“… he resolved never again to kiss earth for any god or man. This decision, however, made a hole in him, a vacancy…” Salman Rushdie in Midnight’s Children.
holehorror.at.gmail.com

28.2.10

Coisas que se podem Fazer ao Domingo 47

René de Saint-Marceux
Génie Gardant le Secret de la Tombe


Guardar um Segredo.

Depois da “Asfixia Democrática” Manuela Ferreira Leite fala, no Congresso dos Autarcas Sociais Democratas, na “Democracia Condicionada” (e a “má qualidade da democracia”) – Diz MFL que “a imagem é tudo para o engenheiro Sócrates e em nome dela vivemos numa democracia condicionada”. Também acusa o Primeiro-ministro de construir uma agenda ao serviço da sua imagem e não do país onde todos os dias pequenas empresas abrem falência aumentando o desemprego para niveis de “emergencia nacional”. Acusa também o Governo de suportar mal o poder local como “suporta mal tudo o que não possa controlar ou manipular a seu belo prazer”. Manuela Ferreira Leite igual a si própria a terminar o seu mandato. Ainda bem, pois até ao lavar dos cestos é vindima.

Estou certa que esta nova expressão de “Democracia Condicionada” merecerá atenção e desdém, e estas críticas, servirão para alimentar a horda de cínicos crónicos em relação a MFL, e que vêem em tudo o que ela faz ou diz, motivo de nojo, e pretexto para acusações de desporporção ou insensatez. No entanto MFL tem funcionado como um oráculo. As suas afirmações mais cedo ou mais tarde acabam por se revelar axiomas, por muito contestadas que tenham sido, ou por muita irritação que tenham causado ao establishment.

O Estado a Que Isto Chegou retratado aqui.

Ora vejam só: que topete achar que Rangel é um predestinado a mudar o país, porque sim, e Passos que consideram igual a Sócrates, porque sim, também Porque será? Ainda por cima desprezam a política e votam todos PSD ou CDS. Que malandros estes amigos.

25.2.10

An Education

An Education é um filme onde os pais, pelos motivos errados, querem que a filha faça a coisa certa. No entanto há um momento em que, para eles e para a heroína, casar ou ir para Oxford parecem ter o mesmo valor em termos de assegurar um futuro. Este é o sumo do enredo de um filme muito simpático, simples e bonito de se ver, em que Carey Mulligan brilha do princípio ao fim no papel de uma rapariga londrina, de classe média, inteligente e cheia de aspirações, e que gosta de ouvir Juliette Greco. Já há muito que não via uma actriz nova chegar aos ecrãs e agarrar um filme com esta simplicidade e com um ar tão fresco e tão pouco “Hollywoodesco” - apesar das cenas glamour que abundam no filme e desse glamour lhe assentar como uma luva.

An Education está nomeado para três Oscars: Melhor Filme (um exagero), Melhor Argumento Adaptado e Melhor Actriz.

Uma nota só sobre a tradução das legendas. Muito fraca um dos casos gritantes foi a tradução de Civil Service por Serviço Cívico. O que é que estudam estas alminhas tradutoras? Não há nenhum tipo de controle de qualidade para traduções?

Jane Austen

Do mesmo modo que temos os nossos odiozinhos de estimação, também temos os nossos amores de estimação que nutrimos e acarinhamos ao longo dos tempos. Um desses amores é a Jane Austen, uma das mulheres inteligentes com quem convivo regularmente há já muitos e muitos anos. Quem tem a paciência de vir espreitar este blogue e ler o que por aqui se vai escrevendo sabe que gosto de literatura, sobretudo romances e do séc. XIX, já agora. Jane Austen é especial pela sua inteligência (já disse), pela sua forma de ver a sociedade e pelo seu humor: nunca me cansei de a reler, coisa que faço regularmente e, claro, continuo a rir e a comover-me. Sinto até algum embaraço em confessar quantas vezes já li, por exemplo, Orgulho e Preconceito, que é o seu melhor romance. Aquele de que gosto menos, Mansfield Park, já li três vezes. É delicioso o humor de Northanger Abbey e Mr Tilney é o seu herói mais divertido (e cerebral); gosto do amor em Persuation, impossível não gostar de Anne Elliot a sua heroína mais comovente; Emma tem intriga e humor que chegue e sobre e Sense and Sensibility tem de tudo um pouco. Mas a coisa não fica por aqui: tenho várias edições dos seus romances, (alguns dos livros estão já demasiado gastos e compro outro, não vá ficar sem ele!), até traduções para português que nunca li, e finalmente, tenho uma colecção, em VHS e sobretudo em DVD, de todas as adaptações para filme ou televisão que se fizeram dos seus romances desde os anos 70.

