“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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8.4.08

Crónica Da Vida Num Resort

Se um grande e bom hotel urbano (Oriental em Bangkok, por exemplo) ou que já conheceu melhores dias (Sheraton em Guadalajara, por exemplo) tem sempre algo de aristocrático, já um bom resort é essencialmente burguês na sua procura de luxo e conforto e um mau resort um espelho demasiado real de uma sociedade de abundância. O resort é burguês quer na sua intenção, a de imitar o paraíso, quer nas suas funcionalidades que visam adivinhar e satisfazer os desejos conscientes ou inconscientes que os clientes num determinado momento e circunstância associam a paraíso: praia, sol, piscina, havaianas, algum desporto aquático feito com indolência, comida fresca e abundante, bebidas frescas, spa, não fazer nada. Por uns dias andei iludida com o paraíso.

Mas um dia chovia abundantemente e o céu cinzento não deixava prever nenhuma aberta. Foi o pretexto necessário para sair do resort e, dentro de um taxi, olhar o Recife e Olinda. O Recife é uma cidade que não se imagina: velha, mal tratada, pobre, descuidada, sem graça. Só a boa vontade de um turista determinada em não se deixar deprimir percebe entre o cinzento do céu, o molhado da chuva o desleixo da cidade e a falta de vida e de vibração, no centro da cidade degradada umas pontes que poderiam ter charme, umas ruas velhas com um casario antigo que carrega alguma nostalgia, uns edifícios coloniais que pintados e reabilitados dariam graça à cidade, enfim uns sinais de pertença, da história que fez a cidade, que é a cidade. Fora isso, os subúrbios lembram África sem serem África, e a parte nova dos prédios altos e dos condomínios não-sei-quê é simplesmente inenarrável. Não me demorarei nos clichés do país rico, da pobreza, da distribuição de riqueza no Brasil, mas lembrei D. Hélder Câmara, o simpático e controverso Bispo de Olinda e Recife que fazia gala em dizer “se eu dou comida a um pobre, me chamam de santo, mas se eu pergunto por que ele é pobre, me chamam de comunista" e que se tornou personna non grata no pontificado de João Paulo II. Assim num dia cinzento e de chuva, D. Hélder Câmara parecia fazer mais sentido naquele Brasil que eu vi do que João Paulo II, mas devia ser da chuva.

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