“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
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8.2.09

Actos Estúpidos

Michael Phelps pediu desculpa por aquilo que considerou ter sido um “acto estúpido” (Público, edição impressa de ontem). É mais um a entrar no universo dos que pedem desculpa em público de “actos estúpidos” tantas vezes privados e que nunca sequer deveriam ser do conhecimento público. Mas o mundo é como é e as figuras públicas estão constantemente debaixo do olho dos media que não perdem o scoop que um “acto estúpido” promete sempre. Gostei desta definição de “acto estúpido” que Phelps deu, pois pareceu-me muito mais rigorosa do que outras mais sofisticadas tantas vezes dadas a actos semelhantes. Phelps é um ser humano e os seres humanos fazem coisas estúpidas em privado e em público. O problema de Phelps foi ter sido fotografado e ter visto a sua foto a fumar cannabis correr o mundo com a rapidez e eficácia que todos hoje conhecemos. Aí Phelps pessoa e Phelps “marca” entram em conflito e alguns patrocinadores recuam nos patrocínios, pois a imagem dada pela “marca” não é coerente com a imagem da marca dos produtos que vendem. Como a marca Phelps tem um valor (em termos de dólares) que não pode ser negligenciado, a pessoa Phelps sente-se na obrigação de fazer um pedido de desculpas público, e fá-lo, coisa que me parece desnecessária e até ridícula. Como se o acto de fumar cannabis numa festa com amigos fosse um gesto premeditado e deliberado para ofender alguém, e não um possível (e discutível) “acto estúpido” que Phelps tão sensatamente qualificou.

Estes pedidos de desculpa, que agora tão na moda estão, parecem ser úteis a ajudar a limpar as consciências colectivas habitadas pelas várias culpas que a nossa sociedade se propõe expiar. Nos EUA um pedido de desculpas público por “actos estúpidos” cometidos, ou até por outros menos estúpidos e mais sérios mas do foro privado, tem mérito e a capacidade de regeneração e aceitação pública de quem o faz parece ser inegável. Estes gestos sempre me intrigaram, tão alheios parecem ser à minha genética, sempre me causaram algum repúdio e tantas vezes me parecem mais abertamente atentados ao pudor e à honra do que os “actos estúpidos” de facto cometidos. Uma sociedade que exige pedidos de desculpa públicos por “actos estúpidos” é uma sociedade malsã e hipócrita que desbarata e maltrata os conceitos de ofensa, de arrependimento e de perdão.
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