Por isso foi com prazer que, depois de o ter visto em A Month in the Country e em Another Country, revejo Colin Firth como Mr. Darcy na famosíssima adaptação de 1995 para televisão de Pride and Predjudice. Mas o tempo passou e Colin Firth hoje, e finalmente em Single Man, despiu de vez a aura de Mr. Darcy que carregou, talvez sem querer, durante demasiado tempo e da qual não conseguia libertar-se. Foi premiado por isso, e para bem da sua carreira, com os prémios já ganhos (BAFTA; Veneza) e a nomeação para o Oscar de Melhor Actor. Nomeada também para o Oscar de Melhor Actriz está a britânica Carey Mulligan pelo seu papel de Jenny no filme An Education. Também ela emergiu numa recente adaptação de 2007 para televisão de Northanger Abbey, em que fez um excelente trabalho - que se destacou - como a loira Isabella Thorpe: uma rapariga sabidona, fútil, falsa e cheia de esquemas que se faz amiga da heroína Catherine. Jane Austen no percurso de ambos.

Dando Excessivamente Sobre o Mar 50


James McNeill Whistler (1834-1903)
Nocturne; Blue and Gold - Southampton Water



Depois de ouvir o que Henrique Monteiro disse ontem na dita Comissão de Ética, confirmo, para meu grande constrangimento, que:

Eles não têm vergonha (entre as outras muitas coisas que não têm, por exemplo, sentido de Estado).

O pais merece-os. O que seria notícia de primeira página nos jornais de hoje em qualquer país civilizado e que preze a democracia, a liberdade e a independência entre instituições e poderes, é relegado para segundo plano e o país ouve tais declarações com a tranquilidade (às vezes parece mais estupor do que tranquilidade) de quem come castanhas. Estranho país, estranha gente.

23.2.10


Ontem na Televisão

Alberto João Jardim entrevistado por Judite de Sousa, com determinação, segurança e lucidez, mostrou e relembrou ao País porque é que é “O” líder da Madeira há mais de três décadas.

José Sócrates, entrevistado por Miguel Sousa Tavares, viu-se encostado ao canto do reconhecimento de coincidências. Só coincidências. Quanto ao resto, a segundo parte, só serviu para confirmar o quanto me é insuportável ouvi-lo: a sua voz, o tom da sua voz e, claro, o que diz que é sempre igual e mais do mesmo. E então aquele optimismo postiço, teimoso e martelado desapiedadamente aos nossos ouvidos...

Família Tradicional, Um Exemplo

(daqui)



However (digo eu)

21.2.10

Um Homem Singular


Leio numa entrevista a Tom Ford (que desenhou os vestidos mais elegantes da década de 90 pela Gucci e que agora fez um filme) a sua confissão de que, tal como a personagem principal do seu filme – uma espécie de alter ego, segundo o próprio, se sente atraído por mulheres, o problema é que nunca se apaixona por elas, só por homens. Diz o entrevistador, com a concordância do entrevistado, que isso é a situação menos usual, que é mais frequente um homem gay apaixonar-se por uma mulher mas não conseguir ter desejo por ela. Confesso a minha perplexidade perante estas nuances, e mais ainda perante esta arrumação tão direitinha de fronteiras tão bem definidas entre paixão, desejo e afins.

Single Man é um pouco o reflexo deste mundo arrumado e compartimentado. É formalmente impecável a todos os níveis e sem descurar um único detalhe. Poderia ter caído no exagero formal que traz consigo sempre algum vazio, mas Colin Firth, num trabalho notável, não deixa nunca que isso aconteça. Os outros actores, é justo dizê-lo, nomeadamente Julianne Moore, são também muito bons e permitem dar a este filme a espessura necessária para que seja um muito bom filme. A cena de Colin Firth ao telefone quando é informado da morte do seu companheiro é absolutamente notável: pelo trabalho de representação, mas também pelo que mostra, sem mostrar, do que é a vida de um casal gay, do que é ser gay, na América dos anos 60.




