“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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24.2.08

Houve Sangue

Num período em que tenho ido ao cinema mais vezes do que o habitual, confesso minha perplexidade quando um filme que vejo me suscita sentimentos e opiniões tão diametralmente opostas àquelas que leio escritas pelos críticos. Ninguém nunca olha de forma igual para um mesmo objecto, mas normalmente e mesmo que a adesão, opinião e impressão final em relação ao objecto, neste caso um filme, seja divergente costuma haver uma concordância nisto ou naquilo: uma forma de olhar que coincidiu, uma apreciação ou uma sensação. Este preâmbulo a propósito de Haverá Sangue, um dos filmes mais louvados da temporada e com mais nomeações para os Óscares que serão atribuídos esta noite. Sem negar a qualidade e rigor dos aspectos técnicos, algo que reconheço sem no entanto saber ou perceber bem, nem negar alguma agradável contenção, o filme foi um dos mais desagradáveis que vi ultimamente. Feio, aborrecido, monocromático - dos tons castanhos ao negro viscoso do petróleo a cansar a vista, demasiado preguiçoso, mas com capa de subtileza na abordagem do binómio tão americano da dicotomia empreendedorismo, capitalismo e desenvolvimento por um lado e puritanismo espiritualidade e temor a Deus pelo outro, e dependendo inteiramente de um Daniel Day-Lewis que foi igual a si próprio e muito previsível, no sentido em que se supera como actor para se fazer como personna mas que, uma vez encontrado o seu “tom”, percorre todo o filme sem outras modelações na composição da personagem. Entre esta performance e a de Viggo Mortensem em Eastern Promises, (o outro nomeado para o Óscar de melhor actor que vi), nem hesitaria em escolher este último.

Como filme épico é pobre, como história de um homem só e que só sabe fazer uma coisa, é longo e aborrecido sem nada que atraia o espectador normal que gosta de ir ao cinema, e não falo de rodriguinhos, falo de um qualquer pathos. A banda sonora é rigorosamente de fugir o que condiz com o resto do filme, e aí a coerência é grande, e é demasiado “esperta”, despojada e agressiva. Talvez daqui a uns anos, quando me esquecer de quão desagradável foi ver o filme, possa revê-lo e descobrir o que agora não descobri. Para já, e para mim, o rei vai nu mas não sei se logo não irá com um ou mais Óscares na mão.

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