de hoje que necessitem de reformulação. Sou também inequivocamente partidária de um estado laico e da rigorosa separação entre a religião (seja ela qual for) e o poder político e a sociedade. O que continuo a não entender é que para alguns sectores conservadores, sim que o anti-clericalismo e a bandeira da laicidade do Estado num país como o nosso e nos dias de hoje parece-me uma posição muito conservadora que terá tido a sua justificação noutros momentos da História, se confunda laicidade com uma recusa cega em aceitar a religiosidade de uma população e um sentimento religioso maioritário numa sociedade. Nesta semana que passou o debate sobre a proposta do governo de alterar o funcionamento das capelanias e assistência espiritual nos Hospitais trouxe tais sentimentos anti-clericais à tona na comunicação social e nalguns blogues nomeadamente aqui, aqui e aqui.

Um estado laico não pode ser nem surdo nem cego perante a realidade religiosa de um país. Esta realidade não é só feita da fé, por muito que os sectores mais conservadores da Igreja o pretendam, é feita muito e talvez sobretudo de uma realidade cultural. Se só se casasse pela Igreja quem tem fé, se só participasse nas diversas órbitas da Igreja quem tem realmente fé, teríamos ainda menos católicos praticantes e fieis aos sacramentos do que temos hoje. O aspecto religioso é bem mais complexo, amplo e vasto e está enraizado na nossa cultura e é impressão digital da nossa civilização (ver aqui). Ao minimizar ou negar este facto o anti-clericalismo está, ao contrário do que pensa, a ser faccioso e não isento, pois ignora a liberdade individual de ser religioso da forma que bem se entenda, nomeadamente de ser um mau religioso, um religioso assim assim, de não acreditar muito, mas sentir-se melhor com a imagem de N. Senhora de Fátima ao lado, de não concordar com a confissão, mas gostar de saber que se quiser tem uma igreja aqui e um padre ali, de nem se dar ao trabalho de ir à missa ou jejuar duas vezes por ano, mas dar sempre 50 Euros para as festas do santo da terrinha e queimar umas velas, de só se lembrar de Santa Bárbara quando troveja, mas de chamar um padre para benzer a casa, o barco, a nova fábrica, a nova escola. Outra característica do anti-clericalismo é uma obediência ao politicamente correcto actual tentando sempre uma espécie de humilhação ou subalternização da Igreja Católica ao pretender que em Portugal todas as religiões têm a mesma expressão, a mesma importância e relevância social, intelectual, afectiva e simplesmente numérica. Não têm como todos bem sabemos.

(Continua)

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