20.2.10

A forma como a PT (Portugal Telecom) tem sido instrumentalizada e vilipendiada pelo governo e seus acólitos, sob o olhar passivo ( e conivente?) da administração, é difícil de acreditar e absolutamente inaceitável num estado moderno e democrático. Como um governo se permite pôr em causa a independência, a imagem de competência e o prestígio de uma das maiores empresas portuguesas, brada aos céus. Este (e outros) caso de gritante promiscuidade entre o mundo económico (e financeiro) e o governo há-de afectar-nos a todos, não só à PT. Estas leviandades pagam-se muito caro.

19.2.10

Plataforma Contra a Obesidade 58

Paolo Antonio Barbieri ? (1603-1649)
Kitchen Still Life

Delirante

Qualificar como “delirante” a ideia de um plano de controle dos media é um acto político pouco consistente: primeiro porque mostra a sua fragilidade actual na necessidade de contra atacar, no matter what, e depois porque mostra, mais uma vez a dificuldade em encontrar argumentos capazes de colocar um ponto final na questão da tentativa de manipulação dos media, bem como argumentos que contradigam as legítimas ilações que a oposição tira face aos fortíssimos indícios (ver jornal Sol, por exemplo) que a pouco e pouco vão sendo revelados, e aos factos (saída de Manuela Moura Guedes, entre outros) já amplamente conhecidos. José Sócrates é perito em se envolver em situações pouco claras que a imprensa vai desvendando e tem deixado sempre um rasto de suspeição atrás de si que nunca é possível limpar totalmente. Ele é vítima de si próprio, dos seus métodos e companhias (como disse António Lobo Xavier ontem na Quadratura do Círculo) e acrescentaria, da sua falta de contacto com a realidade que o leva a desconhecer o país, e mesmo as suas limitações: suas, e dos “seus”.

A comunicação ao país ontem do Primeiro-ministro é mais do mesmo; igual a todas as outras. Insiste em tomar-nos por parvos – característica que inevitavelmente se virará contra ele – iludindo esclarecimentos, brincando com palavras, mostrando–se, como já é hábito, vítima de insinuações, calúnias e mentiras. Fica-nos a sensação do pouco que governa, nada de novo, portanto.

16.2.10


Nada como o reconhecimento da inequívoca competência no exercício do cargo que até agora desempenhou para merecer congratulação de todos os sectores na recente promoção ao BCE. É o que se chama uma sociedade que promove o mérito.

Crónica Feminina



Oportunidade Desperdiçada

Já passou quase uma semana sobre a entrega desta petição na Assembleia da República. Vi uma breve reportagem na televisão do acontecimento que contou com apenas umas poucas dezenas de pessoas, apesar dos apelos nos blogues. Olhando para trás tenho de concordar com o que escreveu, no dia seguinte, João Távora aqui no Corta-Fitas:

Independentemente de considerar que iniciativa de ontem Todos Pela Liberdade cumpriu o seu desígnio, a fraca mobilização das pessoas para a rua confirmou aquilo que sempre afirmei sobre os limites da influencia dos blogues no mundo real. Não desmerecendo as suas obvias virtualidades, principalmente na democratização da escrita em geral e da opinião em particular; esta plataforma em termos imediatos funciona para um circuito fechado, em grande parte constituído pelos próprios intervenientes. É de forma indirecta que o que dela transpira chega ao país real. Devagar, mas chega; coisa que lhe retira competência para per si mobilizar acções de rua. Estas para serem bem sucedidas, necessitam de, além doutras ferramentas comunicacionais complementares, recursos logísticos e financeiros apenas acessíveis às instituições bem implantadas, sindicatos ou partidos. Claro está que uns autocarros, umas bifanas e umas cervejas serão sempre um selo de garantia para o sucesso.

Ter razão (no sentido de acreditar que) não basta. Ter razão e ter vontade pode inebriar, mas continua a ser manifestamente insuficiente. Uma boa ideia que faz disparar o entusiasmo (e ainda bem) é apenas, e na melhor das hipóteses, um bom começo. Um pouco, realismo, sentido das proporções e humildade são sempre úteis para todos e em todas as circunstâncias. T-shirts brancas só aumentam o folclore, e tiram dignidade e força à boa ideia.

