“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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25.4.09

"Tomar Medidas"

A capa do Público de hoje “Os jovens têm que estudar até aos 18 anos, mas podem trabalhar com 16” mostra a ligeireza com que se anunciam medidas sem aprofundar todas as implicações, nomeadamente em termos de legislação já existente, que cada nova medida/lei pressupõe.

Não ponho em causa a bondade da lei que, no entanto, exigia ser bem amadurecida em termos do sistema de ensino e de opções que os jovens de 14 anos para cima e sem “vocação” para os estudos possam contemplar de forma positiva e útil para o futuro. Ponho em causa, no entanto, a forma como é feita e a calendarização do anúncio. Todos os dias um anúncio; todos os dias uma medida: um dia a possibilidade de acesso às nossas contas bancárias por funcionários administrativos, com inversão do ónus da prova para fiscalizar eventuais enriquecimentos ilícitos, no outro dia é uma nova auto-estrada que se anuncia e no dia seguinte são os genéricos gratuitos para os mais velhos e mais pobres, e no dia seguinte a escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Tantas medidas deixam-me algo atordoada: um dia olho para a saúde, outro para a educação, outro para as obras públicas, outro para as liberdades individuais, outro para os impostos numa tentativa de perceber a conveniência, justeza e bondade das medidas. Torna-se complicado uma avaliação séria por parte dos eleitores, e capaz de passar para além do ruído do marketing político e da retórica do “anúncio”; mas talvez a intenção seja essa mesma: a de que os eleitores se atordoem, se deslumbrem e se percam no mar de anúncios. Eu confesso a minha incapacidade para descobrir uma política coerente, uma estratégia para o país e para o combate à crise; não consigo perceber um rumo, uma visão um “todo” coerente que faça algum sentido.

Estas medidas avulsas parecem ser de quem desesperadamente precisa de “fazer alguma coisa” para que ninguém se detenha a pensar “noutras coisas”. E assim sendo, até parece que a crise financeira internacional que desencadeou “a” crise em que o mundo mergulha, não poderia ter chegado a uma hora mais conveniente para José Sócrates. É o pretexto perfeito para legitimar anúncios (contra o bota-abaixismo, há que tomar medidas para combater a crise, diz o Primeiro-ministro), uns atrás dos outros, sempre em ambiente preparado para o efeito e para maximizar o impacto mediático, que se materializam em medidas dispersas e de razoabilidade e viabilidade discutíveis e tantas vezes contestadas por vários sectores da sociedade. Se tem sido assim até agora como será daqui para a frente, e até às eleições legislativas? Temo pelo que ainda nos espera e pergunto-me se não haverá também alguma má-fé nesta torrente de anúncios em clima eleitoral com o caso Freeport em pano de fundo. Nada me faz esperar melhor pois nada parece abalar a determinação do Primeiro-ministro que está empenhado numa verdadeira luta mediática apostada em vencer o pessimismo (e em distrair os eleitores?), se lança numa cega fuga para a frente, afundando a pouco e pouco o país num desequilibro financeiro perigoso que tantos já vêem. Tudo leva a crer que, tal como já tem sido dito, nos arriscamos a sair da “crise” (a internacional) pior do que estávamos quando nela entrámos.

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