Dito isto tiro duas conclusões. A primeira é que no “mundo real” a mobilização ainda está nas mãos de poucos: estruturas partidárias, sindicatos, e claro, a Igreja Católica (que não sei como o João Távora se esqueceu de mencionar). A segunda é que, lamentavelmente, e contra a minha vontade, não posso impedir-me de pensar que, do ponto de vista político, a petição (que assinei, repito) e respectivo gesto simbólico, a manifestação para a sua entrega na Assembleia da República, foram – to say the least - uma oportunidade desperdiçada.

14.2.10

A Natureza das Coisas

O frio que se faz sentir pede duas coisas: ou passeios energéticos longe do cimento das cidades, daqueles que deixam a cara corada e a ponta do nariz brilhante, ou o conforto das brasas de uma lareira, entre livros, revistas e DVDs. Eu gosto sempre quando chove e faz frio no Carnaval. Podia até chover a cântaros e fazer um frio árctico que não me importava. Penso sempre que isso me pouparia o esforço de tentar não ver, ou o embaraço de ver, as múltiplas imagens dos chamados desfiles tradicionais (tradi... quê? eles sabem mesmo o que quer dizer a palavra tradição?) carnavalescos de inspiração brasileira e tropical e que inundam o Portugal da província de norte a sul para gáudio e orgulho dos “foliões” (só ouvir a palavra já faz mal, quanto mais vê-los) locais. Esses desfiles são verdadeiros atentados à natureza das coisas... mas que é isso perante a força da estupidez humana? A minha esperança acaba por ser, tantas vezes, vã e esmagada por essa força e lá tenho eu que arranjar maneira de não ver nem ouvir falar de desfiles de carnaval. Basta uma nesga de sol para saírem à rua: artificiais, feios e frios, sob o olhar de meia dúzia de “foliões” acompanhados por criançinhas pálidas e vestidas de poliéster que, agitando-se informemente, fingem alegria.

10.2.10

Até que enfim, um bom motivo para ligar a televisão hoje às 20h.

9.2.10

Bruxelas (2009)

Assis diz que Paulo Rangel passou para um estado de verdadeiro delírio. Outro que não resiste à fácil (e nada nova) tentação de acusar a oposição de estar louca ou ensandecida. Tão fim dos tempos. Tão declínio à vista. E sobretudo tão irracional (pouco razoável). De Assis esperava melhor, (esperava mesmo?). Paulo Rangel tem toda a liberdade de fazer as intervenções que achar por bem fazer: não são indignas e mostram que Portugal tem outras vozes que não a de José Sócrates. Ainda bem que Rangel falou.

O Quê?

Ouvi no Primeiro Jornal da SIC que os promotores da manifestação de 5ª feira Todos pela Liberdade pedem que os manifestantes se vistam de branco. O quê? Vestir de branco? Para quê? Ninguém explicou e justificou esse estranho pedido e por muitas voltas que dê à cabeça, juro que não entendo, nem a motivação para tal pedido nem o possível simbolismo deste branco. Deve ser algo de muito rebuscado.

Este é um caso típico de decisão folclórica e absolutamente dispensável e desnecessária, (mas certamente tomada com entusiasmo), que irá afectar a eficácia e a seriedade de uma iniciativa por muito mérito que tenha. Também é preciso manter os pés na terra, e do ponto de vista prático, pergunto-me qual a disponibilidade de quem trabalha (é um dia de semana) e em pleno Inverno se vestir de branco, para uma manifestação à hora do almoço.

Dito isto. Assinei a petição e aplaudo a iniciativa cujo mérito está em abordar uma das mais importantes questões na forma como vivemos a nossa democracia: a independência, ou falta dela, dos diferentes grupos de comunicação social face ao governo e que invariavelmente afecta e condiciona a liberdade, ou não, de expressão, nomeadamente a que se manifesta e ganha corpo quer através da livre expressão de opiniões pessoais, quer a livre decisão sobre linhas editoriais nos diferentes meios de comunicação social. Poderia também falar, por exemplo, da forma como o Estado dá publicidade aos diferentes meios de comunicação social, condicionando assim também a liberdade de expressão.




7.2.10

Coisas que se podem Fazer ao Domingo 46

Clodion (1738-1814)
Nymph and Satyr Carousing


Beber Excessivmente

Da Percepção

O autoritarismo natural de Sócrates não basta para explicar essa aberração na essência inteiramente inexplicável. Tanto mais que ela o prejudica e dá dele a imagem de um homem inseguro e fraco. Pior ainda: de um homem desequilibrado e perigoso. A única hipótese plausível é a de que o primeiro-ministro vive doentiamente no mundo imaginário da propaganda. Ou melhor, de que, para ele, a propaganda substituiu a vida: Sócrates já não partilha ou nunca partilhou connosco, cidadãos comuns, a mesma percepção de Portugal. Do "Simplex" que nada simplifica ao estranho melodrama sobre as finanças da Madeira que nada pesam, aumenta dia a dia a distância entre o que país vê e compreende e o que o primeiro-ministro afirma enfaticamente que é. Está perto o ponto em que só haverá uma solução: ou desaparece ele ou desaparecemos nós.

Vasco Pulido Valente no Público de hoje, fala da fantasia em que José Sócrates vive. Eu diria mais: ele sempre viveu nesse mundo paralelo fabricado de propaganda, anúncios e medidas, e movido pelo seu combustível de eleição: um teimoso e obstinado optimismo de uma superficialidade e ignorância confrangedores e incapazes de resistir a um qualquer escrutínio. Essa percepção de Portugal tão sua (de Sócrates) já contaminou o átomo (repito átomo, a que atribuo o sentido de “quase insignificante”) de realismo que conseguia sobreviver no seu governo, que era Teixeira dos Santos. Algo se passa de muito errado, nomeadamente com Teixeira dos Santos, que depois da sua declaração chantagista, já deveria ter pedido a demissão. Aliás pedidos de demissão são actos omissos deste grupo de gente que nos governa. Isso e vergonha na cara. Aguardemos.

6.2.10

Là-bas, Je Ne Sais Pas Où... 5

Ambroise Baudry (1838-1906)
Palais de Ghiseh

5.2.10

Sabe Eduardo, o problema é que há sempre quem teime em não perceber, nem em querer perceber, a grande diferença que é, por um lado, ser um (o) accionista principal (dono) de uma empresa privada e despedir seja quem for, ou mesmo ser director dessa empresa e não gostar nem aprovar o trabalho que alguém produziu, e por outro, ser um político que tenta influenciar, pressionar, abusar do seu poder e planear para conseguir algo em seu benefício em empresas privadas das quais não é nem accionista, nem executivo. Isto só para falar em abstracto. Os casos dos últimos meses na comunicação social mostram que quando o Primeiro-ministro não gosta, (coisa que, em circunstâncias normais em democracia, seria só azar dele) há afastamentos e despedimentos.

Espírito Animalesco

Ele chamou-lhe, num dos momentos de insanidade que pontuaram o dia de ontem e que terminou com a sua absurda declaração imbuída da mais pura chantagem política e de má-fé, “Espírito Animalesco”. Nós não somos parvos. O mundo não é parvo. Os mercados não são parvos. Aliás, tal como o algodão, os mercados não enganam, nunca, e Portugal está no olho do furacão. Os mercados hoje abriram em baixa, até na Ásia. Dúvidas? É só ler as notícias.

Esta, por exemplo, da sóbria BBC: tudo preto no branco tal como “lá fora” nos vêem: Debt concerns in Europe were sparked by a lack of demand for government bonds in Portugal.


4.2.10

Perdido e Não Achado

Quando leio um livro, levo-o frequentemente para onde quer que eu vá. No carro, na mão, na mala (quando lá cabe), nunca me lembro de ter perdido um..., até agora. Estava a acabar, mas ainda não o tinha acabado. No dia em que senti a falta dele, presumi que estivesse no carro e comecei a olhar para a recentemente chegada encomenda da Amazon. Depois procurei: em todos os cantos da casa, na garagem, nos bancos dos carros. Telefonei: para os locais por onde passei nos últimos dias, para os Perdidos e Achados nos Olivais, para a Rádio Táxis cujos táxis utilizei. Nada. Ninguém viu livro nenhum. Ele estava sublinhado e anotado para poder escrever sobre ele aqui. O fado não se compadeceu e estou sem o livro (até encomendar outro). Deixo aqui, no entanto uma breve memória, porque não acredito que o vá reler e anotar tão cedo. Perdem-se os excertos, alguns deliciosos, e uma pequena série que estava a preparar sobre o livro.

Peter Ackroyd, A Retelling of
Geoffrey Chaucer's The Canterbury Tales

Quando, algures num tempo que parecia andar mais devagar, eu li o Decameron (Boccaccio, claro) que me deixou verdadeiramente deslumbrada e fascinada (e já tinha lido tanta coisa), fiquei com vontade de ler os Contos de Canterbury. Depois de comprar o livro, no original, como costumo fazer sempre que posso, abri-o e percebi que teria de decifrar em vez de ler. Senti-me realmente incompetente para essa tarefa e pousei o livro, lamentando não o conseguir ler, mas sem nunca procurar uma tradução. Recentemente, mão amiga ofereceu-me o livro acima ilustrado para grande alegria minha. Peter Ackroyd é um escritor peculiar e interessante, (de quem já li algumas obras) mas não é sobre ele que quero falar, a não ser para dizer da minha alegria no facto de me ter proporcionado a leitura, num inglês compreensível, mas cheio de carácter, elegância e densidade, desta obra fundamental de Chaucer.

Quando leio estes livros percebo porque razão volto e torno a voltar aos clássicos. Nestas obras está “lá” “tudo” o que há para estar; nem mais, nem menos. Tal como no Decameron (Chaucer foi influenciado por ele) a humanidade é tão humana quanto possível, mas nos Contos de Canterbury, o leque e a variedade de personagens e situações dos contos é menor. Também são menos contos do que os cem da obra de Boccaccio. A conjugalidade (homem e mulher casados, ou a casar) em todas as suas variantes e formas é talvez o tema predominante e mais glosado pelos peregrinos que se ajudam a passar o tempo contando e ouvindo histórias. O leque de peregrinos é amplo, mas predominam as classes mais populares, o que dá u tom genuíno e menos formal aos contos, ajudando a olhar essa “conjugalidade” de diversos formas e prismas: ora com imenso humor, ora aspirando à perfeita complementaridade, ora mostrando a sabedoria feita do dia-a-dia ou o desprezo perante a fraqueza, ora sublimando uma ideia de amor ideal ou ajustando-se e acomodando-se à situação que é e que pode ser. Muito actual, certamente. O livro merece ser lido, e lê-se deliciado, do primeiro ao último conto.

Os verdadeiros bota-abaixistas. Não há como fugir. Nem para a Madeira.

Adenda: Entretanto, o Ministro Teixeira dos Santos teima em querer andar enganado, já para não falar do seu estilo retórico tão duvidoso e revelador dessa teimosia em não ver.

3.2.10

Velas 20

Há dois dias

Discursos e Linguagens

O governo, naquele seu ímpeto de ir encontrando sucessivos bodes expiatórios para justificarem os seus fracassos, enganos e mentiras, tem andado entretido, e perdendo tempo e energia, a criticar as agências de rating, que não percebem nada, que são facciosas. O Ministro das Finanças até se irritou com elas e repreendeu-as pelo que considerou serem as suas estratégias comerciais, num acesso de algum patético provincianismo. Como se calcula, as agências de rating comovem-se pouco com discursos, se é que os ouvem: discursos não são o seu forte. A sua linguagem é outra e é a que sempre foi, por muitos discursos que se façam sobre seja o que for, nomeadamente o tão “politicamente correcto” discurso sobre o que o mundo financeiro “aprendeu”, ou “deveria aprender” com esta crise. É uma linguagem clara e simples: a procura do maior lucro possível com o mínimo risco possível. As agências de rating que são feitas para analisar, gerir e fornecer este tipo de informação aos mercados. As bolsas percebem e reagem. Teixeira dos Santos ou José Sócrates, por muito que esbracejem ou por muitos discursos que façam, contam pouco.

2.2.10

Parece que afinal a “asfixia democrática" sempre existe, se até o Expresso, na voz do seu director, já diz que
diz também que
e ainda acrescenta
Manuela Ferreira Leite, a eterna desprezada, a bota-abaixista - entre outros qualificativos, claro - parece que não errou uma declaração, uma previsão.

Sobram dúvidas sobre o tipo de Primeiro-ministro que temos? Os casos passados e este não bastam ainda para discernir um padrão? Acredito que os próximos dias sejam férteis em revelações. Diz-nos a História que a tendência dos homens do poder de chamarem “loucos”, “paranóicos” ou psicóticos a precisar de apoio, a todos os que lhe fazem frente, contradizem e mostram oposição é um mau sinal.

Há um cheiro pronunciado a declínio – a fim. Será que chegamos ao princípio do fim?

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